Ditadura saudita compra fatia da Vale Metais Básicos e entra forte no mercado de mineração

Não é apenas no futebol que a ditadura da Arábia Saudita, mantida pelo dinheiro do petróleo, tem apostado suas fichas para lavar a sua imagem e aumentar o poder de influência.

No esporte mais popular do planeta os clubes sauditas, turbinados por dinheiro estatal, passaram a atrair estrelas do quilate de Cristiano Ronaldo, Karim Benzema e Sadio Mané, entre outros.

Na mineração, a entrada mais significativa do dinheiro da ditadura comandada por Mohammed Bin Salman, acusado de mandar matar o jornalista Jamal Khashoggi, aconteceu na semana passada.

A Manara Minerals, controlada pela Arábia Saudita, comprou 10% da Vale Metais Básicos (VBM, na sigla em inglês) por US$ 3,4 bilhões. Esta é a subsidiária da Vale responsável por gerir os negócios da sua divisão de metais considerados essenciais para a transição energética, os chamados minerais críticos.

É o caso das grandes reservas de níquel e cobre que colocam a Vale entre as maiores produtoras do planeta, especialmente nas jazidas exploradas no Canadá, na Indonésia e em Carajás, no Pará. O principal objetivo é fornecer os minerais para baterias de carros elétricos e para toda a cadeia de energia que depende de níquel e cobre em grande escala.

Não por acaso, Jerome Guillen, ex-braço direito de Elon Musk na Tesla, foi contratado pela mineradora em fevereiro para ajudar nas negociações que, em uma primeira rodada, resultaram na aquisição feita pela Manara Metals. A Vale fornece níquel para a Tesla desde um acordo anunciado em 2022.

A Vale Metais Básicos prevê investir entre US$ 25 bilhões e US$ 30 bilhões na próxima década. Com os novos acordos, a VBM espera elevar o potencial de produção de cerca de 350kt/ano para 900kt/ano em cobre e de aproximadamente 175kt/ano para mais de 300kt/ano em níquel.

“O valor total da empresa de US$ 26 bilhões demonstra a dotação única do negócio de Metais para Transição Energética da Vale, um dos maiores detentores de reservas e recursos em jurisdições-chave de minerais críticos como Brasil, Canadá e Indonésia”, diz a Vale em comunicado, afirmando que está posicionada para “atender à crescente demanda por metais verdes essenciais à transição energética global”. A transação deve ser formalmente concluída no 1º trimestre de 2024.

A demanda por cobre e níquel aumentará consideravelmente nos próximos anos, com estimativas apontando crescimento global de 44% até 2030. A Vale, segunda maior produtora mundial de minério de ferro (atrás da australiana Rio Tinto), tornou-se a maior mineradora de níquel fora da Ásia.

Foto de destaque: Geraldo Alckmin, Tarcísio Freitas e cia em evento com representantes da Arábia Saudita / Divulgação

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Lançamento da estratégia de investimento do PIF 2021-2025 / Saudi Press Agency / Divulgação

Comitiva saudita foi recebida por Geraldo Alckmin e Arábia quer ameaçar domínio chinês na mineração

O negócio VBM-Manara é o primeiro grande investimento da Arábia Saudita na área de mineração e o maior já feito no Brasil. A operação foi anunciada semana passada, às vésperas da chegada de uma comitiva da Arábia Saudita ao Brasil, com mais de 90 integrantes, com o objetivo de “estreitar as relações comerciais entre os dois países”.

O diretor executivo da Manara Minerals, Robert Wilt, disse que o investimento da companhia marca o primeiro grande aporte no setor global de mineração.

“Este investimento estratégico expressa a nossa confiança no negócio de minerais estratégicos da Vale e contribuirá para o crescimento do portfólio de ativos de classe mundial da VBM em todos os países em que ela opera”, disse o executivo.

A Manara é uma joint-venture entre o Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita (PIF, na sigla em inglês) e a Saudi Arabian Mining Company (Maa’den). A empresa quer investir forte em minério de ferro, cobre, níquel e lítio, principalmente.

Em São Paulo, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, se encontrou com o Ministro de Investimentos da Arábia Saudita, Khalid A. Al-Falih, no Fórum de Investimentos Brasil – Arábia Saudita, organizado pela Federação das Indústrias do Estado de S. Paulo (Fiesp). “Tratamos de oportunidades de comércio e investimentos nos dois países. Os investimentos sauditas podem contribuir para o projeto de neoindustrialização do Brasil. A fim de aumentar os fluxos de investimentos, concordamos em relançar as negociações de um acordo de investimentos. Empresários sauditas têm demonstrado interesse em investir no Brasil em diversos setores, como mineração, energia renovável, fertilizantes e defesa. Empresas brasileiras têm feito investimentos importantes na Arábia Saudita no setor alimentício, bancário e aeronáutico”, publicou Alckmin, no Twitter.

Foto: Divulgação

Foram assinados 26 Memorandos de Entendimento entre empresas brasileiras e sauditas e com o Ministério de Investimentos da Arábia Saudita nas áreas petroquímica, alimentícia, de turismo, logística e transporte, entre outras. A Arábia Saudita é o principal parceiro comercial do Brasil no Oriente Médio, com corrente de comércio de US$ 8,2 bilhões em 2022. O governador do Pará, Helder Barbalho, também se reuniu com representantes sauditas.

O PIF é um dos maiores fundos estatais do mundo, com ativos na casa dos US$ 700 bilhões. Além da aposta no futebol e fortalecimento da liga local com a contratação de grandes estrelas e a compra de times como o Newcastle da Premier League, o PIF, alimentado pelo dinheiro do petróleo – a Arábia é o segundo maior produtor de petróleo do planeta –  investe em uma ampla gama de setores.

A mineração, com viés agora “sustentável” e “essencial para a transição energética”, será a nova aposta da ditadura saudita, conhecida por assassinar opositores, praticar tortura e violar uma série de direitos humanos. Só em 2021, pelo menos 69 pessoas foram executadas em praça pública por tiros ou decapitação. Em um único dia de 2022 registrou-se um recorde, 81 foram executadas.

Curiosamente, esse histórico não foi motivo de preocupação ou constrangimento algum para a Vale, outras mineradoras e o governo federal atual, assim como não foi para o governo de Jair Bolsonaro, que guardava alinhamentos gritantes com o perfil de Bin Salman e companhia, além de fazer questão de embolsar os milhões de reais de presentes dados para o estado brasileiro – as tais joias para Bolsonaro e Michele – que viraram moeda de troca na cleptocracia genocida que ocupou o poder de 2019 a 2022. A ditadura saudita e as violações de direitos humanos que comete também não foi mencionada por grande parte da mídia que cobriu a entrada do país na mineração global. Afinal, ser considerado ditadura ou não aparentemente depende do viés ideológico do veículo e de quem paga a banda. O dinheiro costuma mesmo operar milagres.

Planta de níquel da Vale na Indonésia. Foto: Dimas Ardian/Bloomberg

Matéria da Bloomberg afirma que a ditadura saudita negocia com a gigante canadense Barrick Gold – maior produtora de ouro do mundo – parceria para explorar uma mina de cobre no Paquistão e que o apetite saudita vai muito além da Vale.

Este cenário impacta diretamente na complexa geopolítica de minerais críticos, ponto central para Estados Unidos e Europa, que anunciaram uma série de medidas nos últimos anos e estão correndo o mundo para fechar parcerias, inclusive com o Brasil. O dinheiro saudita e as possibilidades de negociação com mineradoras abrem oportunidades para além da imensa influência chinesa, que domina o processamento de minerais críticos, algo que EUA e União Europeia tentam reduzir.

Assim, a Arábia Saudita aprofunda uma vasta influência na cadeia de setores cruciais para o planeta, responsáveis pela crise climática – petróleo e mineração – que passam a ser vendidos como a solução dos problemas que ajudaram a criar.

ANÁLISE: este texto é uma análise crítica baseada nos fatos, dados e referências aqui listados.

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