Anglo American desiste de minerar terras indígenas no Pará, Mato Grosso, Rondônia, Amapá e Roraima

Em março de 2020, eu revelei, em uma parceria do Observatório da Mineração com a Mongabay Brasil, que a mineradora inglesa Anglo American, junto com as suas subsidiárias Tanagra e Itamaracá, tinha planos para minerar em várias terras indígenas na Amazônia. Entre os territórios mais visados pela multinacional estava a TI Sawré Muybu, do povo Munduruku, no Pará.

Mas os quase 300 requerimentos registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM) se estendiam para 18 terras indígenas em vários estados. A partir desta primeira matéria, o povo Munduruku, junto com a Amazon Watch e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organizou uma campanha para que a Anglo American desistisse de minerar dentro do seu território.

Inicialmente, mesmo considerando que a mineração em terras indígenas é proibida pela legislação brasileira, a Anglo American resistiu. Mas agora, três anos depois, apuração exclusiva do Observatório da Mineração mostra que a Anglo American, a Tanagra e a Itamaracá desistiram de minerar em terras indígenas na Amazônia.

A reportagem checou os registros da ANM e encontrou documentos das três mineradoras solicitando a baixa dos títulos minerários, o arquivamento definitivo dos processos e a retirada do banco de dados público da ANM.

A medida tomada pela Anglo American, uma das maiores mineradoras do mundo, é uma vitória para povos indígenas do Pará, Mato Grosso, Rondônia, Amapá e Roraima.

A primeira leva dos pedidos de desistência ocorreu ainda em 2015, destacada pela matéria que publiquei na época. Novos requerimentos foram feitos depois de 2015, porém, e a Anglo American não deixou claro o que pretendia fazer, jogando com a “insegurança jurídica” criada pelos governos Temer e Bolsonaro e por projetos de lei como o PL 191/2020, que queria autorizar mineração e agronegócio em terras indígenas na Amazônia. O PL foi recentemente engavetado após pedido do governo Lula.

Considerando a pressão do movimento indígena, uma série de ações do Ministério Público e a mudança de cenário, as mineradoras foram obrigadas a desistir. Nova rodada de pedidos na ANM aconteceu em novembro de 2021. Em outubro de 2022 tanto a Anglo American quanto a Tanagra e a Itamaracá ampliaram e reiteraram os pedidos para a ANM, todos feitos por Giuliane Naves, representante das mineradoras.

Os pedidos também retiram a ameaça sobre unidades de conservação estratégicas, como a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), entre o Pará e o Amapá, uma das áreas mais preservadas da Amazônia. A Renca foi alvo de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Outras áreas, como os parques nacionais do Jamanxim, do Juruena, da Amazônia e do Rio Novo, além da Estação Ecológica do Jari, também eram afetados pelos requerimentos.

Os processos da Anglo American se concentravam nos minérios de cobre e de níquel no Pará e no Mato Grosso, ambos considerados “minerais críticos” e essenciais para a transição energética, discurso que ignora os enormes impactos socioambientais da sua extração.

Já a Itamaracá visava essencialmente ouro em Rondônia e no Pará e a Tanagra queria pesquisar ouro e manganês no Pará, Amapá e Roraima.

No Brasil, a Anglo American atualmente explora minério de ferro em Minas Gerais e níquel em Goiás. Globalmente, a Anglo teve receita de $ 35 bilhões em 2022. Entre os acionistas da Anglo American constam grandes firmas de investimento como a sul-africana Public Corporation e as americanas Vanguard Group e BlackRock.

Foto de destaque: Alessandra Munduruku em protesto durante o ATL 2022. Crédito: Matheus Alves

O Observatório da Mineração não aceita anúncios de mineradoras, lobistas e políticos. Por isso, precisa dos leitores para continuar a investigar o que o setor mineral não quer que a sociedade saiba e oferecer acesso gratuito às matérias. Faça uma doação recorrente no PayPal ou colabore via PIX com o valor que desejar no email apoie@observatoriodamineracao.com.br

Líder indígena recebe prêmio por resistir à Anglo American

A liderança indígena Alessandra Korap Munduruku recebeu esta semana o prêmio Goldman de Meio Ambiente, considerado um “Nobel” do ativismo ambiental, pela resistência feita pelo povo Mundurku aos interesses da Anglo American, além do combate ao garimpo ilegal que já destruiu centenas de quilômetros de rios e contaminou com mercúrio os habitantes dos territórios.

“Trago a voz da Amazônia. Sou uma mulher indígena, estou diante de vocês para lembrar ao mundo quem somos nós. Povos indígenas que vivem por toda a Terra, protegem florestas, vidas, para vocês, seus filhos e seu futuro. Nos sentimos honrados pelo reconhecimento da nossa luta coletiva, pela proteção do nosso território ancestral frente a mineradora Anglo American. São muitos os projetos de morte que vão afetar a nossa vida. Quero dizer que não vamos parar de lutar e defender a nossa casa”, disse Alessandra Munduruku ao receber o prêmio, em São Francisco, nos Estados Unidos.

Além dos Munduruku, os povos indígenas Kayapó, Rikbaktsa, Panará, Kaiabi, Apiaká, Gavião de Rondônia, Suruí, Asurini do Xingu, Arawaté, Parakanã, Zoró, Apalaí, Wayana, Karipuna, Yanomami e Waiãpi também se beneficiam com a desistência formal dos requerimentos das três mineradoras.

A desistência da Anglo American foi acompanhada pela Vale, que detinha centenas de requerimentos sobre terras indígenas na Amazônia, como o Observatório da Mineração revelou em novembro de 2019. Também pressionada, a Vale mudou a estratégia.

Foto: Cobertura colaborativa ATL 2022 / Mídia Ninja

Anglo American confirma desistência e se alinha ao IBRAM

Procurada pelo Observatório da Mineração para comentar as desistências nos últimos anos, a Anglo American enviou a nota abaixo, confirmando os pedidos e dizendo que se alinha ao IBRAM no caso do PL 191/2020. Diz a nota:

“Nem a Anglo American, nem suas subsidiárias, detém qualquer direito minerário em terras indígenas no Brasil. A empresa desistiu de todos os direitos minerários em áreas onde havia sobreposição com terras indígenas, mas vários desses requerimentos ainda constam no banco de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM). A Anglo American continua trabalhando com a ANM para que seu banco de dados seja atualizado para refletir essas desistências. A Anglo American também não possui nenhum direito minerário em quaisquer outras com algum tipo de restrição para a atividade, como a Reserva Nacional do Cobre (Renca).

Ressaltamos mais uma vez nosso compromisso de só realizar qualquer eventual atividade em territórios indígenas em conformidade com o disposto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na legislação aplicável, em especial a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI). Além disso, a empresa se compromete com um impacto positivo líquido sobre a biodiversidade em todas as regiões onde atua.

Em relação ao PL 191/2020, a Anglo American apoia o posicionamento do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) sobre o tema”.

O IBRAM, que representa a grande mineração atuando no Brasil e inicialmente apoiou o PL 191, mudou estrategicamente de posição com a entrada de Raul Jungmann na presidência da entidade. Jungmann é ex-ministro de FHC e Temer, político experiente e tem se mantido próximo do governo Lula. Wilfred Bruijn, presidente da Anglo American Brasil, é membro do Conselho Diretor do IBRAM.

Mesmo que o PL 191/2020 tenha sido engavetado no momento, existem articulações para a criação de novos projetos de lei que venham a autorizar mineração em terras indígenas, alvo de interesse de grandes mineradoras e garimpeiros desde a década de 90.

Esse limbo jurídico e constitucional também representa uma ameaça permanente aos povos indígenas brasileiros, já que os milhares de requerimentos registrados na ANM que incidem sobre terras indígenas, que não deviam sequer ser aceitos, podem ser reabertos.

Segundo a Agência Nacional de Mineração, quando uma empresa desiste de um requerimento mineral, a área é novamente aberta para disponibilidade e a mesma empresa pode participar da disputa novamente, caso deseje. “Todos os interessados podem participar do processo de Disponibilidade, inclusive a empresa que apresentou a desistência, que vai participar do processo de Disponibilidade de igual para igual com os outros pretendentes”, afirmou a ANM em resposta a um pedido feito por mim em 2020.

A permanente luta indígena contra a mineração ainda terá muitos capítulos pela frente.

AJUDE A MANTER O OBSERVATÓRIO

O Observatório da Mineração precisa do apoio dos nossos leitores com o objetivo de seguir atuando para que o neoextrativismo em curso não comprometa uma transição energética justa.

É possível apoiar de duas formas. No PayPal, faça uma assinatura recorrente: você contribui todo mês com um valor definido no seu cartão de crédito ou débito. É a melhor forma de apoiar o Observatório da Mineração. Aceitamos ainda uma contribuição no valor que desejar via PIX, para o email: apoie@observatoriodamineracao.com.br (conta da Associação Reverbera).

Siga o site nas redes sociais (Twitter, Youtube, Instagram, Facebook e LinkedIn) e compartilhe o conteúdo com os seus amigos!

E buscamos novos parceiros e financiadores, desde que alinhados com o nosso propósito, histórico e perfil. Leia mais sobre o impacto alcançado até hoje pelo Observatório, as aulas que ministramos e entre em contato.

Sobre o autor