Lobby garimpeiro aproveita a escalada da guerra e a cotação do ouro em alta para avançar sobre a Amazônia

Não são apenas os pastores evangélicos aliados de Jair Bolsonaro que tomaram conta do Ministério da Educação com pedidos de propina para satisfazer aos seus interesses que estão de olho no ouro.

Investidores de todo o mundo mantém a aposta no metal diante da imprevisibilidade da guerra na Ucrânia e da inflação alta em mercados como os Estados Unidos e a Inglaterra.

Desde o início da pandemia em março de 2020 a cotação do ouro segue em disparada e em patamares históricos elevadíssimos.

A maior cotação foi atingida em agosto de 2020, chegando a $ 2.072 dólares por onça-troy, a medida utilizada no mercado que representa cerca de 31 gramas.

Hoje a cotação se mantém regularmente acima de $ 1900 dólares e a tendência é de alta com o agravamento da ação militar russa na Ucrânia.

No Brasil, o descontrole na cadeia do ouro é total. Das milhares de permissões concedidas pela Agência Nacional de Mineração sem critério até o tráfico internacional do ouro extraído ilegalmente, esquentado com verniz de “legal”, o crime organizado encontra inúmeras facilidades.

Não surpreende, portanto, que o ouro seja um “ativo” favorito em casos de corrupção.

O impacto no Brasil deste cenário é direto e ajuda a manter o crescimento do garimpo ilegal na Amazônia, especialmente dentro de terras indígenas, movimento que se acelerou justamente desde o início do governo Bolsonaro e em especial a partir da pandemia.

Articulação pelo PL 191 tem fertilizantes como desculpa e ouro como alvo

Usando a desculpa da dependência externa de fertilizantes e a guerra como “gancho”, o que Bolsonaro, parlamentares e lobistas querem, na realidade, é o acesso livre ao ouro do solo amazônico, demanda antiga de figuras muito próximas ao presidente.

O trânsito entre lobistas do ouro, empresários e a cúpula do governo em Brasília é amplo e irrestrito, como diversas matérias deste Observatório mostram.

Diante do fracasso das articulações para alterar o Código de Mineração no fim de 2021 e atento ao ano eleitoral, o governo começou 2022 apostando tudo em conseguir aprovar o que não foi capaz até agora, o que inclui o PL 191/2020, que autorizará garimpo, mineração, agronegócio e projetos de infraestrutura em terras indígenas.

Aliado de Jair Bolsonaro e com campanhas em parte financiadas por empresas ligadas ao garimpo na Amazônia – como mostrei aqui em fevereiro de 2021 –Arthur Lira, presidente da Câmara, passou por cima do regime da casa e criou um “grupo de trabalho” para analisar o PL 191.

A expectativa é que a votação aconteça na Câmara dos Deputados na primeira quinzena de abril. A urgência foi aprovada por 279 votos a 180 duas semanas atrás.

Sem passar por comissões, o que seria o trâmite regular, a criação de grupos de trabalho atende à urgência requerida pelo governo de Jair Bolsonaro, que em janeiro colocou o PL 191 entre as prioridades para o ano. A manobra também permite que o grupo tenha a imensa maioria de deputados governistas, 13, contra apenas 7, em tese, da oposição.

Espertamente, Lira quer embutir um Novo Código de Mineração – aquele que foi encomendado por ele e Bolsonaro e empacou ano passado – dentro do GT sobre o PL 191. O primeiro semestre é a oportunidade para passar o trator.

Nesta quinta (24), Raul Jungmann, o novo presidente eleito do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que representa as maiores mineradoras do Brasil, se reuniu com Arthur Lira. Oficialmente, o discurso é “se colocar à disposição dos parlamentares para abrir espaço ao setor se manifestar e apresentar informações técnicas que possam contribuir para o debate no Legislativo”.

Recentemente o IBRAM conseguiu emplacar na mídia a narrativa de que é contra o PL 191, embora o seu histórico, as relações com o governo e o apoio direto dado ao projeto em 2020, além dos bastidores, indiquem uma realidade bem mais complexa, como expliquei aqui. Jungmann, ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública do governo de Michel Temer, assumiu a presidência do IBRAM em 01 de março.

o novo presidente do Conselho Diretor do IBRAM será Wilfred Bruijn, CEO da Anglo American, mineradora inglesa que até há pouco tempo mantinha centenas de requerimentos para minerar em terras indígenas na Amazônia e que recebeu US$ 627 milhões de dólares do banco alemão Commerzbank para as suas operações no Brasil, que incluem uma grande mina de minério de ferro em Minas Gerais com longo histórico de conflitos com comunidades locais.

Indígenas, artistas e ex-ministros tentam impedir retrocessos

Para enfrentar o PL 191, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), estendeu a duração do Acampamento Terra Livre, maior manifestação indígena do país que costuma reunir milhares de lideranças em Brasília, para até 14 de abril, começando no dia 04.

Antes, em 30 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) votará 7 ações importantíssimas sobre temas ambientais. A iniciativa é resultado do Ato Pela Terra, movimento organizado pela sociedade civil e liderado por artistas como Caetano Veloso, que se reuniram em Brasília com ministros do STF e com o presidente do Senado para cobrar a defesa de pautas ambientais e uma discussão ampla sobre o PL 191.

Nove ex-ministros do Meio Ambiente também estão se reunindo esta semana com membros do Legislativo e do Judiciário para tentar barrar retrocessos.

A área minerada por garimpo saltou 495% dentro de terras indígenas apenas nos últimos 10 anos, segundo o MapBiomas. Nas unidades de conservação, o incremento foi de 301% no mesmo período.

Cerca de metade do ouro exportado pelo Brasil nos últimos 5 anos, 229 toneladas, tem indícios de legalidade, de acordo com estudo do Instituto Escolhas. Em áreas como o Tapajós, no sudoeste do Pará, o garimpo tem destruído centenas de quilômetros de rios e afetado irreversivelmente a vida de povos indígenas.

Em janeiro e em fevereiro, uma série de decretos de Jair Bolsonaro – questionados no STF e no Congresso – alteraram o Código de Mineração e criaram estímulos para o garimpo ilegal.

“Porto seguro”, ouro é queridinho de investidores em tempos de guerra

O cenário se repete há décadas: ao menor sinal de instabilidade econômica, de conflitos, guerras e incertezas, a cotação do ouro dispara em virtude da corrida de investidores para o metal.

Foi assim durante os anos 70, por exemplo, com a revolução no Irã, a guerra entre Irã e Iraque e a invasão soviética no Afeganistão, com o aumento do ouro chegando a 126% em 1979.

O quadro se repetiu quando os Estados Unidos bombardearam a Líbia em 1986, quando o Iraque invadiu o Kuait em 1990, depois do 11 de setembro de 2001 e na invasão americana no Iraque em 2003.

A pandemia que se arrasta desde 2020, a inflação em alta em todo o mundo e o impacto geral nas commodities minerais e não-minerais, tudo isso se agrava com a guerra na Ucrânia.

Na medida em que os ataques russos chegam na fronteira da Ucrânia com países da OTAN, o medo é de uma escalada da guerra.

Um ataque de míssil russo que matou 35 pessoas no oeste da Ucrânia, a apenas 24 quilômetros da Polônia, aumenta a especulação sobre a possibilidade de um míssil “errante” ou uma bomba cair em um membro da OTAN (Polônia, Romênia, Hungria e Eslováquia, todas na fronteira com a Ucrânia, fazem parte da OTAN), expandindo a guerra. Pela constituição da OTAN, um ataque a um membro é um ataque a toda a aliança.

Os riscos de ataques nucleares de lado a lado também não estão descartados. No status atual, a guerra já aumenta consideravelmente os gastos militares de países fora do eixo direto do conflito, como a Alemanha. E isso representa ainda mais necessidade de metais e minerais.

A mineração tem relação direta com a indústria bélica. Planos de “transição energética”, “economia verde” e combate à crise do clima, na prática, ficam duramente comprometidos.

2022 será mais um ano decisivo para os líderes globais decidirem que rumo tomar. Com o tempo cada vez menor para evitar um colapso, as escolhas até aqui revelam pouco apreço pela inteligência.

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