Lobistas do carvão, mantidos com subsídios multibilionários, agora apostam em rótulo “sustentável”

ANÁLISE

Que o conceito de “sustentável” já foi banalizado há muito tempo, apropriado por inúmeras empresas, políticos e lobistas de histórico questionável e virou um selo que pouco ou nada diz sobre a atuação de determinado grupo é de conhecimento (quase) geral.

Mesmo com essa banalização irrestrita, a turma do carvão mineral conseguiu se superar: a associação brasileira dos lobistas do setor carbonífero agora se autointitula, atenção, “Associação Brasileira de Carbono Sustentável” (ABCS).

O responsável pela repaginada oportunista, que faz o termo greenwashing parecer insuficiente, é Fernando Luiz Zancan, que comanda há décadas o lobby carbonífero, concentrado no sul do Brasil.

A eliminação do uso do carvão tem patinado nas últimas Conferências do Clima (COP’s) da ONU, em especial pela dependência gigantesca que países europeus, Índia e China ainda tem de um dos combustíveis mais poluentes do mundo, responsável pelas condições de trabalho mais insalubres que se tem notícia desde o início da Revolução Industrial até hoje.

“A gente olha para uma transição justa, focada nas pessoas”, afirmou Zancan à Folha, dizendo que a agora ABCS quer “criar novas atividades econômicas para regiões mineiras” sem acabar com a indústria do carvão, que seria “necessário para a segurança energética do Brasil”.

Não é. Nunca foi e continuará não sendo. Nem remotamente.

O carvão responde por míseros 1% da matriz energética brasileira. Poluente, cara, ineficiente e atrasada, ainda recebe subsídios multibilionários pagos pelo consumidor, como a “Conta de Desenvolvimento Energético”, que deve abocanhar nada menos que R$ 40 bilhões nas próximas décadas.

Juliano Araújo, diretor-executivo do Instituto Arayara, organização membro da Coalizão Energia Limpa, da qual o Observatório da Mineração faz parte, resumiu precisamente a realidade sobre o golpe de marketing do carvão, que jamais pode ser considerado “verde” ou “sustentável”, lembrando que “mais de mil minas de carvão estão abandonadas e contaminam o meio ambiente todos os dias, gerando passivos hídricos e de superfície atmosférica”.

Um estudo da consultoria McKinsey mostrou que a mineração é responsável por cerca de 7% das emissões globais dos gases que causam o efeito estufa via ação humana. O principal culpado é o carvão, tanto no seu uso como energia quanto da extração e exportação como commodity. Se considerarmos as emissões indiretas, afirma a McKinsey, a estimativa sobe para 28% envolvendo a mineração.

Foto de destaque: mina de carvão em Candiota (RS) / Divulgação CRM

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Histórico de lobistas do carvão diz muito sobre a repaginada do setor

As aventuras dos lobistas do carvão são acompanhadas há muito por este Observatório. Em dezembro de 2020 revelamos que o Programa Mineração e Desenvolvimento (PMD), lançado por Jair Bolsonaro e Bento Albuquerque na ocasião, foi na prática ditado por associações representativas do setor mineral. 

O carvão foi um dos mais contemplados.

Fernando Luiz Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM) – agora ABCS – observou que cerca de 60% das metas do PMD tinham alguma relação com atividade de mineração de carvão e reivindicou que “o MME deveria “citar o carvão metalúrgico como mineral estratégico, para efeitos do Plano Pesquisa Geológica de bens minerais prioritários”.

O pedido não demorou para ser atendido.

Em agosto de 2021 o Ministério de Minas e Energia lançou um “programa sustentável” para o carvão mineral nacional, com o objetivo de manter a indústria em funcionamento e substituir antigas termelétricas por novas.

Com isso, estão previstos desde então R$ 20 bilhões em investimentos em carvão no Brasil nos próximos 10 anos, com apoio financeiro e fiscal direto da União. 

O foco do programa é justamente a continuidade da atividade de mineração de carvão na região Sul do Brasil, que concentra 99,97% da reserva de carvão mineral brasileira. Isso equivale, celebra o MME, a um potencial de abastecimento elétrico de 18.600 MW durante 100 anos de operação.

O PL 712/2019 sancionado por Jair Bolsonaro em janeiro de 2022 e transformado na Lei 14.299 para garantir a continuidade do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda faz parte desse contexto, adicionando no mínimo mais R$ 3,3 bilhões à conta na época. Coloque na conta ainda pelo menos mais de R$ 50 bilhões para contratar termelétricas embutidas na criminosa privatização da Eletrobras. Tudo bancado com o nosso dinheiro.

Nunca faltou dinheiro para o setor carbonífero, no Brasil e fora daqui, mesmo com a crise climática, as metas e acordos internacionais para tentar mitigar o colapso. Relatório de março de 2022 mostrou que os 60 maiores bancos do mundo investiram nada menos que US$ 4,6 trilhões de dólares em projetos de petróleo, gás e carvão desde a adoção do Acordo de Paris, em 2015.

Enquanto isso, o mundo precisará fechar quase 3 mil usinas movidas a carvão antes de 2030 se quiser ter uma chance de manter os aumentos de temperatura dentro de 1,5 graus Celsius. Mais de 2.000 GW de energia é gerado via carvão em todo o mundo hoje, e isso precisa ser cortado pela metade, o que significaria o fechamento de quase uma unidade por dia de agora até o final da década. 

Matéria especial que publicamos em setembro de 2022 mostra que estamos muito longe disso. Em Candiota, no Rio Grande do Sul, sede das termelétricas movidas a carvão mais poluentes do Brasil, a repórter Fernanda Canofre encontrou muito negacionismo, reforço da dependência do carvão e uma resistência enorme em encarar a realidade. As mesmas usinas que tem aumentado substancialmente as suas emissões.

Banalizado e relegado a quase nada, o rótulo “sustentável” tem nos lobistas do carvão os últimos oportunistas da narrativa fácil. Diante da realidade, porém, a propaganda não dura o tempo necessário para ler essa análise.

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