Funcionário da Vale morre por Covid-19 no Pará

Foi confirmada a primeira morte de um funcionário da mineradora Vale, ontem (10) em Parauapebas, no Pará. Trata-se de Cidmar Teles, 42 anos, técnico eletroeletrônico, que trabalhava na Usina de Beneficiamento Serra Norte, no Complexo de Carajás, o maior projeto de extração de minério de ferro do mundo.

A Covid-19 foi confirmada por um teste rápido. Cidmar não possuía comorbidades. O teste inicial feito na esposa e no filho deu negativo. Outros 11 colegas de trabalho que tiveram contato com ele estão sendo monitorados.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Parauapebas e informações apuradas pela reportagem, Cidmar começou a se sentir mal em 29 de março. Ele deu entrada no serviço de saúde particular do hospital Yutaka Takeda no dia 04 de abril. Na quarta (8), a saúde piorou e ele foi encaminhado para a UTI também particular da Intensicare. Cidmar não tem histórico de viagem recente. A prefeitura confirmou a morte.

Em nota, a Vale respondeu que considera o caso ainda “suspeito”. “A Vale lamenta informar o falecimento de um de seus empregados, ocorrido na tarde desta sexta-feira, 10/4, em Parauapebas (PA), com suspeita de Covid-19. A empresa aguarda os laudos com os resultados dos exames para confirmar a causa da morte. A empresa está prestando todo apoio à família”, diz o texto enviado.

Perguntada por que a suspeita permanece e se confirmava as informações da secretaria, a Vale disse que iria se ater à nota.

O vereador Zacarias Marques (Progressistas), confirmou em conversa comigo por telefone que Cidmar é mesmo funcionário da Vale e que foi feita uma reunião esta manhã com a presença da mineradora e o secretário de saúde de Parauapebas, Gilberto Laranjeiras. Procurado, o secretário e a sua assessoria não retornaram até o momento.

Três dias antes de Cidmar começar a se sentir mal, publiquei uma reportagem no Intercept que mostra como os trabalhadores da Vale em Carajás estão aglomerados e expostos ao risco de contágio pelo coronavírus. Registros internos revelaram que as medidas alegadas pela empresa não surtiram efeito.

Na resposta enviada hoje, a Vale diz que “vem seguindo os protocolos de saúde e segurança estabelecidos pelas autoridades médicas e agências de saúde de cada um dos países em que opera”.

Com a morte de Cidmar, Parauapebas tem, oficialmente até o momento, outros 09 casos confirmados e 09 em investigação.

“Não é um caso isolado”

Vídeos que circulam em redes sociais mostram a indignação de pessoas próximas a Cidmar na tarde de ontem.

William, amigo e também funcionário da Vale, diz no vídeo abaixo que “demorou mais de 5 dias para ele ser internado” e que o hospital Yutaka Takeda não quis atendê-lo no primeiro momento. Segundo William, esse não é um caso isolado e vários outros funcionários da Vale correm risco, precisam ser testados e há outros internados. Eles procuraram ajuda e até o momento não foram atendidos.

Leia a transcrição e veja o vídeo:

“A Vale já sabia do caso dele, no nosso setor onde nós trabalhamos, já tem 5 pessoas afastadas por problemas de saúde, respiração. Uma senhora de 62 anos internada em Parauapebas é mãe de um colega nosso do mesmo setor. Acabou de entrar (no hospital) mais 2 pessoas que fazem parte do mesmo órgão (área). Tem algo acontecendo lá dentro. Ninguém quer fazer o teste rápido. Já ligamos para sindicato, supervisor, gerente, ninguém se manifesta.

Agora chegou uma assistente social. Estou com o coração partido por ter perdido um colega, alguém da família, ninguém se manifesta. Estão tentando tratar como caso isolado, não é isolado. Todos nós que somos amigos dele precisamos fazer o teste rápido sim. Eu, minha família, todos que trabalhamos na subestação de Carajás precisamos urgentemente ser ouvidos e fazer essa triagem”.

Em áudio, diretor de hospital de Parauapebas alerta para caos na cidade e diz que “bateu de frente” com a Vale

Em um áudio a que tive acesso, enviado por Luiz Leite Oliveira Filho, dono do hospital Santa Terezinha em Parauapebas, que fica ao lado da UTI da Intensicare, para o vereador Zacarias Marques (Progressistas), Luiz comenta o caso de Cidmar, alerta para o caos que a cidade pode viver, pede um hospital de campanha e afirma que está em litígio com a Vale. Zacarias Marques confirmou a autenticidade do áudio em conversa comigo. Fiz contato com o Hospital Santa Terezinha para falar com Luiz Oliveira, que não respondeu até o momento.

Ouça o áudio e leia parte da transcrição:

“Nós estamos cheios. Para você ter uma ideia, foram feitas 25 tomografias de tórax de suspeitos de Covid-19. Óbvio que nem todos 25 tiveram imagem radiológica sugestiva ou compatível com o quadro, mas grande parte deles sim. A cidade tá na transmissão comunitária. Você que é político, e alguns dos nossos líderes, representantes, pelo amor de Deus, vamos correr atrás de isolar esse pessoal. Não só isolar nosso povo do convívio social e sobretudo estimular o uso da máscara mesmo que seja caseira.

Vamos nos engajar nessa campanha senão será uma catástrofe. Nós somos uma cidade diferente e diferenciada. Diferente porque temos uma população migrante e diferenciada porque corre dinheiro nessa cidade. Eu continuo pedindo e tentando conseguir adesão com respeito aquela história do hospital de campanha.

Bati de frente ontem com a Vale do Rio Doce, uma discussão acirrada, inclusive com o infectologista deles, mostrando a realidade. Só vão abrir os olhos quando isso aqui virar uma calamidade pública essa cidade. Ela é propícia demais para uma contaminação. E já tem contaminação comunitária muita, muita…sem falar que é tão grande que estamos também com um colega médico está internado.

O Darci Lermen (prefeito de Parauapebas, do MDB) ficou de conversar comigo na segunda feira às 14 horas. Não estão enxergando, e a Vale, com a discussão acirrada que eu tive, o presente que ela me deu, tenho quase certeza que foi ela, foi o Ministério Público hoje, sexta-feira da paixão, fazer uma citação para mim fornecer para eles o que eu tinha de leitos para doentes intermediários, atender ao interesse da companhia Vale. Isso é o máximo do máximo do máximo. Nós precisamos nos unir isso aí, não precisamos, eu disse para eles, sou pequenininho, um grão de areia dentro do universo do deserto. Eu posso quebrar mas não vou me curvar à imposição da Vale do Rio Doce não, não vou mesmo, porque estou convicto do que estou fazendo.

O Albert Einstein, maior e melhor hospital do Brasil, incorreu nesse erro, cruzar pacientes comuns com pacientes do coronavírus e o que aconteceu? Contaminou muita gente, morreu muita gente lá dentro porque não estavam preparados para aquilo.

Temos que ter hospital específico, de campanha, para atender esse povo. Senão vai vir uma catástrofe maior do que no restante do país. Somos diferentes, ouça bem, diferente e diferenciado, viu, Zacarias.

A primeira vez que eu mandei o áudio pro secretário de saúde ele interpretou como nervoso, mas não é não, é realidade, cara, eu to gritando, to pedindo a todo mundo que ajudem. É tentar minimizar, não é resolver não, esse caos que vai acontecer na nossa cidade. Vamos correr atrás. Você como poder público pode estar nos ajudando nessa tarefa aí, a coisa é séria, não é brincadeira”.

Além do secretário de saúde, fiz contato com a assessoria de comunicação da prefeitura de Parauapebas para mais informações e não obtive retorno. Também pedi o posicionamento do governo do estado do Pará, que não se manifestou. Solicitei ainda o posicionamento do hospital Yutaka Takeda e para a UTI Intensicare, que não retornaram.

Aguardo a resposta de todos a qualquer momento e a reportagem pode ser atualizada assim que necessário.

Atualização: 9 dias após a publicação da reportagem, a assessoria do hospital Yutaka Takeda respondeu aos questionamentos na segunda (20 de abril). Segundo a nota, “o Hospital Yutaka Takeda (HYT) se solidariza com os familiares e amigos do paciente que faleceu na sexta-feira (10/4), registrado em uma unidade privada sem relação direta com o HYT.

Este paciente esteve internado no Yutaka Takeda, no período de 4 a 8/4, recebendo todo o suporte assistencial necessário, seguindo os protocolos de atendimento do Ministério da Saúde, sendo apoiado também pelo serviço de Telemedicina de um conceituado Hospital do país.

No dia 8, o paciente foi transferido para um serviço de alta complexidade com suporte de terapia intensiva, após evolução e agravamento do quadro clínico, onde faleceu após dois dias”.

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