DPU cita matéria do Observatório em pedido de revogação de norma do INCRA que permite mineração em assentamentos

A Defensoria Pública da União (DPU) solicitou que o INCRA revogue a Instrução Normativa 112/2021, editada durante o governo Bolsonaro e válida até hoje, que passou a permitir o avanço da mineração em assentamentos rurais de todo o Brasil.

Entre o material citado pela DPU para pedir a revogação imediata está a matéria do Observatório da Mineração que revelou milhares de requerimentos de mineradoras multinacionais sobre assentamentos, especialmente os projetos voltados aos chamados “minerais críticos e estratégicos”, importantes para a transição energética.

Entre vários aspectos listados para a solicitação, a DPU reforça que “considerando que a matéria jornalística publicada em março de 2025 pelo Observatório da Mineração expõe que grandes empresas nacionais e estrangeiras vêm expandindo seus requerimentos sobre territórios da reforma agrária, impulsionadas por políticas estatais como o Programa Pró-Minerais Estratégicos e o novo PAC, sem respeitar os direitos das comunidades locais”.

Em suma, a Defensoria alega que a norma do INCRA representa “incompatibilidade com a função social da terra, com os objetivos constitucionais da política agrária e riscos à soberania alimentar, ao meio ambiente e aos direitos humanos das comunidades assentadas”.

A recomendação pela revogação da norma é acompanhada do pedido de padronização de critérios técnicos, consulta prévia às comunidades, criação de banco de dados público e articulação interinstitucional. A DPU se fundamenta “na Constituição Federal, Convenção 169 da OIT, Nota Técnica da FASE, Relatório da DPU e matéria do Observatório da Mineração”.

Até o momento, publicamos duas matérias sobre os requerimentos de mineradoras sobre assentamentos: o quadro geral do Brasil e a situação destacada no Pará.

Outras matérias baseadas nos dados estão em fase final de apuração e serão publicadas nas próximas semanas. O Observatório faz parte de uma coalizão de organizações – que inclui a FASE, o MST e vários outros – que produz incidência técnica e política para a revogação da norma do INCRA.

Em todos os casos apurados, as mineradoras consultadas usam justamente a norma do INCRA para justificar o seu interesse sobre assentamentos com amparo legal. O INCRA jamais respondeu aos insistentes pedidos de comentário feitos por nós.

Desde a edição da norma em 2021 até o momento foram abertos 982 processos minerários com 1.337 sobreposições em assentamentos, considerando apenas substâncias classificadas pela Agência Internacional de Energia como importantes para a transição energética. No geral, entre todas as substâncias minerais, incluindo as da construção civil (areia, argila, cascalho, calcário e outras), o Brasil registra hoje mais de 17 mil requerimentos sobre assentamentos rurais.

A Agência Nacional de Mineração também foi envolvida no pedido da DPU e a Defensoria afirma que “a ANM, responsável pela outorga de títulos minerários, admitiu não realizar estudos de impacto fundiário nem possuir protocolo formal de consulta prévia às comunidades afetadas, deixando a análise desses aspectos a cargo do licenciamento ambiental e da anuência do INCRA, sem coordenação efetiva entre os órgãos”.

A DPU solicita:

  • 1. A revogação imediata da Instrução Normativa nº 112/2021, substituindo-a por norma que assegure a centralidade da política de reforma agrária, imponha critérios técnicos rigorosos de análise de compatibilidade e garanta a participação efetiva das comunidades impactadas;
  • 2. A suspensão cautelar de todos os processos de anuência em tramitação com base na IN 112/2021, até que seja realizada análise criteriosa de seus impactos sociais, ambientais e fundiários, com ampla transparência e participação social;
  • 3. A padronização nacional das análises de compatibilidade dos empreendimentos com os objetivos da reforma agrária, exigindo-se estudos específicos de componente agrário, vistorias in loco e parecer técnico do INCRA previamente à autorização de instalação dos empreendimentos;
  • 4. A garantia da consulta prévia, livre e informada às comunidades assentadas, conforme disposto na Convenção 169 da OIT, como condição indispensável para qualquer medida que afete seus territórios;
  • 5. A criação e consolidação de um banco de dados nacional sobre empreendimentos incidentes em áreas de reforma agrária, com informações públicas, georreferenciadas e atualizadas, de modo a garantir controle social e atuação coordenada entre os órgãos públicos;
  • 6. A promoção de investimentos estruturantes nos assentamentos afetados, com ações de mitigação e compensação voltadas à recuperação de áreas degradadas, fortalecimento da produção agroecológica e acesso a políticas públicas de crédito, comercialização e infraestrutura;
  • 7. A revisão do processo de licenciamento ambiental, com a inclusão do INCRA desde a definição dos termos de referência dos estudos de impacto, garantindo análise prévia da compatibilidade com a política agrária;
  • 8. A adoção de medidas de reparação nos casos em que assentamentos tenham sido afetados por empreendimentos sem as devidas salvaguardas legais, inclusive com responsabilização dos agentes públicos e privados envolvidos.

Por fim, a Defensoria afirma que “se coloca à disposição para dialogar com as instituições destinatárias, INCRA e ANM, acerca da adoção e implementação” da Recomendação. INCRA e ANM tem 30 dias para se manifestar sobre o requerimento da DPU.

A recomendação foi assinada por defensores regionais de Direitos Humanos de Goiás, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Paraná e Distrito Federal.

Foto de destaque: assentamento rural em Oriximiná no Pará / INCRA

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