A dívida total da Vale com a União e estados como Pará, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro ultrapassa R$ 44 bilhões. A mineradora contesta.
Segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a dívida atual da Vale com o governo brasileiro ultrapassa R$ 41,4 bilhões, considerando todas as modalidades de dívida, como benefícios fiscais (o principal, com R$ 39 bilhões), títulos em garantia ou suspensos por decisão judicial.
Pela primeira vez, no entanto, um estudo da Fenafisco, que representa os servidores fiscais de todo o Brasil, conseguiu detalhar a dívida ativa da Vale com os estados brasileiros. E a Vale deve mais de R$ 1,7 bilhão para o Pará e R$ 1 bilhão para Minas Gerais. Já com o Rio de Janeiro a dívida é de R$ 125 milhões e com o Espírito Santo, R$ 6 milhões.
O caso de Minas chama a atenção, já que o dado foi revelado pela primeira vez. Em junho, publiquei como o governo mineiro se negou a fornecer a lista dos maiores devedores do estado que eu solicitei via Lei de Acesso à Informação. Todos os recursos foram negados, inclusive pela Controladoria-Geral do Estado (CGE).
No caso dos estados, essa dívida ativa tributária envolve basicamente o ICMS, que incide sobre mercadorias e serviços.
Para Juliano Goularti, doutor em economia pela UNICAMP e coordenador do estudo “Barões da Dívida” publicado pela Fenafisco, as empresas se aproveitam da legislação tributária, que é confusa e complexa, e apostam no caos jurídico para não pagar o que devem e conseguirem abatimentos generosos.
Um processo judicial fica de 7 a 10 anos parado. Além disso, o governo federal já fez quase 30 programas de refinanciamento fiscal apenas nos últimos 20 anos, oferecendo descontos gigantescos e prazos longos. Em suma: não pagar o que se deve é um ótimo negócio.
“Os sucessivos programas de refinanciamento fiscal são um estímulo à inadimplência, ao não recolhimento do tributo em dia, porque a empresa sabe que lá na frente terá um programa e vai se beneficiar”, critica Goularti.
As grandes empresas acabam praticando uma concorrência desleal com os médios e pequenos empresários, acredita. A guerra fiscal entre os estados favorece ainda mais os grandes empreendimentos que ditam os rumos da economia.
Menos impostos, menos retorno para a sociedade e mais lucro para as empresas
A certeza da impunidade faz, inclusive, com que grandes empresas como mineradoras acabem utilizando o não recolhimento de tributos para reduzir o custo de produção e aumentar a margem de lucro, apostando na contestação judicial. Assim, a sociedade perde duas vezes.
A média nacional de recuperação da dívida ativa estadual é de míseros 0,6%.
“O tributo é que permite ao estado realizar a política pública. Quando menos tributo arrecada, isso interfere diretamente nos serviços de ponta”, lembra Goularti.
Ou seja: mais lucro para os acionistas das empresas e menos investimento dos governos em saúde, educação, segurança e infraestrutura.
Procurada pela reportagem, a Vale contestou as dívidas e citou que aderiu a programas de refinanciamento oferecidos.
“A Vale esclarece que cumpre rotineiramente todas as suas obrigações fiscais. A empresa informa que mantém discussões tributárias na esfera estadual em decorrência de divergências de interpretação da legislação tributária desses entes. Informa, ainda, que todas as discussões estão garantidas ou com a exigibilidade suspensa, o que lhe confere o certificado de regularidade fiscal nessas jurisdições.
A Vale também mantém discussões tributárias com a União, todas com exigibilidade suspensa. Como é de conhecimento público, a Vale aderiu a programas de refinanciamento, tais como o Refis de Lucros no Exterior, e os débitos em parcelamento continuam sendo considerados na Dívida Ativa da União, pelo seu valor original, sem as reduções de multa e juros apresentadas pelos citados programas, até a quitação total de suas parcelas”, disse a mineradora, em nota.
Por outro lado, a Vale lucrou mais de R$ 70 bilhões apenas no primeiro semestre de 2021.
A Samarco, que tem 50% do controle nas mãos da Vale e está em recuperação judicial, também deve R$ 5,7 bilhões para a União. No total, a dívida da Samarco, responsável pelo rompimento da barragem de Mariana, supera R$ 50 bilhões.
De todos os estados brasileiros analisados pelo estudo comandado por Goularti, 10 não forneceram os dados solicitados. Essa ausência de transparência vai contra a Constituição e Lei de Acesso à Informação, analisa.
“Isso fere o princípio da transparência fiscal, inclusive infringindo a LAI. Não vejo motivo para ter proteção fiscal. É ruim para fiscalizar e estabelecer políticas. O conjunto da sociedade perde”, diz o pesquisador.
Além da Vale, aparecem na lista da Fenafisco as mineradoras ArcelorMittal, com dívida de R$ 2,4 bilhões para 7 estados diferentes, a CSN, que deve R$ 1,9 bilhão para o RJ e a Bahia e a Usiminas, que deve R$ 1,8 bilhão para MG, SP e Rio Grande do Sul.