Mineradoras usam a pandemia como oportunidade para “marketing espontâneo” em rede nacional

O mercado muda, a audiência oscila, mas o Jornal Nacional segue soberano como o telejornal de maior audiência do Brasil há décadas, alcançando milhões de pessoas a cada edição. Essa influência massiva tem um preço: cerca de R$ 850 mil por um intervalo comercial de 30 segundos. Se o intervalo for dedicado a um único anunciante, o valor sobe para pelo menos R$ 1,3 milhão.

Quem é da comunicação sabe que o impacto de um anúncio direto, pago, é muito menor que uma propaganda “disfarçada”, um “publieditorial” ou uma menção positiva no meio de uma matéria jornalística. A credibilidade que passa para o público é bem mais significativa.

Considerando que o quadro “Solidariedade S/A”, criado pelo Jornal Nacional para divulgar “doações” de empresas durante a pandemia, veiculado no meio do jornal sempre com a palavra de um executivo em destaque no dia, seja gratuito, as mineradoras tem aproveitado bem a oportunidade para alcançar milhões de brasileiros com as suas ações.

Das que eu consegui identificar, apareceram no “Solidariedade S/A” do JN até o momento as seguintes mineradoras: Alcoa, Anglo American, ArcelorMittal, Braskem, Gerdau, Hydro, Mineração Rio do Norte, Novelis, Vale, Usiminas, Instituto Aço Brasil, Aperam, Ternium e Vallourec.

Um ótimo negócio. Na verdade este seria o sonho de toda comunicação institucional e assessoria de imprensa: emplacar o seu cliente no maior jornal do país com uma matéria 100% positiva, espaço para mensagem laudatória do CEO, sem custo e com ar jornalístico, não de uma mera propaganda paga no intervalo.

No caso, para mostrar as “doações” feitas pelas mineradoras – todas muito preocupadas com o bem estar das comunidades em que atuam – durante a pior pandemia dos últimos 100 anos.

Na extensa cobertura sobre mineração e coronavírus que tenho feito desde março, mostrei como as mineradoras atuaram para tornar a mineração uma atividade essencial após duas denúncias que fiz. Aliado de todas as horas, o governo Bolsonaro correu para publicar uma portaria sábado à noite e “resolver” a questão.

Na época, no início de abril, o Brasil tinha 8 mil casos e 299 mortes por Covid-19 registradas. Hoje são quase 3,5 milhões de casos e mais de 111 mil mortos. Graças ao genocida que ocupa indevidamente a presidência da República e todos os seus asseclas – é bom chamar as coisas pelo nome – o Brasil se tornou o centro da tragédia da Covid-19 no mundo, ao lado dos Estados Unidos.

Quando perguntei às maiores mineradoras do país – ainda no início de abril – o que estavam fazendo para evitar a pandemia, a contaminação entre os seus trabalhadores e o consequente colapso das cidades em que atuam, a maioria delas municípios que vivem literalmente em função da mineração, metade ficou em silêncio.

Afinal, é muito melhor anunciar no maior jornal do país a doação de migalhas para “combater a Covid” do que realmente agir dentro das minas para evitar o pior. Ao contrário: as grandes mineradoras atuaram em bloco desde o início para garantir que as suas atividades seguissem intocadas e o seu lucro também.

Doações propagandeadas e lucro bilionário enquanto contaminações explodem nas minas

Maior do Brasil e uma das maiores do mundo, o caso mais emblemático é o da Vale, que alega ter “doado” pelo menos R$ 500 milhões de reais para “ajudar no combate à pandemia”.

Mostrei desde o início as aglomerações de funcionários da Vale no Pará e em Minas Gerais, a primeira morte de um funcionário da Vale no Pará (outras se seguiram), a situação dramática em Itabira (MG), que chegou a ter a mina interditada e o agravamento do quadro para os trabalhadores no Pará, que abriga o maior projeto de extração de minério de ferro do mundo.

Enquanto isso, a Vale registrou lucro superior a R$ 6 bilhões somente no primeiro semestre de 2020 e anunciou que voltará a pagar dividendos aos acionistas, o que havia sido suspenso após o rompimento da barragem de Brumadinho, que matou 272 pessoas.

Além da Vale, diversas outras mineradoras se mostraram pouco dispostas a proteger os seus próprios funcionários. A CSN Mineração em Minas Gerais também manteve trabalhadores aglomerados e se negou a negociar com eles.

A Nexa Resources, que é do Grupo Votorantim, teve as atividades paralisadas no Mato Grosso pela justiça em maio. A Nexa foi uma das que sequer responderam à consulta que fiz em abril, assim como a ArcelorMittal, a Usiminas, a CBMM e a Alcoa.

O site “Monitor das Doações – Covid-19” coloca a mineração como o terceiro setor que mais doou, com R$ 584 milhões, atrás do sistema financeiro e do setor de alimentação e bebidas. Mas R$ 500 milhões desse total foram da Vale e esse valor corresponde a quase metade do lucro que a Vale teve no primeiro trimestre de 2020 (R$ 984 milhões). No semestre encerrado em junho, repito, esse montante supera R$ 6 bilhões.

No mundo, o cenário se repete.

Um relatório de mais de 300 organizações mostrou que as mineradoras têm aproveitado a pandemia para ignorar as ameaças e continuar operando, usando para isso todos os meios disponíveis – lobby, pressão por desregulamentação, forçar que a mineração se torne atividade essencial, silenciar protestos e usar doações e medidas locais como marketing positivo.

Mais de 4 mil trabalhadores da mineração em 18 países relataram surtos de Covid-19 nas minas em que trabalham, mostra o relatório.

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