Em março de 2021 eu revelei com exclusividade no Observatório da Mineração que o juiz federal Mario de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, orientou advogados do Espírito Santo sobre como deveriam proceder para conseguir um novo sistema de indenização para o rompimento da barragem de Mariana.
A situação das pessoas que vivem diariamente os impactos do que é considerado o pior desastre ambiental do Brasil, que completa 7 anos em novembro deste ano, segue crítica após todo esse tempo.
O sistema de indenização simplificado, criado pelo juiz com anuência da Vale e Fundação Renova, se espalhou pela bacia do Rio Doce rapidamente. A obrigatoriedade de pagar 10% para advogados que entram com os pedidos gerou uma indústria de enriquecimento de pequenos advogados em cidades, na sua maioria, pequenas e pobres.
Ao assinar o pedido, a pessoa atingida perde todos os seus direitos e recebe um valor definido aleatoriamente, além de arcar com os custos dos advogados. As matérias que fiz serviram para embasar um pedido de suspeição do juiz Mário de Paula feito por Ministérios Públicos e Defensorias envolvidas no caso. Centenas de juristas e instituições também pediram o afastamento do juiz.
Hoje, 1 ano e 3 meses depois, uma decisão do presidente do TRF1, desembargador federal José Amilcar de Queiroz Machado, suspende a obrigatoriedade da assinatura de termo de quitação definitiva para todos os danos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, assim como a imposição da obrigação de desistência de ações em países estrangeiros, como a Inglaterra, onde tramita uma gigantesca ação contra Vale e BHP pelo rompimento.
A decisão do TRF1 ainda suspende a imposição da contratação de advogado para adesão ao termo de quitação definitiva para atingidos do município de Naque (MG), situado no Vale do Rio Doce, região leste de Minas Gerais. Foi também em Naque que uma advogada da Renova ameaçou atingidos que se manifestaram contra o processo de indenização, como mostrou matéria da Agência Pública.
Foto em destaque: Ísis Medeiros
R$ 6 bilhões no total, R$ 600 milhões – no mínimo – para advogados
Naque foi o segundo município a aderir ao “novel”, depois de Baixo Guandu, no Espírito Santo. Tirando por base apenas os 10% obrigatórios pagos aos advogados em cada ação, e os R$ 6 bilhões pagos pela Renova em cidades de Minas e do ES até o momento, advogados já embolsaram nada menos que R$ 600 milhões de reais.
A situação, no entanto, é ainda pior, já que inúmeros relatos de atingidos afirmam que advogados cobram de 20 a 30% em cada ação. O assédio desses advogados, que se organizaram em grupos, é constante. 59,5 mil pessoas já aderiram ao “Novel”. Atingidos dizem que a Renova passou a obrigar, por diversos meios, que as pessoas acessem o Novel, negando qualquer outra forma de indenização prevista nos acordos de reparação.
Na prática, o tal “sistema simplificado” funcionou para enriquecer rapidamente advogados enquanto retira direitos de dezenas de milhares de atingidos.
Para o desembargador, “esta exigência (de pagar 10% a advogados), além de ofender o ordenamento jurídico, subtraiu dos atingidos do município de Naque, especialmente durante o período da crise socioeconômica da Covid-19, vultuosos valores essenciais à sua subsistência”.
Ainda segundo o presidente do TRF1, “tal exigência também transferiu para as vítimas um ônus que segundo o TTAC deveria ser custeado pela Fundação Renova, consistente na prestação de assistência jurídica gratuita, resultando em prejuízo desnecessário para os atingidos”.
Esse é o primeiro revés jurídico que “Novel” sofre. O sistema chegou a ser alardeado como “um marco na história do Poder Judiciário nacional” pelo juiz do caso.
Na segunda matéria que fiz, também de março de 2021, mostrei que Mário afirmou em vídeo que era preciso “separar as lideranças entre boas e más”. Ou seja: aquelas que aceitam o sistema e aquelas que questionam a legitimidade das indenizações.
Estado de “hipervulnerabilidade” dos atingidos é destacado pelo TRF1
Os valores das indenizações definidos pela Justiça, com quitação única e definitiva, variam de R$17 mil a R$567 mil, de acordo com a categoria do dano.
Segundo os Ministérios Públicos e Defensorias, esses valores são aleatórios, não passaram por análise técnica e deveriam ser o piso mínimo, não o máximo recebido por cada pessoa.
O desembargador José Almicar do TRF1 concordou com o pedido.
Agora, as instituições de Justiça que atuam no caso Samarco irão pedir a extensão dos efeitos dessa decisão para todos os demais territórios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão em Minas Gerais e no Espírito Santo.
Procurada, a Fundação Renova afirmou que “tomou conhecimento da decisão que foi proferida no dia 21/6/2022. A sentença está em análise”.