Gigante americana Mosaic Fertilizantes entra em conflito com agricultores em MG e em Goiás enquanto expande suas atividades

Mineração e agronegócio andam juntos. A extração de fosfato e potássio, por exemplo, é a base para a produção de fertilizantes, essencial para lavouras de larga escala que exportam commodities. Neste mercado, a empresa americana Mosaic Fertilizantes, que vai literalmente “da mina ao campo”, ocupa lugar de destaque.

Entre as 3 maiores do mundo, a Mosaic atua em cidades por todo o Brasil e tem dezenas de barragens que já figuraram entre as mais perigosas do país, segundo os critérios da Agência Nacional de Mineração (ANM).

As principais sedes das suas atividades ficam em Araxá e Tapira, em Minas Gerais e em Catalão e Ouvidor, em Goiás. Em Minas, agricultores convivem com o medo constante que as imensas barragens trazem, mas, principalmente, encaram a falta de água causada pela extinção de nascentes e fontes d’água que a mineração da Mosaic causou.

Em Goiás, moradores foram expulsos de suas casas para a construção de barragens. O processo se arrasta na justiça e o tratamento dado pela Mosaic aos camponeses é bem diferente daquele dado a grandes proprietários de terra na região.

A expansão constante das atividades da empresa gera ainda mais conflitos e coloca mais pressão sobre comunidades tradicionais.

A Mosaic prepara, por exemplo, o alteamento de uma barragem (de nome BR) em Tapira (MG), que tem custo estimado de R$ 112 milhões. Esta é uma das maiores barragens do país, com 80 milhões de metros cúbicos de rejeitos armazenados e licença para 98 milhões de m3. Para comparação, a barragem de Brumadinho tinha cerca de 13 milhões m3 e a de Mariana 40 milhões de metros cúbicos.

Outra barragem em Araxá (MG), a B6, com 5 milhões de metros cúbicos de rejeitos atualmente (e licença para 17,9 milhões de m3), também passa por expansão.

Os projetos estão em fase de audiências públicas e, no licenciamento, precisam encarar o crivo do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais (COPAM). A Câmara Especializada de Atividades Minerárias (CMI) do COPAM, porém, é historicamente dominada por representantes do setor mineral e do governo do estado, que tem aprovado sistematicamente projetos complexos com o mínimo de questionamento, caso da barragem que se rompeu em Brumadinho.

É raro que um grande projeto minerador seja barrado pela CMI. Os alertas costumam ficar à cargo do único representante da sociedade civil.

Se em 2019 a Mosaic tinha 12 barragens listadas pela ANM entre as 150 mais perigosas do Brasil, sendo 2 no top 10, hoje as principais e maiores estruturas da empresa – mais de 30 no total – são consideradas “sem emergência”, embora a maioria seja de “dano potencial associado” alto, o que significa que as comunidades ao redor, em caso de rompimento ou vazamento, correm grave risco.

Em resposta ao medo de rompimento manifestado por uma moradora de Tapira durante audiência pública, a Mosaic afirmou que, após Brumadinho, “realizou imediata inspeção de todas as suas estruturas de barragem, com acompanhamento dos mais renomados experts no Brasil e de outros países” e que possui um Plano de Emergência com “rotas de fuga, pontos de encontro, sirenes de notificação em massa, treinamentos e simulados” para garantir a segurança da população.

O Plano de Emergência é requisito obrigatório por lei e toda mineradora deve ter um.

O complexo de Tapira é vizinho a assentamentos rurais onde vivem dezenas de famílias. Com a mineração de larga escala e as estruturas sempre em expansão, como cavas, a água que as comunidades tinham de maneira abundante deixou de ser uma realidade.

Um acordo foi intermediado com a participação do Ministério Público. Por fim, instalaram caixas d´água e poços artesianos, mas a manutenção ficou por conta da própria comunidade. Nem todos aceitaram e alguns recorreram à justiça.

“O Ministério Público virou uma fábrica de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), ninguém é criminalizado. Se faz um acordo, sempre penaliza quem recebe o impacto. Não é justo assinar o acordo com quem me tomou um meio, um direito”, afirma o Frei Rodrigo Peret, da Rede Igrejas e Mineração, que acompanha o caso há muitos anos.

Enquanto brigam na justiça, os agricultores precisam conviver com o seu modo de vida e subsistência duramente afetado. “Eles já perderam o bem que tinham. Quem vai fornecer a água quando acontecer o fechamento da mina?”, questiona Peret.

Foto de destaque, crédito: GETeM – Grupo de Estudos Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais

Conflitos se repetem em Goiás

Em Catalão e em Ouvidor (GO), a cerca de 270 quilômetros de Goiânia, comunidades de pequenos agricultores estão sendo forçadas há anos a deixar as suas terras para que a Mosaic Fertilizantes amplie a sua capacidade de armazenamento de rejeitos.

Em Catalão, a empresa já possui duas barragens de rejeito de fosfato. Uma com mais de 32 milhões de metros cúbicos de rejeitos armazenados.

Os conflitos foram herdados com a compra da Vale Fertilizantes. A chinesa CMOC também atua na região, em projeto que antigamente já foi da Anglo American.

Obrigados a vender as suas terras a preços módicos, boa parte dos agricultores já deixaram as suas casas. Outros resistem, como Edimar Borges, que era gerente de uma outra fazenda desapropriada pela Mosaic, mas cujo valor oferecido ao proprietário, procurador de justiça, foi muito maior: R$ 200 mil o hectare contra R$ 20 mil aos camponeses.

A diferença da oferta se daria pela lavra em uma área contra o armazenamento de rejeitos em outra, embora ambos façam parte do mesmo complexo.

Hoje, Edimar e a esposa se viram como podem com a produção de leite e derivados. “Eu estou lutando para sobreviver. A ração está muito cara, o preço do leite não acompanha. A água acabou com as instalações da mineradora. Antes produzíamos muitas hortaliças. Hoje tudo secou”, relata Edimar, 66 anos.

O caso da comunidade de Macaúba, onde vive Edimar e os impactos causados pela Mosaic e pela CMOC está listado no recém-lançado  Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado.

A comunidade “vem enfrentando há décadas a apropriação de terras e águas, expulsões, violência, ameaças, contaminação por resíduos tóxicos e alta incidência de câncer, depressão e doenças respiratórias provocadas por empreendimentos minerais de nióbio e fosfato”, denuncia o Tribunal.

O Tribunal Permanente dos Povos (TPP) é definido como um tribunal internacional de opinião, com sede em Roma. Foi instituído em Bolonha, no dia 24 de junho de 1979, como um instrumento de apoio e promoção das lutas dos povos em busca e defesa do direito à autodeterminação, de acordo com os princípios afirmados na Declaração Universal dos Direitos dos Povos.

Entre os objetivos do Tribunal estão “ser uma tribuna de visibilidade, do direito à palavra, de afirmação dos direitos dos povos expostos a violações graves e sistemáticas por parte dos atores públicos e privados, nacionais e internacionais, e sem possibilidade de recurso e acesso aos organismos competentes da comunidade internacional organizada” e “constituir uma ferramenta para explicitar e determinar a existência, a gravidade, a responsabilidade e a impunidade das violações cometidas, bem como as medidas de justiça e reparação cabidas”.

Para Edimar, muita coisa mudou. “O tratamento da Mosaic com a comunidade é na base da total falta de respeito. Chegam aqui e acham que podem fazer o que quiser. Inclusive para negociar. Antes nós produzíamos tudo sem um pingo de adubo. Hoje as nossas terras é que são usadas para produzir fertilizantes”, destaca o agricultor.

Da mina ao campo: Mosaic controla toda a cadeia

O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo, um mercado gigante e lucrativo que não é ignorado pelas mineradoras. A Mosaic concluiu a compra da Vale Fertilizantes em 2018, braço da Vale que cuidava dos negócios nesta área.

Com a aquisição, a Mosaic passou a contar com uma capacidade operacional de produção de 27,2 milhões de toneladas de fosfato concentrado e potássio – maior produtora mundial – expandiu sua atuação no mercado de nutrição animal e começou a atuar em novos mercados, comercializando produtos industriais, como gesso e ácido sulfúrico.

O negócio incluiu cinco minas brasileiras de fosfato, quatro fábricas de produção de químicos e fertilizantes e uma unidade de potássio no Brasil, além de uma mina no Peru e no Canadá.

Com sede em Minnesota (EUA), a Mosaic possui operações na Austrália, Brasil, Canadá, China, Estados Unidos, Índia e Paraguai, além de joint ventures no Peru e Arábia Saudita. De acordo com o último dado divulgado, a Mosaic registrou lucro líquido de US$ 437 milhões de dólares somente no segundo trimestre de 2021.

A empresa atua em toda a cadeia produtiva, incluindo mineração, produção e comercialização. São cerca de 15 mil funcionários no total – e cerca de 50% deles no Brasil – e produtos entregues para mais de 40 países. É uma das maiores empresas do mundo em produção e comercialização de fosfato e potássio combinados.

Mosaic defende o seu modelo de atuação

Em resposta ao Observatório da Mineração, a Mosaic Fertilizantes afirmou que “não comenta os processos judiciais em andamento e segue aberta ao diálogo, sempre atuando de acordo com as normas vigentes”, sobre o caso das comunidades em Goiás e a inclusão no Tribunal dos Povos do Cerrado.

Sobre o relacionamento com as comunidades, a Mosaic disse que “busca um relacionamento aberto, transparente e respeitoso com as mais de 80 comunidades do entorno de suas operações e está sempre aberta ao diálogo com a vizinhança para ouvir suas demandas e, sempre que possível, contribuir para endereçá-las”. Quem não se sentir atendido de forma adequado, reforçou a empresa, pode fazer uma denúncia em seu “Canal de Ética” de forma anônima.

Sobre as barragens, a Mosaic afirmou que “todas as barragens da companhia no Brasil estão em conformidade com as regras da ANM (Agência Nacional de Mineração), tendo suas respectivas Declarações de Condição de Estabilidade (DCE) emitidas recentemente em setembro de 2021 por empresa de auditoria independente”.

Segundo a Mosaic, “para garantir um rigoroso monitoramento, a empresa utiliza o Sistema Integrado de Gestão de Barragens (SIGBAR) – com medição por instrumentos, interpretação contínua dos dados e inspeções rotineiras – e realiza ações preventivas para assegurar a máxima estabilidade e segurança das barragens”.

No fim do ano passado, afirmou, a Mosaic “inaugurou uma sala de controle integrado em Tapira (MG) que o monitora 24h todas as suas estruturas empresa no Brasil, garantindo agilidade de reação caso alguma anormalidade seja detectada”.

Sobre a expansão dos projetos, a Mosaic disse que “as obras para ampliar o alteamento da barragem BR, de Tapira, estão previstas para durar aproximadamente 18 meses. Já obras do empreendimento em Araxá serão realizadas em quatro fases de alteamento que ocorrerão entre 2022 e 2038”.

Sobre o abastecimento de água para as comunidades em MG, a Mosaic afirmou que “mantém o programa de disponibilidade hídrica, que busca melhoria dos equipamentos de captação e no sistema de reservação de água das 23 famílias da comunidade Assentamento Bom Jardim, como uma complementação social ao sistema de reposição de vazão dos córregos que abastecem as propriedades”.

De acordo com a empresa americana, “em relação a um eventual aumento do consumo depois que a nova estrutura entrar em operação, reforçamos que não há mudança na demanda de água para esse empreendimento que está sendo licenciado. A fonte de água que atende a cidade não será impactada”, afirmaram.

Leia na íntegra as respostas da Mosaic Fertilizantes.

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