Em nova derrota na justiça, Fundação Renova precisará pagar os auxílios cortados dos atingidos pelo maior desastre ambiental do Brasil

O sistema indenizatório simplificado imposto em toda a bacia do Rio Doce pela Fundação Renova sofre a segunda derrota na justiça em menos de 10 dias.

Decisão inédita do Tribunal Regional Federal da 1ª Região na semana passada anulou a obrigatoriedade de quitação definitiva dos danos sofridos por toda pessoa atingida pelo rompimento da barragem de Mariana, da Vale e BHP, ocorrido em novembro de 2015, no município de Naque (MG).

A decisão, entre outros pontos, também cancelou a imposição de contratação de advogado pagando no mínimo 10% sobre cada indenização, afirmando que a justiça para os atingidos deve ser gratuita, custeada pela Fundação Renova.

A decisão referente a Naque pode ser estendida para dezenas de outras cidades, como pedem Ministérios Públicos e Defensorias responsáveis pelo caso.

Ontem, nova decisão do TRF1, desta vez da desembargadora Daniele Maranhão, impôs nova derrota ao “Novel”, como é chamado o sistema que já distribuiu R$ 600 milhões para advogados de cidades pequenas e retirou valores substanciais das mãos dos atingidos.

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O TRF1 estabeleceu que a Renova não pode descontar o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) dos valores pagos a quem aderiu ao “Novel”, como é prática recorrente até agora, conforme foi denunciado pelo Observatório da Mineração em agosto de 2021.

Como cerca de 60 mil pessoas recorreram ao “Novel”, a decisão pode beneficiar dezenas de milhares de pessoas, em especial pescadores e agricultores de subsistência, que deverão receber retroativamente os valores que foram indevidamente cortados.

A decisão de Daniele Maranhão também reforçou a ilegalidade da “quitação total” exigida pela Renova e mineradoras para aderir ao “Novel”.

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Mais: o AFE só poderia eventualmente ser cortado se as condições exigidas no acordo geral realizado pela Renova, Vale e BHP com os Ministérios Públicos, Defensorias e demais atores – o TTAC – forem cumpridas, notadamente a segurança alimentar do pescado e da condição de uso da água do Rio Doce em condições aceitáveis segundo perícia, o que não ocorre hoje.

O Doce, um dos principais do Brasil e que inclusive fazia parte do nome da Vale, continua vastamente poluído por lama tóxica e metais pesados ao longo dos quase 700 quilômetros de Mariana até Regência, em Linhares, no Espírito Santo, onde deságua no Oceano Atlântico.

O TRF1 lembrou também que a Renova foi contra uma deliberação do Comitê Interfederativo (CIF) ao tentar suspender o pagamento do auxílio emergencial e do lucro cessante nas consideradas “Novas Áreas”, especialmente a zona costeira do Espírito Santo.

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Toda pessoa que teve o AFE indevidamente retido, destacou Daniele Maranhão, deverá receber o pagamento pela Renova, independente de ter aderido ao “Novel” ou não.

A desembargadora fixou multa de mil reais para cada atingido que deixar de receber o pagamento das verbas retroativas.

Têm direito ao AFE pessoas que sofreram impacto direto na sua atividade econômica e produtiva. O valor corresponde a um salário-mínimo mais 20% para cada um dos dependentes, acrescido de valor equivalente a uma cesta básica na referência do Dieese.

Já os valores do Novel, com quitação única e definitiva, variam de R$17 mil a R$567 mil, de acordo com a categoria do dano.

A Renova tem reiteradamente tentado cortar o pagamento de verbas indenizatórias há muito tempo. Em julho de 2020, no meio da pandemia de coronavírus, a Renova tentou cortar o AFE de 7 mil pessoas na bacia do Rio Doce, foi denunciada pela “violação em massa de direitos humanos” e a justiça também exigiu que o pagamento fosse restabelecido.

Procurada, a Renova afirmou que não irá comentar a nova decisão do TRF1.

Foto: Léo Merçon / MPES

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