O primeiro ano de governo Bolsonaro acaba de alcançar mais um recorde: foram 489 conflitos pela água registrados em todo o Brasil em 2019, segundo o levantamento anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgado hoje. A mineração é a principal responsável por esses conflitos, com 39% do total. Cerca de 70 mil famílias foram afetadas.
Nunca houve tantos conflitos pela água no Brasil desde que a CPT começou a fazer esse levantamento, em 2002. Em comparação com 2018, o aumento foi de 77%. Para se ter uma ideia, em 2002 foram apenas 8. Mais de 6.000% de aumento em menos de 20 anos.
Minas Gerais, maior estado minerador do Brasil, lidera as estatísticas: foram 128 conflitos, seguido por Bahia (101) e Sergipe (69), os 3 estados somam 61% do total. Em Minas Gerais, no entanto, mais de 91% (117) dos conflitos foram causados por mineradoras nacionais ou internacionais.
A violência da mineração impressiona. Nos conflitos provocados por mineradoras, houve 40 casos violentos: agressão (6); contaminação por mercúrio (7); ameaças de morte (4); danos (5); humilhação (3); intimidação (2); mortes em consequência de conflito (8); omissão ou conivência (5).
Expansão da mineração em Minas Gerais é uma das causas
Os conflitos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho, da Vale, e o rompimento em Mariana, em 2015, da Vale e BHP, que afetou centenas de quilômetros da bacia hidrográfica do Rio Doce, entram nessa conta.
Para Alexandre Gonçalves, agente da CPT em Minas Gerais, o aumento exponencial do número de casos de conflitos pela água acontece tanto por um refino da metodologia e mais atenção dada pela Pastoral ano a ano, quanto pela crescente pressão da mineração e do agronegócio.
“Estamos vendo um caos da mineração em Minas Gerais. Há uma intensificação dos crimes cometidos pela mineração em relação a água, especialmente com o aprofundamento dos processos minerários. As mineradoras tem avançado para outras regiões do estado, como o Norte de Minas, o que aumenta os conflitos”, analisa Gonçalves.
Em Minas, são os ribeirinhos que mais sofrem, com 37% dos conflitos. De acordo com o agente da CPT, há uma falência das estruturas de monitoramento e contenção de rejeitos das mineradoras. O altíssimo consumo de água pela mineração, o rebaixamento do lençol freático nas regiões em que as empresas atuam e a contaminação direta da água são os principais problemas, avalia.
Pescadores são os mais atingidos no Brasil. Centenas esperaram mais de 4 anos para ter o seu direito reconhecido pela Vale/BHP
Em todo o Brasil, os mais atingidos são os pescadores, com 41% do total de conflitos em 2019. Em seguida vem os ribeirinhos (22%), pequenos proprietários (9%) e quilombolas (6%).
No caso do rompimento da barragem de Mariana, centenas de pescadores lutam para ser reconhecidos como atingidos mais de 4 anos depois do crime. Em Linhares (ES), 101 pescadores só foram reconhecidos pela Vale/BHP em novembro de 2019 e começaram a receber as indenizações em 2020.
Pescadores de camarão de Vitória também só passaram a receber a partir de janeiro de 2020. São pessoas que tiveram o seu meio de subsistência destruído e se viram completamente sem renda do dia para a noite. Após anos de luta, um acordo só foi possível com a intervenção do Ministério Público e das Defensorias Públicas.
“Depois de muita luta, é uma alegria para a classe toda. Depois do desastre ficamos numa situação desesperadora. Graças as Deus com essa indenização poderemos tocar a vida novamente. Esperamos que mais para frente esse problema seja resolvido porque a indenização acaba, nosso trabalho não”, declarou o pescador Ademar da Silva Eleotério ao jornal A Gazeta.
Em todo o Espírito Santo, 50 mil pessoas foram afetadas diretamente pelo rompimento da barragem de Mariana e, mais de 4 anos depois, menos de 10 mil foram indenizadas.
Em Minas Gerais não é diferente. As famílias atingidas em Mariana ainda sofrem com a negligência do Estado e das empresas, que não cumprem os procedimentos legais, lembra a CPT.
Muitos pescadores, além de não serem reconhecidos como atingidos pela Vale/BHP, viram sua renda cair drasticamente. É o caso de Braz Clarindo Filho, que tirava até R$ 27 mil por mês com dois barcos de pesca e, depois do rompimento que contaminou mais de 600 km do Rio Doce até o mar no Espírito Santo, tira no máximo R$ 3 mil em meses bons. As indenizações, além de demorarem, não chegam perto de oferecer a mesma qualidade de vida que essas pessoas tinham antes.
Enquanto isso, a Fundação Renova, controlada por Vale e BHP, tem investido em propaganda para vender a ideia de que a água do Rio Doce está completamente recuperada, o que não é comprovado por estudos e pela população.
Empresários vem em segundo no ranking
Depois da mineração com 39%, vem os empresários, responsáveis por 36% dos conflitos pela água no Brasil, seguidos por hidrelétricas, 11% e governos, 7%.
Na Bahia, segundo estado mais afetado, os empresários internacionais ligados à exploração petrolífera – conflitos decorrentes do vazamento de óleo – ocupam o primeiro lugar com 40,5% (41) seguidos pelas mineradoras nacionais ou internacionais, com 32,6% (33), e dos fazendeiros, com 22,7% (23), juntos somam 95,8%.
No Sergipe, em 100% dos casos, empresários nacionais ou internacionais foram os causadores da ação. Foi um dos estados nordestinos mais prejudicado com o vazamento de óleo em suas praias.
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