A revista Piauí publicou ontem uma matéria revelando que empresários mineiros, principalmente do ramo de transportes, teriam se vacinado ilegalmente contra a Covid-19 com doses da Pfizer.
No fim do texto, disse que “de acordo com relatos”, este grupo foi vacinado por “uma enfermeira que se atrasou porque estava imunizando outro grupo na Belgo Mineira, mineradora hoje pertencente à ArcelorMittal Aços”.
A reportagem não esclarece quem seria este outro grupo, se também de empresários, se estavam sendo vacinados ilegalmente, com doses de qual empresa, se no mesmo dia – o que seria igualmente grave. Inicialmente, a ArcelorMittal não havia respondido à Piauí.
Por isso procurei a assessoria da empresa ontem à noite, que negou de forma veemente o episódio. Eis a nota da empresa enviada às 20:04h na íntegra:
“A ArcelorMittal esclarece que nunca comprou nenhuma vacina para o combate da Covid-19 da Pfizer ou de qualquer outra empresa farmacêutica. A empresa nunca fez nenhum contato com a Pfizer ou qualquer outra empresa do setor farmacêutico para compra direta de vacinas contra o coronavírus.
A Abertta Saúde, empresa de gestão de saúde da ArcelorMittal, atua como posto avançado de vacinação do SUS junto às Secretarias Municipais de Saúde de Belo Horizonte e de Contagem. No entanto, a ArcelorMittal desconhece qualquer atuação de seus profissionais em atos correlacionados à vacinação fora dos protocolos do Ministério da Saúde e do Programa Nacional de Imunização – PNI”.
A Piauí atualizou a sua reportagem às 22h41h.
O Congresso autorizou a compra de vacinas pela iniciativa privada, desde que todas as doses sejam doadas ao SUS até que os grupos de risco composto por 77,2 milhões de pessoas tenham sido imunizados totalmente. O Brasil vacinou menos de 15 milhões de pessoas até agora. Após a imunização dos prioritários, as vacinas compradas pela iniciativa privada devem ser divididas meio a meio com o SUS.
A Pfizer nega que tenha vendido doses para a iniciativa privada. O Ministério da Saúde disse em nota que as doses da Pfizer/BionTech ainda sequer chegaram ao Brasil. A previsão do laboratório é entregar a primeira remessa a partir de abril.
Mineradoras faturaram R$ 209 bilhões durante a pandemia
Ao mesmo tempo em que as mineradoras alegam terem doado R$ 1 bilhão em todo o Brasil para ações no combate à pandemia, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), o faturamento aumento 36% durante o colapso da saúde, chegando a R$ 209 bilhões em 2020.
O resultado não acontece por acaso.
Mostrei aqui como as mineradoras brasileiras atuaram – com o apoio do governo federal – para tornar a mineração uma atividade essencial após denúncias que fiz no Observatório da Mineração, ainda no início da pandemia, em março de 2020.
O governo Bolsonaro, com a anuência do ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia e Paulo Guedes, da Economia, correu para publicar uma portaria sábado à noite e garantir a continuidade das atividades minerais.
Mesmo que, já no fim de março, contágios estavam comprovados entre trabalhadores de várias mineradoras. Ainda em 10 de abril, um funcionário da Vale morreu por Covid-19 no Pará.
Detalhei como as mineradoras têm usado a pandemia para uma oportunidade de “marketing espontâneo” em TV aberta no Jornal Nacional, o programa jornalístico de maior audiência do Brasil. Incluindo a ArcelorMittal. Até meados do ano passado, além da Arcelor, apareceram no “Solidariedade S/A” do JN as mineradoras: Alcoa, Anglo American, Braskem, Gerdau, Hydro, Mineração Rio do Norte, Novelis, Vale, Usiminas, Instituto Aço Brasil, Aperam, Ternium e Vallourec.
Mas quando eu perguntei às maiores mineradoras do país – também no início de abril – o que estavam fazendo para evitar a pandemia, a contaminação entre os seus trabalhadores e o consequente colapso das cidades em que atuam, metade ficou em silêncio.
Cidades como Parauapebas (PA), Itabira (MG) e Congonhas (MG), para citar só 3, enfrentaram um verdadeiro colapso e minas chegaram a ser paralisadas. Vale e CSN seguiram produzindo e recorrendo à justiça sempre que necessário. A Vale conseguiu rapidamente reverter a paralisação em Itabira. Em Parauapebas, centro do maior projeto de extração de minério de ferro do mundo, o fluxo de trabalho seguiu sem interrupções.