Sem fiscais e responsável por gerenciar bilhões, Agência Nacional de Mineração passa por “desmonte estrutural”

Criada por Michel Temer em 2018 a partir da estrutura do extinto Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a Agência Nacional de Mineração herdou todos os problemas do órgão anterior, como a insuficiência de servidores em áreas estratégicas e passou a sofrer um lobby ainda mais forte das mineradoras e associações de garimpeiros, como já mostrei algumas vezes neste Observatório.

A atual diretoria colegiada da ANM é bem próxima dos principais representantes do setor mineral e tem atuado para defender o interesse das empresas. Isto é feito de maneira escancarada, a exemplo da “guilhotina regulatória” em andamento – desenvolvida em parceria com a OCDE.

Agora, os próprios servidores da ANM denunciam um “desmonte estrutural” da Agência a partir de nova estrutura organizacional encomendada junto à Fundação Dom Cabral (FDC), de Belo Horizonte.

Segundo uma nota de repúdio da Associação de Servidores da ANM, a reestruturação foi feita “sem qualquer documentação ou estudo técnico de fundamentação” e implicará no desmonte da área de Arrecadação da ANM, responsável pela cobrança da Taxa Anual por Hectare (TAH), pela aplicação de multas, incluindo aquelas referentes às barragens de mineração e pela CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), a principal fonte de recursos para municípios mineradores.

De acordo com o levantamento dos servidores, a área de arrecadação representava 17% do efetivo na época do DNPM e passou a 10% na configuração atual.

Essa redução, mais que uma denúncia legítima em defesa desses trabalhadores, impacta diretamente na fiscalização do imposto que as mineradoras pagam e em uma série de procedimentos administrativos que, com equipe reduzida, abre brecha para mais e mais manobras tributárias e fiscais na mineração.

Área fiscaliza mais de R$ 80 bilhões

O setor de arrecadação da ANM é responsável por gerir milhares de processos de cobrança de CFEM que ultrapassam R$ 7 bilhões de reais. Quando se leva em conta a produção declarada comercializada, por exemplo, o valor dispara e a área fiscalizará mais de R$ 80 bilhões em 2020. Para este ano, a distribuição de CFEM deve chegar a R$ 4,6 bilhões.

O setor distribui os valores arrecadados com a CFEM para 1378 municípios afetados em 25 Estados, considerando 88 substâncias minerais. Trabalho de complexidade enorme e que demanda um corpo técnico qualificado que não pode ficar refém das demandas de mineradoras.

Nova estrutura pode ser desastrosa

De acordo com os servidores, a proposta de nova estrutura da Fundação Dom Cabral elimina a Superintendência de Arrecadação e cria uma estrutura única de fiscalização, colocando no mesmo setor responsabilidades distintas como pesquisa e produção mineral, barragens, arrecadação da CFEM e demais receitas.

Isso “aumentará os níveis hierárquicos entre a ponta e a Diretoria e causará a desestruturação das equipes nacionais com exercício descentralizado”, afirmam.

Esse acúmulo de funções pode ser desastroso para o país, alertam, e poderia gerar consequências como a redução na efetividade das ações de arrecadação da ANM, refletindo diretamente no montante direcionado aos Estados e Municípios; a decadência e prescrição de bilhões de reais em créditos de CFEM e demais receitas da ANM; ao descumprimento de Acórdãos do Tribunal de Contas da União – TCU e recomendações da Controladoria Geral da União – CGU.

Procuradas para comentar as críticas e esclarecer alguns pontos, a ANM e a FDC não se manifestaram até a publicação desta matéria.

4 fiscais para 360 barragens em MG e orçamento em queda

O sucateamento da ANM já traz consequências graves. A Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig) denunciou que a ANM, em Minas Gerais, tem quatro fiscais para vistoriar cerca de 360 barragens. Em todo o Brasil, são 841 barragens de mineração sob o crivo da ANM.

Se considerarmos somente as barragens críticas, só a Vale possui mais de 30 barragens em MG sem estabilidade garantida, o que demanda fiscalização e ajustes imediatos.

O orçamento da ANM vem justamente da CFEM, com cerca de 7% do imposto pago. Os repasses, no entanto, não estão sendo cumpridos.

Em 2019, a agência deveria ter recebido R$ 315,2 milhões, mas apenas R$ 67 milhões foram repassados. Em 2020, passou para R$ 76 milhões, ainda bem abaixo do determinado na criação do órgão. Em 2021, este valor deve cair para R$ 61 milhões, segundo a Lei Orçamentária Anual. A necessidade real, no entanto, seria superior a R$ 150 milhões.

“É uma tragédia iminente. Os prefeitos estão todos preocupados porque não vai ter como funcionar. A segurança das barragens depende da ação da ANM, caso contrário nos resta acreditar nos relatórios apresentados pelas próprias mineradoras”, disse o consultor de Relações Institucionais e Econômicas da Amig, Waldir Salvador, ao G1.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, “o orçamento da ANM é de atenção permanente do MME e questões relacionadas ao quadro de pessoal da ANM são da competência do Ministério da Economia”.

Após a publicação da reportagem, a assessoria da ANM enviou a seguinte resposta ao Observatório:

A Agência Nacional de Mineração (ANM) prepara reestruturação interna em busca de atuação mais eficiente. A mudança vem sendo desenhada com a capacitação da Fundação Dom Cabral há cerca de seis meses e deve passar pelo crivo da diretoria colegiada até o fim do ano. A proposta em estudo prevê agrupar as unidades operacionais em macroprocessos, sendo os principais concentrados em três superintendências ligadas a atividades fim: Regulação, Outorga e Fiscalização.

Além da criação das superintendências específicas de outorga e fiscalização, na nova estrutura organizacional seriam mantidas as de Regulação, Gestão de Pessoas e Administração e Finanças. A atual Superintendência de Desenvolvimento Institucional poderá se tornar uma secretaria especial. Já as superintendências de Produção Mineral, Pesquisa e Recursos Minerais e Arrecadação seriam extintas e englobadas pelas demais.

A proposta se refere à mudança na estrutura organizacional, para efeito de gestão de suas atividades, não se trata de redução de efetivo ou salários – que são despesa obrigatória -, mas uma reorganização e, com isso, o remanejamento das gratificações via DAS. O intuito é ganhar eficiência, sinergia e evitar a interrupção de fluxos de trabalho, com as atividades fim para a sociedade – outorga e fiscalização (desde barragens à arrecadação) – sob o comando de um mesmo superintendente.

Assim a mudança visa tentar otimizar os recursos humanos e financeiros que a agência reguladora dispõe no momento, independentemente da escassez de recurso e DAS da ANM comparativamente às demais agências reguladoras.

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