Estudo recém-publicado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) mostra que, em 2021, as emissões de gases de efeito estufa de usinas termelétricas movidas a carvão mineral cresceram 57% em relação a 2020.
O aumento indica um claro retrocesso na matriz energética brasileira e põe em risco as metas climáticas e os compromissos internacionais assumidos pelo país.
A piora é resultado direto da política de Jair Bolsonaro e das administrações do Ministério de Minas e Energia, que acionaram usinas térmicas poluentes e muito mais caras que outras fontes, em função da crise hídrica do ano passado.
O crescimento nas emissões gerais das usinas térmicas é ainda pior: 75% considerando todas as fontes, como carvão, gás, óleo combustível e óleo diesel.
Com esse aumento exponencial, a participação de fontes fósseis para geração de eletricidade no Brasil passou de 15%, em 2020, para 20%, em 2021. As 82 usinas movidas a combustíveis fósseis listadas no estudo emitiram 55,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e), aponta o IEMA.
O tempo em que as usinas termelétricas estiveram operando passou de uma média de 30% em 2020 para 50% em 2021. Ligadas por mais tempo, usinas movidas por fontes poluentes emitiram mais gases de efeito estufa e encareceram as contas de luz.
“Isso sem dúvida é um retrocesso”, comenta Saulo Rodrigues Pereira Filho, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador da Rede Clima/MCTI.
Para o Brasil ficar menos vulnerável às mudanças climáticas e o consequente acionamento de usinas térmicas, aponta Pereira Filho, é preciso acelerar a transição da matriz energética brasileira para fontes renováveis, como solar e eólica, diz.
Nas últimas décadas o país realmente retrocedeu: em 2000 apenas 9% da eletricidade adivinha de fontes fósseis, número que atingiu 20% no ano passado, como destacado pelo estudo. “Isso ameaça a meta climática da NDC brasileira para 2025 que é de reduzir 37% das emissões em relação a 2005”, lembra o professor da UnB.
No caso do carvão mineral usado pelas usinas há ainda um agravante: a má qualidade do carvão brasileiro, concentrado no sul do Brasil, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que o torna ainda mais poluente que a média.
Além de ser o combustível fóssil mais sujo em termos de emissões de carbono, lembra Pereira Filho, o carvão mineral brasileiro contém muitas impurezas compostas de sulfeto de ferro.
É o caso da usina de Candiota III (RS), movida a carvão mineral e apontada pelo estudo do IEMA como a maior emissora de gases de efeito estufa no Brasil.
Matéria do Observatório da Mineração, que visitou a cidade em setembro, mostrou que a dependência do carvão mineral é defendida pelo poder local e os dados são questionados sem apresentar contraponto técnico.
Em resposta à reportagem, a Eletrobras, que é dona da usina via CGT Eletrosul, afirmou que é “líder mundial em renováveis e detém um dos menores níveis de emissões de carbono da indústria, na comparação com outros players do mercado” e que “está trabalhando para desinvestir nos poucos ativos que ainda emitem uma quantidade maior de gases do efeito estufa”.
A Engie, dona da outra usina de Candiota, a Pampa Sul, segunda no ranking de maiores emissoras, não respondeu ao pedido de comentário da reportagem. A Engie é a empresa que mais emitiu gases de efeito estufa por eletricidade gerada em 2021, com 1.140 tCO2e/GWh – quase o dobro da média observada no sistema nacional, de 582 tCO2e/GWh.
Quatro empresas concentram 61% das emissões
O estudo do IEMA aponta que apenas quatro empresas responderam por 61% das emissões de GEE de 2021: Petrobras (26,1%), Eneva (13,9%), Eletrobras (11,8%) e Fram Capital Energy (8,8%).
Na sequência, para completar a lista das dez maiores emissoras, aparecem EDP Energias do Brasil, Électricité de France – EDF, Engie, Global, Vulcan e Neoenergia.
Somente essas dez empresas foram responsáveis por 82% das emissões, o que equivale a 45,4 milhões de toneladas de gases de efeito estufa emitidas.
Procuradas pela reportagem, Petrobras, EDP e EDF afirmaram que não irão comentar o estudo.
O Complexo do Pecém, responsável pelas usinas de Porto do Pecém I e II, movidas a carvão e no ranking das mais emissoras e menos eficientes, não respondeu até o fechamento desse texto, assim como a Neoenergia, o BTG Pactual, dono do fundo de investimentos Vulcan e a Global Energia.
A Eneva disse que a geração a carvão “representa apenas 11,5% da capacidade total contratada da Eneva atualmente” e que as térmicas a carvão da empresa “estão entre as mais eficientes do país”. A Eneva promete “executar o phase-out das usinas a carvão até 2040 e ampliar o portfólio de plantas de geração renovável”.
A Fram Capital Energy, em parceria com a Diamante, que é responsável pelo Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, de Santa Catarina, disse que “está comprometida com um futuro de baixo carbono, com o atingimento das metas de “net zero” assumidas pelo Brasil” e que “a transição deverá seguir de forma planejada e gradual, preservando os mais de 20.000 empregos que dependem da indústria carbonífera do sul de Santa Catarina, bem como a segurança energética do País”.
Leia na íntegra as respostas enviadas pelas empresas.
Para Raissa Gomes, do IEMA, “é necessário que o novo governo foque na geração a partir de fontes renováveis. No entanto, a previsão da instalação de 8.000 megawatts de termelétricas a gás que deverão operar até 2045 e a extensão dos subsídios e da vida útil de usinas a carvão mineral até 2040, feitas pelo governo Bolsonaro, são um exemplo de como ir na contramão da redução de emissões”.
A contratação dessas térmicas a um custo superior a R$ 50 bilhões, embutidas na privatização da Eletrobras, pode adicionar ainda 20 milhões de toneladas de CO2e à conta nos próximos anos.
No mundo, 2022 registrou o maior consumo de carvão da história, com 8 bilhões de toneladas, divulgou a Agência Internacional de Energia.