A Anglo American confirmou em carta enviada à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Amazon Watch que não pretende desistir de minerar em terras indígenas na Amazônia brasileira.
A resposta veio na esteira do relatório “Cumplicidade na Destruição”, que eu escrevi e ajudei na pesquisa, publicado em outubro de 2020 e de uma nota pública da Apib de dezembro que pedia que a mineradora inglesa se comprometesse a não minerar em terras indígenas no Brasil.
Ao se recusar a abandonar os seus planos, a Anglo American confirma que os requerimentos que possui na Agência Nacional de Mineração não são algo meramente protocolar e que, sim, as mudanças na legislação podem finalmente favorecê-la.
Para entender o contexto é preciso voltar um pouco no tempo.
Em março de 2020 eu publiquei essa matéria na Mongabay, mostrando que a Anglo American e as suas subsidiárias Tanagra e Itamaracá tinham quase 300 requerimentos na ANM que incidiam sobre 18 terras indígenas na Amazônia.
O caso mais recente era o da Sawré Muybu, no Médio Tapajós, onde vive o povo Munduruku, com cinco pedidos de 2017 e 2019.
A partir dessa matéria, a Anglo American foi questionada pela London Mining Network em sua reunião de acionistas realizada em maio de 2020.
Na época, a Anglo American assumiu apenas 4 das centenas de requerimentos que, segundo ela, tinham “pequenas sobreposições” em TI’s e, perguntada, não comentou diretamente sobre o PL 191/2020 de Jair Bolsonaro que libera justamente a mineração dentro de terras indígenas.
Semana passada, mostrei aqui que Jair Bolsonaro pediu prioridade para este projeto a Arthur Lira, novo presidente da Câmara que recebeu R$ 200 mil em doações da Rico Táxi Aéreo, empresa que atende a garimpeiros na Amazônia e também cede jatinhos para viagens do parlamentar.
Mais do que nunca a liberação oficial da exploração de terras indígenas, tentada pelo mercado desde meados dos anos 90, deve acontecer. Ainda que possivelmente o caso vá parar no Supremo Tribunal Federal.
E não só a Anglo American como todas as grandes, médias e pequenas mineradoras que tem milhares de pedidos registrados na ANM devem se beneficiar disso.
Se esquivando novamente de comentar o projeto de lei em pergunta da Apib, a Anglo American disse apenas que “todas as mudanças legislativas que afetam direitos indígenas devem ser feitas em consulta com as comunidades potencialmente afetadas e tais consultas devem considerar a “diversidade das comunidades e suas aspirações, com algumas comunidades desejando a mineração e outras se opondo a ela”.
O PL de Bolsonaro, porém, prevê uma consulta meramente protocolar e sem poder de veto dos povos indígenas.
Requerimentos mal explicados
Seguindo os desdobramentos da matéria de março na Mongabay e das explicações insuficientes dadas pela Anglo American à London Mining Network em maio, a mineradora se enrolou novamente para explicar a realidade das suas intenções.
Em 20 de novembro, em resposta ao Business and Human Rights Resource Center, a Anglo American afirmou de que havia desistido de todos os pedidos de exploração mineral em áreas localizadas em terras indígenas no Brasil, e que estaria em contato com a Agência Nacional de Mineração (ANM) para atualizar os registros da Agência após publicação do relatório Cumplicidade na Destruição III.
No entanto, em 27 de novembro, o InfoAmazônia mostrou que a mineradora tinha conseguido permissão de 27 requerimentos para pesquisa de cobre em territórios indígenas nos estados do Mato Grosso e Pará da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Atualizando a situação, os dados coletados pelo projeto Amazonia Minada a partir da base de dados da ANM referentes a 30 de janeiro e enviados para o Observatório da Mineração mostram, no entanto, que se considerarmos todos os tipos de requerimentos em qualquer fase de tramitação, a Anglo American tem 86 requerimentos no total que incidem sobre terras indígenas, 23 deles na Sawré Muybu.
As TI’s Badjonkore, Menkragnoti e Kayapó no Pará, e as terras indígenas Kayabi, Apiaká e Escondido no Mato Grosso também são visadas pela mineradora inglesa para explorar cobre e níquel.
Em maio de 2020 a Anglo American reconheceu apenas 4 requerimentos e em 25 de janeiro de 2021 apenas 25 requerimentos (incluindo as subsidiárias). A realidade atual, no entanto, mostra que a extensão do problema é muito maior do que foi reconhecido pela mineradora até aqui.
Apenas confusão ou estratégia? Outra questão que a Anglo American precisa responder.
Sobreposição confirmada
Novamente, na resposta enviada pela Anglo em 25 de janeiro, a mineradora afirma que desistiu da maioria dos requerimentos dela e das suas subsidiárias Tanagra e Itamaracá, mas que os dados ainda constam nos dados da ANM.
Embora a base de dados da ANM não seja realmente a mais organizada do mundo e tenha inúmeros casos específicos como bloqueios judiciais e desistências que continuam a constar, a Anglo American reconhece alguns requerimentos que, segundo ela, teriam “sobreposição questionável” em terras indígenas e estaria aguardando a posição da ANM.
No caso de 3 requerimentos de 2019, os mais recentes, que estão sobre a TI Sawré Muybu, do povo Munduruku, consulta feita por mim no sistema da ANM mostra os poligonais dos 3 casos e que está constatada a sobreposição. Ou seja: a mineradora não deveria ter dúvidas sobre isso.
Todos os três requerimentos citados tiveram a desistência registrada em 27 de janeiro, dois dias depois da carta. Isso indica que a pressão do movimento indígena e da Amazon Watch tem dado resultado. Você pode inclusive questionar a Anglo American sobre esse caso a partir dessa página de campanha.
Povo Munduruku pede que a Anglo American saia do seu território
Alessandra Munduruku, uma das principais lideranças indígenas no Brasil, divulgou em seu Facebook uma reunião do povo Munduruku que pede a saída da Anglo American da TI: “A mineradora Anglo American pediu autorização para ANM para explorar a TI Sawré Muybu, uma mineradora destruidora das florestas, rios e do povos indígenas, estamos sim aqui dentro e vamos continuar aqui. Fora Anglo American! Demarcação Já! O povo vai continuar resistindo.”
Em carta de uma assembleia realizada em dezembro, os Munduruku citam, além da Anglo, a Vale e o garimpo ilegal, além de outros projetos no Médio Tapajós que afetam diretamente o seu povo e novamente reforçam a posição contra o PL de Jair Bolsonaro.
“Isso pode piorar com a aprovação da PL da morte (projeto de lei 191). Nós, a maioria do povo Munduruku, somos contra este projeto de lei, queremos nosso território livre de mineração, da garimpagem e de todos os empreendimentos que causam destruição e impacto ambiental e social, tudo que é prejudicial ao modo de vida das populações indígenas. Fizemos nosso protocolo de consulta que não está sendo respeitado. Grandes empresas como a Vale estão comprando o subsolo de nossas terras, por dizerem que é terra da união e por isso eles tem direito de negociar e futuramente explorar o minério, esse é mais um motivo que querem a aprovação da PL. (…) Não precisamos do garimpo para viver, temos nossas organizações que trabalham para a vida e não para a morte”
9 Replies to “Anglo American não desiste de minerar em terras indígenas na Amazônia”