Bolsonaro e MME liberam geral para o mercado de lítio, favorecendo carros elétricos e multinacionais

O presidente Jair Bolsonaro e o Ministério de Minas e Energia, agora comandado pelo economista Adolfo Sachsida, publicaram hoje um decreto curtíssimo que basicamente “libera geral” para a exploração de lítio no Brasil.

O Decreto 11.120 revoga decretos anteriores, de 1997 e dezembro de 2020, já do próprio governo Bolsonaro, autorizando que empresas multinacionais gozem de liberdade total para explorar e comercializar o lítio e todos os derivados da substância.

“As operações de exportação e importação não são sujeitas a critérios, restrições, limites ou condicionantes de qualquer natureza, exceto aqueles previstos em lei ou em atos editados pela Câmara de Comércio Exterior – Camex”, afirma o texto.

A mudança, súbita e feita na canetada, também retira a necessidade de aprovação prévia da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para o comércio exterior de lítio, como funcionava antes.

Considerado um mineral crítico e essencial para a indústria de carros elétricos, o lítio passa a ocupar destaque substancial na posição brasileira na “transição energética”.

O decreto mexe com a geopolítica na América Latina, de onde vem a maior parte do lítio mundial, altera a soberania nacional sobre o lítio e favorece diretamente empresas multinacionais como a mineradora canadense Sigma Lithium, que tem um grande projeto de lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.

A canetada de Bolsonaro e Sachsida também acena nada discretamente para empresas como a Tesla, de Elon Musk, uma das maiores do segmento de carros elétricos.

Musk foi recebido com pompa e circunstância recentemente pelo governo Bolsonaro, homenageado com uma medalha e ampliou a possibilidade de negócios no Brasil, como o interesse no níquel explorado pela Vale na Amazônia, como destaquei no Observatório.

Anúncio do MME é direto em apoiar a indústria

Como manda a cartilha ultraliberal seguida por Adolfo Sachsida, que foi nomeado recentemente para o cargo de ministro de Minas e Energia após a saída do almirante Bento Albuquerque, o anúncio do MME é direto em apoiar a indústria de carros elétricos e cita a operação da canadense Sigma Lithium em Minas Gerais.

Não surpreende, já que o MME tem relações extremamente próximas com mineradoras canadenses, com o governo do Canadá e tem atuado desde 2019 para destravar negócios na mineração para multinacionais, como tenho reportado exaustivamente.

Usando a pobreza da região do Jequitinhonha como mote, o MME destaca que o decreto trará inúmeros “benefícios econômicos” para a região, que concentra a maior parte das reservas nacionais de lítio conhecidas.

Espera-se investimentos de R$ 15 bilhões até 2030 no Jequitinhonha, dominado pela Sigma, com R$ 100 milhões anuais de pagamento de CFEM, a taxa de exploração da mineração, para as cidades envolvidas.

A Sigma pretende começar a operar em Minas Gerais no fim de 2022 e ampliou a capacidade de produção para 270 mil toneladas de lítio por ano, o que a coloca como a quarta maior produtora mundial.

Fabricantes de bateria que irão usar o concentrado de lítio da Sigma, como a LG Energy Solution, fornece baterias para várias montadoras globais, incluindo a Tesla de Elon Musk.

Segundo o MME, esse “fluxo de investimentos, geração de empregos e renda poderá transformar positivamente a realidade socioeconômica das comunidades”.

De acordo com o ministério, o decreto “representa um passo fundamental para ampliar o olhar da indústria automotiva e atrair investimentos para a produção de veículos elétricos no Brasil”.

O MME destaca que “o lítio é um mineral estratégico para o país, essencial à transição energética para energias limpas e para atração de investimentos na cadeia industrial para produção de veículos elétricos”.

Agora, nenhum impeditivo existe para o desenvolvimento da indústria.

Novo decreto é mudança de postura do governo e compromete a indústria nacional e a soberania

Até hoje, a exploração e comercialização de lítio no Brasil era voltada para abastecer o mercado interno, via Companhia Brasileira de Lítio (CBL), que supre especialmente o setor médico-hospitalar e a indústria química. O lítio em grau técnico produzido no Brasil, por exemplo, é utilizado como tratamento para o transtorno bipolar e é maioritariamente fornecido para o SUS.

A CBL, 100% brasileira, opera uma mina e uma planta química em Araçuai e Divisa Alegre, em Minas Gerais. Acumulou, durante 30 anos, enorme conhecimento técnico-científico. Araçuaí é uma das cidades em que a Sigma também irá atuar.

O novo decreto de Bolsonaro revoga um decreto anterior do próprio governo, de dezembro de 2020, que protegia a indústria nacional e foi comemorado por diretores da CBL e da CNEN. O texto anterior garantia proteção para a indústria nacional de lítio até 2030.

Na visão de Elaine Santos, pós-doutoranda na USP e que integra o Grupo de Estudios en Geopolítica y Bienes Naturales – IEALC/CLACSO, que tem como seu tema foco a exploração de Lítio na América Latina, a mudança brusca sinaliza que o governo brasileiro cedeu à pressão de empresas multinacionais e, além disso, pode significar perda significativa da soberania brasileira, já que retira o aval prévio da CNEN.

“O governo Bolsonaro é formado por falsos nacionalistas. O decreto revogou tudo agora e por pressão de empresas transnacionais. Quem quiser explorar, pode explorar à vontade. Isso vai comprometer a CBL, os estudos relacionados a energia nuclear”, resume Santos.

O decreto mexe com a indústria química, incluindo a indústria de graxas, que é grande no Brasil. Existia o receio de instituições como a CBL e a Abifina, que representa a indústria química, de que a abertura do mercado de lítio para exportação pudesse desabastecer o mercado interno ou que os preços subissem de tal modo que inviabilizasse atender ao mercado nacional, que existe há 30 anos.

“O novo decreto é uma venda de toda uma estrutura construída em décadas. Quem quiser explorar não precisa passar por nenhum órgão, o que a CBL fez fica exposto e é como se a gente estivesse perdendo parte da nossa defesa nacional. O acúmulo técnico-científico durante 30 anos vai ficar totalmente desprotegido”, afirma Santos.

O que a CBL explorou em 20 anos, as multinacionais alcançarão em 3, 4 anos, lembra, reforçando a pressão exercida por empresas como a Sigma.

De acordo com a S&P Global, a demanda de lítio deverá atingir 2 milhões de toneladas até 2030.

Nesse contexto, destaca o anúncio do MME, “a dinamização do mercado brasileiro de lítio pode posicionar o Brasil como grande produtor nessa corrida, com fortalecimento de sua posição na América Latina”.

Esse é outro ponto sensível na avaliação de Santos, que convive com pesquisadores argentinos, chilenos e bolivianos.

O receio desses países é a geopolítica brasileira e a posição imperialista do Brasil em relação a América Latina. Apesar de ter poucas reservas de lítio em comparação com países do bloco, o Brasil é estratégico para ser um bom local para produção de lítio, destaca Elaine, inclusive do ponto de vista das próprias empresas.

Eu procurei a Companhia Brasileira de Lítio (CBL), a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA) para saber se as entidades participaram da elaboração do decreto, se concordam com o seu conteúdo e qual o impacto que as mudanças terão.

Nenhuma das três se manifestou até a publicação deste texto. Caso o façam, a matéria será atualizada.

Update: na quinta, 07 de julho, a CNEM respondeu ao pedido do Observatório dizendo que “não irá se manifestar” sobre o decreto. A ABIFINA respondeu no domingo (10) afirmando que “não participou de discussões prévias para a publicação do Decreto 11.120” e que em breve se posicionará sobre o tema. A CBL permanece em silêncio.

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