TRF-6 suspende licenças do projeto da Tamisa na Serra do Curral por falta de consulta ao quilombo Manzo Kaiango

O Observatório da Mineração foi o primeiro veículo de imprensa a ouvir as lideranças quilombolas e denunciar, em 05 de maio de 2022, a falta de consulta prévia, livre e informada da Tamisa à Comunidade Quilombola Mango Ngunzo Kaiango no empreendimento mineral na Serra do Curral em Belo Horizonte.

Ontem, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) obrigou a suspensão imediata de quaisquer atividades realizadas pela mineradora no local e suspendeu as licenças prévia e de instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril por entender que além da “flagrante violação do direito à consulta dos quilombolas, fica também evidenciado que o início das atividades de instalação autorizados pelo Estado trazem risco direto e imediato à manifestação existencial da comunidade Manzo”.

Para o desembargador, “a memória, a religiosidade, a liberdade e cultivo de práticas relacionadas com a natureza, dentre outros elementos, não podem ser desprezados a partir da supressão da consulta e do consenso que a Convenção 169 da OIT exige”.

Para o procurador da República Edmundo Antonio Dias, autor da ação e do recurso, “a decisão do TRF6 é o primeiro caso em que a nova corte federal aprecia o direito à consulta prévia, livre e informada, que é uma obrigação que o Brasil assumiu internacionalmente”.

Como mostramos na matéria de maio, os membros da comunidade jamais foram ouvidos pela mineradora e tiveram o seu direito de consulta prévia, livre e informada ignorado. A Tamisa tenta ignorar a própria existência da comunidade.

“É um genocídio cultural”, afirmou Cássia Cristina da Silva, a Makota Cássia Kidoialê, líder do quilombo formado na década de 70 por sua mãe, Efigênia Maria da Conceição, a Mametu Muiandê.
“Não tem outro nome para isso. O nosso modo de vida vem a partir da nossa cultura. É o que nos sustenta, nos alimenta, é o que nos mantém. As nossas expressões culturais, históricas e os ritos sagrados dependem de toda essa vegetação”, explicou Cássia.

Cerca de 42 famílias convivem no quilombo situado no bairro de Santa Efigênia, bem próximo – até 3km – da área da Serra do Curral que será afetada pela Tamisa, região da Mata da Baleia, onde foi criada a primeira unidade de conservação ambiental de BH, em 1932. O quilombo também tem outra área em Santa Luzia, na região metropolitana da capital.

Nos locais pratica-se religiões de matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé de nação Congo-Angola. Também existe um projeto social, o Kizomba, que atende dezenas de jovens da comunidade em atividades culturais.

Para Makota Kidoialê, a mineração na Serra do Curral afetará violentamente o modo de vida do quilombo Ngunzo Kaiango, que é patrimônio imaterial de Minas Gerais desde 2018 e patrimônio de BH desde 2013. 

“Isso muda toda a lógica natural de vida e sobrevivência de uma população que não aceita e não quer viver no modelo capitalista. Nós deveríamos ser consultados. Você não pode forçar uma comunidade a viver do modo que você quer”, diz a Makota, cargo de grande importância dentro de um terreiro de candomblé.

As pessoas que vivem em torno do quilombo usam as áreas disponíveis para hortas comunitárias e realizam seus cultos nas matas próximas às nascentes ainda restantes na região, inclui também uma árvore sagrada para eles.

O projeto da Tamisa na Serra do Curral passa por forte escrutínio público desde que foi aprovado, em uma sessão que terminou na madrugada de um sábado, no fim de abril.

Também em maio, mostramos com exclusividade que o projeto original da Tamisa na Serra do Curral é, na verdade, 15 vezes maior do que o licenciado.

Ambientalistas temem que a Tamisa tenha reduzido significativamente o tamanho e o impacto do projeto para conseguir de forma mais fácil e rápida o licenciamento e que, ao longo dos anos, a mineradora entre com pedidos de ampliação.

A prática é comum em diversos projetos minerários de grande porte em Minas Gerais.

O direito de consulta livre, prévia e informado, garantido pela Convenção 169 da OIT e ratificado em lei pelo Brasil, está sob ataque constante. Em agosto, empresários e mineradoras do Pará tentaram fazer com que o atual governo abandonasse formalmente a Convenção 169.

Após a repercussão, voltaram atrás.

Foto de destaque: Antonia Muniz

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