Para pesquisadora, PL 2946/15 é ilegal e inconstitucional

A matéria é de Patricia Fachin, para o IHU – Instituto Humanitas Unisinos

“Quando aconteceu a tragédia de Mariana, nós pensamos que o governador retiraria o caráter de urgência do PL, porque não faz o menor sentido priorizar um PL de interesse econômico depois de uma tragédia desse porte. Neste momento há outras ações a serem tomadas em caráter de urgência, como reavaliar as mais de 50 barragens que estão em risco. Mas fomos surpreendidos”.

A declaração é de Maria Teresa Viana de Freitas Corujo, que acompanhou o processo de tramitação e aprovação do PL nº 2.946/2015 na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na tarde da última quarta-feira, 25-11-2015.

O PL nº 2.946/2015, de autoria do governador Pimentel, propõe alterar o sistema estadual de meio ambiente, mas de acordo com Maria Teresa, ele “altera em muito também diversos aspectos da política ambiental de Minas Gerais”. Ela diz ainda que “o PL foi elaborado em um formato como se fosse apenas uma alteração da estrutura do sistema estadual, no entanto o texto altera os eixos da política ambiental do estado”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Maria Teresa explicou que “o texto original – que chamamos de AI-5 ambiental – estava elaborado de tal modo que centralizava no governo toda a política ambiental. Por exemplo, o Conselho de Política Ambiental – Copam, que é o órgão máximo de gestão ambiental, no sentido de propor e deliberar sobre as políticas ambientais do estado, segundo o PL aprovado passa apenas a propor algo em relação à gestão ambiental, porque a deliberação ficou a cargo do governo do poder Executivo”. E complementa: “Decidiu-se, segundo o texto aprovado, que o Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico pode apontar projetos prioritários para o governo, os quais terão atendimento priorizado para facilitar o licenciamento, inclusive criando uma estrutura diretamente ligada ao secretário de Estado de Meio Ambiente, com o papel de finalizar o licenciamento, sem passar pelo Copam”.

Maria Teresa pontua ainda que provavelmente a lista dos projetos prioritários para o desenvolvimento do estado de Minas Gerais “já está pronta, e os processos desses licenciamentos já devem estar adiantados, porque esse PL, em nenhum momento, afirma que avaliaria processos de licenciamento ambiental a partir da promulgação da lei. Ao contrário, eles já sabem quais são os projetos a serem aprovados, e um deles é o da Serra do Gandarela, de Mina Apolo. Para a Vale, a Mina Apolo seria o segundo Carajás do Brasil, porque as outras minas do quadrilátero já estão no fim da exploração de minério de ferro. O Gandarela daria à Vale um tempo bom para continuar com as suas atividades em Minas Gerais”.

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo é pedagoga, educadora ambiental e membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que consiste o PL 2.946/2015, de autoria do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel?

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Consiste numa proposta de alteração do sistema estadual de meio ambiente, mas altera em muito também diversos aspectos da política ambiental de Minas Gerais. Então, o PL foi elaborado em um formato como se fosse apenas uma alteração da estrutura do sistema estadual, no entanto o texto altera os eixos da política ambiental do estado.

IHU On-Line – Quais os pontos mais críticos do texto original e do texto aprovado na última quarta-feira, 25-11-2015?

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Na realidade, o texto original que foi entregue pelo governador Pimentel no dia 6 de outubro, em regime de urgência, não tem sentido. Na última quarta-feira, foi aprovado o segundo texto do PL, que não alterou o eixo principal do projeto segundo seu texto original. Então, o texto original – que chamamos de AI-5 ambiental – estava elaborado de tal modo que centralizava no governo toda a política ambiental. Por exemplo, o Conselho de Política Ambiental – Copam, que é o órgão máximo de gestão ambiental, no sentido de propor e deliberar sobre as políticas ambientais do estado, segundo o PL aprovado passa apenas a propor algo em relação à gestão ambiental, porque a deliberação fica a cargo do governo do poder Executivo. O Copam é a instância que envolve os três setores da sociedade: governo, empresários e sociedade civil. Então essa proposta original do PL é um absurdo, porque, segundo a nossa avaliação, violava o princípio constitucional que diz o seguinte: “Compete ao estado e à coletividade cuidar do meio ambiente”.

O texto do PL também afirma que outras nove alterações seriam remetidas a decretos e alterações-chave, como a composição do Copam e as normas relacionadas ao tipo de licenciamento, ou seja, tudo isso será remetido a decretos. Outro ponto gravíssimo do texto é que a política ambiental não aparecia mais como parte do sistema estadual de meio ambiente e o eixo econômico permeava tudo, e isso se manteve no texto aprovado ontem.

Decidiu-se, segundo o texto aprovado, que o Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico pode apontar projetos prioritários para o governo, os quais terão atendimento priorizado para facilitar o licenciamento, inclusive criando uma estrutura diretamente ligada ao secretário de Estado de Meio Ambiente, com o papel de finalizar o licenciamento, sem passar pelo Copam. No texto aprovado, isso não está colocado dessa forma, mas diz que o secretário terá o papel de analisar os licenciamentos e encaminhá-los para ser tomada a decisão. Mas o problema é que todos os licenciamentos de classe 1 a 3 terão de ser licenciados ou indeferidos em seis meses, e os empreendimentos que precisam de estudo de impacto ambiental terão de estar licenciados ou indeferidos em um ano, independente de qualquer coisa; ou seja, inclusive o princípio da precaução ambiental, que rege a lei ambiental, foi ignorado. Esse ponto não foi alterado do primeiro para o segundo texto, apesar de algumas ONGs terem tentado melhorar essas questões.

Esse projeto de lei é um projeto para atender os interesses dos grandes empreendimentos, como de mineração, logística de escoamento de produção, cultivo de eucaliptos, implantação de condomínios, ou seja, tudo que envolve projetos econômicos a fim de agilizar licenciamentos sem tratar da questão do princípio de atenção ao meio ambiente.

“Essa emenda de parágrafo único diz que em caso de caráter excepcional e de interesse público, o governador poderá assumir as competências do Copam. É algo assustador”

IHU On-Line – Que emendas foram incluídas de última hora no PL?

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – O processo todo foi ilegal e inconstitucional porque a sociedade não pode participar e, na última hora, chegaram mais de 80 emendas para o projeto. Dez delas foram acatadas pelo relator e a informação é de que elas teriam vindo do líder do governo, e as demais foram rejeitadas. Uma delas diz para manter o caráter ditatorial dessa futura lei, porque o Copam, apesar de continuar sendo o órgão que tem a função de deliberar, perde essa função segundo uma das emendas incluídas no PL. Essa emenda de parágrafo único diz que, em caso de caráter excepcional e de interesse público, o governador poderá assumir as competências do Copam. É algo assustador.

Como o texto aprovado ontem mudou em relação ao anterior no que diz respeito à função do Copam, mantendo a função deliberativa do órgão, eles quiseram, com essa emenda, salvaguardar a prerrogativa do governo de poder decidir aquilo que for de interesse dos setores econômicos. Estamos diante de um PL que, se for aprovado pelo governador, terá consequências terríveis, porque empreendimentos de classe 1 a 4 poderão ser decididos pelos superintendentes regionais, sem passar pelo Copam.

Quando abordamos os deputados para questioná-los sobre as alterações, eles nos disseram que podemos entrar com recursos. Como? Até que esses recursos sejam analisados, tudo será destruído, porque as empresas desmatam, causam impactos e se algum dia um recurso for pautado e avaliado, não adiantará mais nada. É um conjunto assustador de retrocesso ambiental no estado, que foi pioneiro de uma legislação bacana, mas agora um governador eleito pelo voto popular, e que prometeu que o estado de Minas Gerais entraria em uma nova era, parece mudar tudo. Nós nunca tínhamos visto uma coisa tão assustadora e violentamente antidemocrática no âmbito da gestão ambiental.

IHU On-Line – Como entender esse PL depois do acidente que ocorreu com a barragem em Mariana?

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Quando ficamos sabendo da tragédia em Mariana, nós já tínhamos entrado na luta para barrar o PL, que foi publicado dia 8 de outubro. Quando as ONGs começaram a tomar conhecimento do texto, nós ficamos chocados, porque ninguém acreditava no que estava lendo, tanto que aconteceu algo inédito: formamos aFrente Ampla contra o PL 2.946, no dia 14 de outubro.

Quando aconteceu a tragédia de Mariana, nós pensamos que o governador retiraria o caráter de urgência do PL, porque não faz o menor sentido priorizar um PL de interesse econômico depois de uma tragédia desse porte. Neste momento há outras ações a serem tomadas em caráter de urgência, como reavaliar as mais de 50 barragens que estão em risco. Mas fomos surpreendidos.

IHU On-Line – E além de manter o PL, o governo cancelou a reunião conjunta do Conselho de Política Ambiental – Copam e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Você sabe qual foi a justificativa?

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Primeiro, o governo ainda não tinha feito nenhuma reunião no Copam sobre o PL e a reunião agendada foi cancelada. Segundo informações do site do governo, a reunião havia sido cancelada porque a prioridade era cuidar do meio ambiente e da população, por conta do acidente de Mariana. Quando vimos essa notícia, pensamos que a reunião seria reagendada, mas na semana seguinte as comissões de administração pública e de meio ambiente pautaram reuniões consecutivas para cumprir o ritual que cabia a essas comissões de apresentar os seus relatórios e votar; assim, na semana passada já estava finalizado o processo para o PL ir para plenário. E ontem (25-11-2015) o plenário, depois de uma sequência de reuniões, aprovou o projeto. Isso envolve uma ilegalidade e inconstitucionalidade desde o início do processo.

IHU On-Line – Por que o PL foi votado em caráter de urgência? Já é possível vislumbrar quais empreendimentos serão beneficiados com a mudança da lei?

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Sim, nossa certeza em relação a isso é quase absoluta. A lista dos tais projetos prioritários que o Conselho de Desenvolvimento Econômico do estado irá aprovar já está pronta e os processos desses licenciamentos já devem estar adiantados, porque esse PL, em nenhum momento, afirma que avaliaria processos de licenciamento ambiental a partir da promulgação da lei. Ao contrário, eles já sabem quais são os projetos a serem aprovados, e um deles é o da Serra do Gandarela, de Mina Apolo. Para a Vale, a Mina Apolo seria o segundo Carajás do Brasil, porque as outras minas do quadrilátero já estão no fim da exploração de minério de ferro. O Gandarela daria à Vale um tempo bom para continuar com as suas atividades em Minas Gerais.

Existe também o projeto em Mato Dentro, no morro do Pilar, onde tem a Anglo American, e a Manabi, que é uma empresa que quer ter o complexo para minerar o morro do Pilar. A Vale quer a Serra da Serpentina, que fica na Bacia hidrográfica do Rio Santo Antônio. São projetos que serão considerados prioritários para o Estado.

Obviamente também serão aprovados os projetos de logística, como os minerodutos, sendo que alguns deles ainda estão parados porque não conseguem licenças e, com essa possiblidade de o PL ser sancionado, eles conseguirão que os licenciamentos sejam agilizados.

Tem ainda um projeto imobiliário assustador, na região de Nova Lima, na Serra da Moeda, que é fundamental para o abastecimento da região do Sul. Esse empreendimento prevê a construção de um condomínio para 220 mil pessoas, mais um aeroporto para atender a esse complexo.

Com o assassinato do Rio Doce, nós somente teremos a Bacia do Rio São Francisco, que já enfrenta graves situações ambientais. No ano retrasado, o rio São Francisco quase ficou sem água, entre a represa de Três Marias e o próximo afluente que chegava no Rio, ou seja, quase 30 quilômetros do Rio São Francisco sem água. Então estamos vivendo situações graves de crise hídrica por conta da má gestão, de outorgas concedidas sem controle, além de problemas causados por conta da mineração, porque em algumas regiões onde se minera ferro, se perde água. Então, dada a situação, um projeto de urgência nesse momento deveria avaliar quais bacias hidrográficas precisam imediatamente não ter mais perda de água.

Por cinco anos consecutivos, Minas Gerais foi campeã no desmatamento da mata Atlântica, e nas outras gestões tivemos graves problemas. O secretário de Meio Ambiente anterior, Adriano Magalhães, está respondendo a processos criminais por conta de favorecer as empresas de Eike Batista. Estamos vivendo uma sequência de 14 anos de gravíssimos problemas de gestão ambiental, mas nunca vimos uma situação tão violentamente criminosa como esse PL. Nós temos provas da ilegalidade e da inconstitucionalidade desse PL. O judiciário não é sensível a essas questões, mas isso não significa que não devemos buscar alternativas. Estamos todos com uma sensação de raiva, indignação e assustados, mas ao mesmo tempo com muita garra, porque não podemos deixar que isso aconteça em Minas Gerais.

A aprovação do PL ainda não foi publicada no Diário do Legislativo, mas deve ser publicada hoje (27-11-2015), e, sendo publicado, o governador pode sancionar a lei a qualquer momento. Acreditamos que o Ministério Público pode entrar com um processo de inconstitucionalidade contra o PL.

Veja como a coisa é ilegal: se, conforme determina a legislação atual, é o Copam o órgão responsável por deliberar a política ambiental, esse PL não poderia ter ido direto do governador para a Assembleia, deveria ter passado pelo Copam. Além disso, o Copam tem atas de reuniões em que o secretário de Estado de Meio Ambiente garantiu que depois de o governo estudar a proposta, o PL passaria pelo Copam, mas não passou. Nós protocolamos uma petição à comissão de constituição e justiça nessa tramitação do projeto e a comissão nem nos respondeu, nem analisou, e declarou legal e constitucional o projeto de lei — quando ele não é.

IHU On-Line – E a última notícia é de que o Senado aprovou o projeto para afrouxar o licenciamento ambiental.

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Sim, essa é outra legislação que pode ser aprovada a qualquer momento. Eu ainda não li o texto, mas é uma proposta quase igual a do Pimentel, só que no âmbito federal. Existe uma articulação grande e macro dos interesses econômicos e eles estão executando todas as suas metas, que precisam apenas de um retrocesso legal para serem executadas.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Queria acrescentar que sabemos que isso não acontece somente no nosso estado, mas no país de um modo geral. E não podemos desistir, porque é só assim que vamos mudar esse paradigma para um outro modo de ser, viver e governar a nós mesmos de outra forma. É sempre bom pôr alguma esperança e perspectiva em questões difíceis que vivemos. As pessoas às vezes acham que a luta não vale a pena, mas não podemos perder a capacidade de sonhar, porque só assim mudamos paradigmas.

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One Reply to “Para pesquisadora, PL 2946/15 é ilegal e inconstitucional”

  1. Muito bom Beto. Sem vocea jamais toarimes estes momentos registrados. Espero que a ABES tenha como armazenar este acervo para no futuro relembramos o nosso passado. As coisas boas que estamos fazendo Uma abrae7o, Vitorio.

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