Exclusivo: Projeto original da Tamisa na Serra do Curral é 15 vezes maior do que o licenciado

Aprovado às 3h da manhã de 30 de abril pela Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (CMI/COPAM), o projeto de mineração da Tamisa/Cowan na Serra do Curral enfrenta diversas ações judiciais.

Mas uma checagem inédita do Observatório da Mineração mostra que a área licenciada na CMI/COPAM pode ser apenas o começo. O projeto original da Tamisa é 15 vezes maior que o aprovado na CMI.

Ambientalistas temem que a Tamisa tenha reduzido significativamente o tamanho e o impacto do projeto para conseguir de forma mais fácil e rápida o licenciamento e que, ao longo dos anos, a mineradora entre com pedidos de ampliação.

A prática é comum em diversos projetos minerários de grande porte em Minas Gerais.

De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental de 2014 e uma apresentação feita pela empresa em 2018 obtida com exclusividade pela reportagem, a área afetada em hectares é de 1536 hectares contra os cerca de 101 hectares do projeto aprovado, como mostra a imagem em destaque, inédita.

Isso afetaria drasticamente uma área preservada de Mata Atlântica fundamental do ponto de vista ambiental, hídrico, histórico, cultural e paisagístico para toda a região metropolitana de BH.

A proposta inicial se expande junto com a área. A reserva lavrável estimada no projeto original é mais de 20 vezes maior, o total de produtos mais de 12 vezes maior e a vida útil do empreendimento, hoje estimada em 12 anos, é na verdade de 30 anos. Veja o quadro comparativo, também inédito.

Outro fato que confirma o temor dos ambientalistas é que além dos cinco requerimentos minerários já incluídos no projeto atual – nº 4.791/1961, 831.207/1985, 833.232/2003, 831.073/2005 e 831.142/2005 – a Tamisa tem no total 12 requerimentos tramitando na Agência Nacional de Mineração, todos para explorar minério de ferro e manganês em BH, Nova Lima, Sabará e Raposos, exatamente a mesma região do projeto original de meados dos anos 2000.

Em resposta ao Observatório, a Tamisa disse que diminuiu o tamanho do projeto em função do rompimento da barragem de Mariana em 2015 e nova solicitação do órgão ambiental, que os requerimentos em andamento são algo “comum na indústria” e que deve “aproveitar ao máximo” as jazidas identificadas desde que isso seja “viável ambientalmente”.

Prática comum na mineração

Os requerimentos na ANM são um indicativo de que a empresa mantém os seus planos de ampliação e que reduziu o projeto agora para alcançar o licenciamento mais rapidamente.

“Essa é uma prática comum na mineração”, afirma Maria Teresa Corujo, a Teca, do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM), profunda conhecedora das táticas burocráticas usadas por mineradoras em MG.

“Já vi casos semelhantes de processos de licenciamento que são apresentados de forma fragmentada da sua totalidade. Tanto é assim que o empreendedor requer a ampliação ao longo do tempo após a primeira licença. Os grandes complexos minerários em operação em Minas Gerais são assim precisamente devido às inúmeras ampliações que são objeto de processos de licenciamento ao longo dos anos”, resume Teca.

O complexo minerário da Tamisa na Serra do Curral começou a ser pensado em meados dos anos 2000 e, de lá para cá, passou por várias versões até chegar ao formato atual, reduzido. O que foi aprovado na CMI agora é ainda menor –101 hectares – do que a versão atualizada da apresentação de 2018, conforme o quadro comparativo (149 hectares).

A proposta original incluía uma gigantesca barragem de rejeitos, o deslocamento de população na área urbana e o rebaixamento do nível de água.

O receio é que, com o tempo, a Tamisa peça a ampliação e os impactos na região se multipliquem exponencialmente.

Mapa do Estudo de Impacto Ambiental atual da Tamisa mostra que, no caso do meio biótico, o impacto chega a quase 6 mil hectares, mesmo com o projeto reduzido

Julio Grillo, ex-superintendente do Ibama em Minas Gerais, confirma que esta é uma prática frequente em projetos de mineração em MG. 

“Pede-se primeiro uma pequena fase da mineração para poder facilitar o licenciamento e com o tempo vão licenciando o resto. Então a gente nunca tem a noção exata do que será todo o empreendimento. Eu sempre fui contrário a isso. Tem que apresentar o empreendimento por completo. E não é assim que está ocorrendo e não é assim que ocorre normalmente”, critica Grillo, que também é representante da Promutuca, entidade ambientalista que foi um dos 4 votos contra o projeto da Tamisa na reunião da CMI de 30 de abril.

Após a aprovação do licenciamento, o projeto da Tamisa enfrenta a mobilização da sociedade civil e da classe artística, uma ação na justiça da prefeitura de Belo Horizonte, que alega que não foi consultada no processo, uma ação do Ministério Público de Minas Gerais que pede a anulação da licença, posição referendada pelo MPF e a possibilidade de abertura de uma CPI na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Entre as ilegalidades listadas pelo MP, constam a fragmentação irregular do projeto para simplificar a licença e comunidades ignoradas. O quilombo Manzo Kaiango, patrimônio de Minas Gerais, não foi ouvido pela empresa.

Mapa presente no EIA atual, conforme licenciado

Tamisa diz que aproveitamento máximo do minério pode ocorrer respeitando a “viabilidade ambiental”

Em resposta ao Observatório da Mineração, a Tamisa, que é da construtora Cowan, enviou a seguinte nota:

“Em novembro de 2014, a TAMISA instruiu processo de licenciamento ambiental do Projeto CMST numa dimensão muito maior que a atual. O Projeto era, então, subdividido em três fases, sendo a terceira, com produção de 25 Mtpa, com beneficiamento a úmido e uma barragem de rejeitos com volume de armazenamento de 340 Mm3 (milhões de metros cúbicos).

Com o rompimento da barragem do Fundão, ocorrido em novembro de 2015, o órgão ambiental, em setembro de 2016, solicitou à TAMISA a revisão do seu projeto.

Em atendimento ao solicitado, a TAMISA retirou a Fase 3 do processo de licenciamento ambiental e substituiu a barragem da Fase 2 pelo processo de filtragem e empilhamento de rejeitos, eliminando, assim, qualquer barragem de rejeitos do Projeto CMST.

Assim, só com as fases 1 e 2, e sem a Fase 3, o projeto ficou em ordem de grandeza muito menor que o da versão original.

Como estabelecem as normas, como concessionárias da União e por força da legislação, as empresas de mineração têm a obrigação de aproveitar a maior quantidade possível de minério de cada um dos direitos minerários de que são titulares, como forma de benefício para toda a sociedade.  Evidentemente, esse aproveitamento máximo deve se dar em condições de viabilidade ambiental, o que resulta na necessidade do licenciamento ambiental.

Quanto aos demais títulos minerários da TAMISA, os mesmos encontram-se em estágios diferentes, o que é absolutamente comum na indústria da mineração, que tem a obrigação legal de desenvolvê-los de acordo com Planos de Aproveitamento Econômico (PAE) a serem analisados pela ANM”.

Na avaliação técnica de Maria Teresa Corujo, do MovSam, isto não exclui a possibilidade da Tamisa conseguir ampliar o projeto na Serra do Curral no futuro.

“Se já existe um PAE que engloba 5 direitos minerários (e somente em três deles tem Área Diretamente Afetada no processo recentemente licenciado) e haverá novos PAE´s dos demais títulos, a meu ver, a Tamisa ao trazer a questão da “obrigação” já sinaliza que não vai ficar somente na fase 1 e 2”, diz Teca, que tem longa experiência na análise de licenciamentos minerários.

Para Corujo, quanto ao apontamento da Tamisa de que “esse aproveitamento máximo deve se dar em condições de viabilidade ambiental, o que resulta na necessidade do licenciamento ambiental”, o processo licenciado “comprova que a questão da viabilidade ambiental (além de outras questões) foi totalmente desconsiderada. Ou seja, não há qualquer garantia de que ampliações do projeto no futuro não recebam licenças”, finalizou Teca.

EIA atual também mostra o impacto na qualidade do ar diretamente sobre Belo Horizonte

Qualquer ampliação deverá passar por análise técnica, diz governo de MG

Em resposta aos questionamentos da reportagem, a Secretaria de Meio Ambiente de MG (Semad) disse que “qualquer ampliação do projeto deverá passar por análise técnica do órgão ambiental e por todo trâmite de aprovação junto ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Copam). No caso do projeto original, cuja 3ª fase se dava para instalação no município de Sabará, há uma norma estadual que hoje impede a implementação do projeto tal como se apresentava”.

Ainda de acordo com a Semad, “a Tamisa fez pedido de licenciamento de Licença Prévia das fases 1 e 2 e de Licença de Instalação da fase 1. A área das fases 1 e 2 é de 101 hectares, cuja operação está prevista para 13 anos. Qualquer alteração dependerá de análise técnica do órgão ambiental, devendo passar por todo trâmite de aprovação junto ao Copam. A Semad atua de acordo com as análises técnicas e normas vigentes”.

Atualização de 12 de maio: MPF pede explicações à ANM

Baseado nesta reportagem, o Ministério Público Federal de Minas Gerais pediu nesta quinta (12) novas explicações à ANM sobre a real dimensão dos títulos minerários concedidos à Tamisa.

“A aprovação pelo Copam do Complexo Minerário Serra do Taquaril pode ter considerado área muito menor do que o tamanho real do projeto, o que impactaria significativamente na análise das consequências de sua implantação, com a subavaliação dos reais impactos ambientais”, disse o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva.

O MPF menciona a possibilidade de que o projeto original esteja agora sendo fracionado justamente para facilitar sua aprovação pelos órgãos competentes, eis que estariam em curso 12 requerimentos de concessão de título minerário naquela área feitos pela mesma empresa.

Foram pedidas, entre outras, informações sobre os respectivos estágios/status de tramitação dos requerimentos e a apresentação dos respectivos Planos de Aproveitamento Econômico de cada processo.

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