Empresário acusado de comercializar toneladas de ouro ilegal na Amazônia é próximo da cúpula do governo Bolsonaro

No fim de agosto o Ministério Público Federal (MPF) pediu a suspensão de instituições financeiras que teriam comprado ouro ilegal no Pará. Entre elas está a FD Gold, de propriedade de Dirceu Frederico Sobrinho, que também é presidente da Associação Nacional do Ouro (Anoro).

O MPF acusa a FD Gold de despejar no mercado nacional e internacional 1370 quilos de ouro ilegal somente entre 2019 e 2020.

A origem do ouro está nas cidades de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, no sudoeste do Pará, principal centro de garimpagem ilegal do Brasil e palco de inúmeros conflitos com povos indígenas, em especial os Munduruku.

Dirceu Frederico Sobrinho, representando a Anoro, é presença frequente em Brasília e muito próximo da cúpula do governo de Jair Bolsonaro. Já se reuniu com Hamilton Mourão, vice-presidente, Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia (MME), Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e com diversas figuras do MME e da Agência Nacional de Mineração (ANM), entre outros.

O MPF afirma que as Permissões de Lavra Garimpeira (PLG’s) informadas pela FD Gold como origem dos 1370 quilos de ouro incidem, segundo análises de satélite feitas em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre áreas de floresta, sem qualquer marca de garimpo. Isso caracteriza a origem falsa dos 37 processos informados, conforme cadastro na ANM.

O dano socioambiental causado pela FD Gold na Amazônia ficou em 9 mil hectares de desmatamento, despejo de mercúrio nos rios e o comprometimento da saúde de um enorme contingente de pessoas que, no total, chega a R$ 1,7 bilhão.

Por isso, além da suspensão das atividades da FD Gold, o MPF pede a condenação da empresa, a reparação dos danos causados e ações concretas para prevenir danos futuros. A FD Gold, como Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), é autorizada a funcionar pelo Banco Central.

Dirceu Sobrinho em reunião em Brasília ao lado de Hamilton Mourão (de costas, na esquerda), José Altino Machado, líder garimpeiro em Roraima e Dirceu, o terceiro da esquerda para a direita.

Em Brasília, Dirceu Sobrinho atua para liberar o garimpo no Tapajós

Pouco antes de ver a sua empresa ter o pedido de suspensão feito pelo MPF, Dirceu Sobrinho esteve em audiência pública em Brasília, ao lado de integrantes do MME, da ANM, da Advocacia Geral da União (AGU) e das cidades do Pará mencionadas, justamente para discutir a “legalização da mineração” na região do Tapajós.

Dirceu defendeu abertamente a impunidade. O dono da FD Gold sugeriu “um esforço conjunto” entre governo e entidades para que os garimpeiros não continuem sendo punidos enquanto aguardam o processo de regularização. “Precisamos de um termo de ajustamento de conduta para que o garimpeiro não tema mais ser punido”, afirmou.

A audiência foi pedida por outro conhecido lobista a favor do garimpo, o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA). “Quando você dificulta a legalização, induz quem está na ponta a fazer o procedimento de forma ilegal”, afirmou Passarinho na audiência.

Recém-nomeado diretor na ANM, Ronaldo Lima fez coro, informou que há 14 mil processos aguardando a análise da Agência Nacional de Mineração somente na região do Tapajós e que a ANM trabalha agora na retomada do processo de regularização de áreas no Tapajós em cooperação com o Ministério de Minas e Energia, a Secretaria de Meio Ambiente do Pará e com estados e municípios.

Isso é o resultado de anos de lobby, reuniões e pressão feita por Dirceu Sobrinho e por outros representantes de garimpeiros e mineradores em Brasília, o que se intensificou a partir de 2017 e sobretudo com a posse de Jair Bolsonaro.

A Anoro advoga pela autorização de garimpagem em Florestas Nacionais e unidades de conservação e a revogação de um parecer da AGU para permitir essa exploração, em especial no Tapajós. Como revelei aqui no Observatório, o MME concorda com essa liberação. 17 milhões de hectares podem ser afetados.

Na audiência de agosto, o prefeito de Novo Progresso pediu a celeridade na revisão desse parecer e Mauricyo Correio, procurador-chefe da AGU junto à ANM, se comprometeu a “levar esse debate” para a agência.

Dirceu, em foto de 2015

A Anoro atua para simplificar ao máximo a autorização para o garimpo, diminuir as exigências de licenciamento e facilitar a exploração mineral. Hoje, o descontrole da cadeia do ouro é total.

Ao mesmo tempo em que Dirceu Sobrinho está envolvido com o ouro ilegal, segundo o MPF, a Anoro alega que quer implantar um sistema de rastreamento com “o registro digital de todos os envolvidos, através do Registro Mineiro, no processo de aquisição e venda, juntamente com a emissão de Nota Fiscal Eletrônica, num sistema integrado à ANM e à Receita Federal, facilitando a rastreabilidade do metal desde a sua origem”. E chegou a sugerir isso ao MME no passado.

No entanto, na ação do pedido de suspensão da FD Gold à justiça, o MPF afirma que a FD Gold poderia “promover consultas simples e certificadas ao site da ANM, a fim de avaliar se a PLG indicada como origem encontra-se vigente, refere-se efetivamente a ouro ou se está atrelada de algum modo à pessoa que se apresenta como vendedor” ou “desenvolver mecanismos, softwares, aplicativos ou outros que permitissem verificar se a suposta área de origem do ouro, de fato, apresenta traços de mineração”. Mas “nenhuma dessas formas de cuidado, contudo, foi adotada pela empresa”.

Eu procurei as assessorias da FD Gold e da Anoro, que representam Dirceu Sobrinho, para pedir um posicionamento sobre o pedido de suspensão feito pelo MPF, as reuniões em Brasília e os assuntos tratados na reportagem. Até o momento, não responderam. Caso retornem, a matéria será atualizada.

Atualização às 18:20h: as assessorias responderam o pedido no fim do dia e afirmam que “a empresa (FD Gold) esclarece que desconhece o teor da ação e o objeto do processo. A resposta será fornecida dentro dos prazos e no fórum devido”.

Dirceu Sobrinho já foi processado outras vezes e concorreu como suplente de senador do PSDB

Este não é o primeiro processo do MPF contra Dirceu Sobrinho.

Em 2016, Dirceu foi denunciado pelo Ministério Público Federal do Pará por crime ambiental. Outra empresa sua, a Mineradora Ouro Roxo LTDA, foi acusada de contaminar o meio ambiente com cianeto, substância altamente tóxica.

Em 2015, denúncia anterior contra Dirceu por procuradores do Pará já incluía os crimes de lavagem de dinheiro relacionados ao comércio ilegal de ouro.

Em 2011, foi denunciado dessa vez pelo MPF do Amapá por receptação de ouro extraído de forma ilegal de garimpos no Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque e da Guiana Francesa.

A denúncia atingiu novamente a FD Gold, que adquiria ouro clandestino e o transportava do Amapá para São Paulo, onde o produto era transformado em joias ou exportado para outros países.

Dirceu Sobrinho chegou a concorrer como suplente do ex-senador do PSDB pelo Pará, Flexa Ribeiro, que foi derrotado na disputa pela reeleição em 2018. Dirceu também foi secretário de Minas e Meio Ambiente de Itaituba por duas vezes.

Atua desde 1986 com diversas empresas que exploram e vendem ouro, além de associações, incluindo a DGold Purificadora de Metais Preciosos, embrião da FD, criada em 2007.

Fundou a Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós em 1992. Preside a Anoro desde 2013.

Garimpo em terras indígenas no Tapajós. Esta foto e foto de abertura da matéria: Marcos Amend/Greenpeace.  

Anoro foi consultada sobre o PL 191. Situação no Tapajós é considerada “desesperadora” e há “atuação forte do crime organizado”

Em entrevista para o Instituto Escolhas em 2020, Dirceu Sobrinho reconheceu que a entrada de ouro extraído de forma ilegal no mercado financeiro é um fato. “Sempre vai existir exposição a risco. Não há como ter controle total sobre a origem [do ouro]. A lei [12.844, de 2013] exige que o ouro deve ser vendido na localidade mais próxima de sua origem. Não temos como saber se vem ou não”, disse.

Dirceu defendeu que os fiscais do Ibama, ao invés de queimar equipamentos caríssimos de garimpo ilegal no meio da floresta amazônica, algo previsto em lei, deveriam entregar folhetos para os garimpeiros e “conscientizá-los”.

“Mais inteligente do que queimar máquina em garimpo seria os helicópteros do Ibama e da Força Nacional pousarem levando folders em vez de metralhadoras. Os funcionários chamariam o garimpeiro para o mundo da legalidade. Posso garantir, como ativista da atividade garimpeira, que 70% vão aderir”, afirmou.

Mostrando a sua proximidade com a cúpula do governo Bolsonaro, a Anoro foi consultada previamente pelo governo sobre o Projeto de Lei 191 /2020, que libera mineração em terras indígenas, prioridade de Bolsonaro e Arthur Lira.

Em sua ação do fim de agosto, o MPF destaca que na região do Tapajós “há atuação forte do crime organizado”, que está “diretamente relacionado com a destruição de áreas protegidas, principalmente nas terras indígenas Munduruku e Sai-Cinza”. A violação de direitos humanos “se tornou corriqueira nessas áreas”, destacam.

A situação socioambiental nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso é classificada como “desesperadora” e a suspensão das atividades das empresas como a FD Gold “é necessária para se interromper o ciclo de ilegalidades associadas à extração de ouro”.

Da produção de 30,4 toneladas de ouro do estado do Pará, no período de 2019 a 2020, ao menos cerca de 17,7 toneladas (58,4%) foram extraídas com falsa indicação de origem. No total, os danos provocados pelas três DTVM’s com pedido de suspensão alcançam mais de R$ 10 bilhões somente em 2019 e 2020.

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