Ministérios Públicos e Defensorias pedem retomada de ação de R$ 155 bilhões contra a Vale, Samarco e BHP

Suspensa desde 2018 como parte do novo acordo firmado na época, o Ministério Público Federal, o MPMG e as Defensorias Públicas da União, MG e ES acabam de solicitar à Justiça Federal a retomada imediata da ação que pede R$ 155 bilhões em reparação pelo maior desastre ambiental do Brasil, o rompimento da barragem de Mariana, que completa 05 anos no próximo dia 05 de novembro.

As mineradoras Vale, BHP Billiton e Samarco são rés na ação, assim como a União e o estado de Minas Gerais. O motivo alegado para a retomada é o descumprimento dos termos firmados no TAC Governança, de junho de 2018, que remodelou o acordo para incluir uma maior participação dos atingidos.

Os termos do acordo expiraram em agosto e o os autores da petição alegam que a contratação das assessorias técnicas independentes, escolhidas pelos atingidos e custeadas pelas empresas, enfrenta dificuldades colocadas pelas mineradoras.

São 41 municípios afetados e apenas 05 assessorias foram contratadas até o momento: em Mariana (MG); Barra Longa (MG); Rio Doce (MG), Santa Cruz do Escalvado (MG) e Xopotó (MG) – que contam como um território; na terra do povo indígena Krenak, em MG e na comunidade quilombola de Degredo (ES). As outras regiões aguardam a efetivação das empresas selecionadas.

“A população afetada pelo desastre já escolheu suas assessorias técnicas independentes, mas a contratação pelas empresas ainda não se efetivou, em parte devido a inúmeros obstáculos colocados pelas empresas rés para a contratação”, afirma o texto.

Esse impasse inviabiliza todo o processo de reparação e, sem as assessorias, “os atingidos ficam excluídos do processo de renegociação”. Dois anos após a reformulação do acordo, não houve progresso efetivo nos canais de participação previstos.

“O longo tempo para a implementação de programas reparatórios e participativos trouxe para dentro das comunidades uma série de conflitos, maléficos para vida em sociedade, agravando ainda mais os danos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão”, diz a nota.

Outro problema crucial é o surgimento de novas representações jurídicas nas cidades impactadas que tem desrespeitado os termos do acordo e geram dúvidas sobre a legalidade e validação dos requerimentos feitos por esses novos atores, como é o caso de várias cidades do Espírito Santo, onde advogados tem criado comissões de atingidos que levantam suspeitas.

“Sem conhecimentos das Defensorias Públicas e dos Ministérios Públicos, novas partes estão atuando na representação coletiva das comunidades atingidas, em total desrespeito às previsões procedimentais do TAC-Gov e da legislação brasileira, o que, além de juridicamente inconcebível, tem provocado verdadeiro tumulto processual (…) numa dinâmica que, obviamente, irá prejudicar a reparação justa, ampla e completa sob a ótica coletiva e individual”, afirmam os autores da petição.

MPES não assina o pedido

Além do MPF, assinam o pedido também o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPE-ES) e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE-MG).

O Ministério Público do Espírito Santo não assinou o pedido de retomada da ação, embora tenha participado das tratativas do TAC Governança e assinado o acordo de 2018. O MPES está atuando como “custos legis” – fiscal da lei – na Justiça Federal por intimação determinada pelo juiz federal Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal, responsável pelo Caso Samarco.

Procurado para comentar o motivo de não ter assinado o pedido, o MPES não se manifestou até a publicação da reportagem.

Em julho, foi revelado que Mônica Bermudes Medina Pretti, promotora de Justiça do MPES e coordenadora do Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce (GTRD), é sobrinha de Sérgio Bermudes, advogado da Vale e irmã de um advogado da Samarco.

Com isso, Mônica Bermudes não poderia atuar em ações contra a Vale por conflito de interesse e deveria alegar suspeição. O caso ainda é “analisado”, incluindo as decisões que tiveram a participação de Mônica Bermudes.

Retomada da ação deve ser imediata

A petição afirma que a retomada da Ação Civil Pública deve ser imediata e não teria como ser contestada, já que o prazo se expirou em 08 de agosto e o prosseguimento do processo deve ser considerado como de tramitação regular desde o dia 09 de agosto, de acordo com o Código de Processo Civil.

Ministérios Públicos e Defensorias Públicas também observam que “o TAC-Gov continua tendo força de título executivo judicial, permanecendo as empresas compromissárias obrigadas a cumprir todas as obrigações nele assumidas.”

Segue valendo todas as obrigações de reparação acordadas com as mineradoras e as empresas estão sujeitas a novas sanções caso descumpram os termos.

“A retomada da ação civil pública tem por objetivo principal não permitir que as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton se exonerem de suas responsabilidades com as consequências do desastre do Rio Doce”, finaliza o MPF e demais instituições.

Eu procurei Vale, Samarco, BHP, Fundação Renova e o estado de Minas Gerais para comentarem sobre o pedido de retomada da ação civil pública de R$ 155 bilhões, mas até o momento ninguém respondeu.

Caso se manifestem, essa matéria será atualizada com as respostas.

Atualização (19:12h): resposta de Vale, Samarco, Renova e BHP enviada após a publicação da reportagem.

“Samarco, Vale e BHP informam que receberam com surpresa a nota à imprensa informando que os Ministérios Públicos Federal e de Minas Gerais e as Defensorias Públicas da União e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo solicitaram à 12ª Vara Federal a retomada da ação civil pública, ajuizada em 2016.

Estas instituições são partes signatárias de acordos firmados com os estados, a União e as empresas, que garantem a reparação integral das pessoas e das áreas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. Tais acordos também preveem a participação das comunidades atingidas nas ações reparatórias conduzidas pela Fundação Renova, além de um processo de repactuação voltado à resolução consensual dos litígios.

A Samarco, a Vale e a BHP refutam veementemente o argumento de que o impasse na contratação de assessorias técnicas possa ser atribuído a elas e que a retomada do processo judicial tenha a finalidade de impedir que as empresas se eximam de suas obrigações, tendo em vista o próprio teor dos acordos assinados com estas instituições que, infelizmente, agora, passaram a adotar postura beligerante frente ao sistema reparatório implementado desde agosto de 2016.

É importante registrar ainda que as empresas não têm medido esforços para evitar litígios judiciais, abrindo concessões a vários pleitos das partes, no esforço contínuo para promover, o quanto antes e de forma satisfatória, a integralidade do processo reparatório.

A Samarco, Vale e BHP continuam comprometidas com as ações reparatórias de pessoas e comunidades atingidas, na forma acordada, buscando celeridade e permanecem sempre abertas a meios alternativos de resolução de conflitos, sem prejuízo da realização do debate na Justiça.”

Compartilhe

Apoie o Observatório

Precisamos do apoio dos nossos leitores para continuar atuando de forma independente na denúncia e fiscalização do neoextrativismo, que ameaça comprometer uma transição energética justa e sustentável no Brasil.

Você pode contribuir de duas maneiras. A primeira, e mais eficaz, é por meio de uma assinatura recorrente no PayPal.

Com ela, você apoia mensalmente o trabalho do Observatório da Mineração, com um valor fixo debitado automaticamente no seu cartão de crédito ou débito.

Também aceitamos contribuições pontuais, no valor que preferir, via PIX. Basta enviar para o e-mail: apoie@observatoriodamineracao.com.br
(conta da Associação Reverbera).

Siga o Observatório nas redes sociais e compartilhe o conteúdo com seus amigos!

E buscamos novos parceiros e financiadores.
Desde que alinhados com o nosso propósito, histórico e perfil.
Leia mais sobre o impacto alcançado até hoje pelo Observatório, as aulas que ministramos e entre em contato.

Matérias relacionadas

A intimidação por notificação extrajudicial e a tentativa de censura prévia ao trabalho do Observatório da Mineração feitas pela Sigma...

A perseguição da mineradora Sigma Lithium ao Observatório da Mineração via notificação extrajudicial em tentativa de intimidação e censura prévia...

A mineradora Sigma Lithium, empresa sediada no Canadá, enviou uma notificação extrajudicial ao Observatório da Mineração em 30 de abril...