MPF e MPMG querem revisão do licenciamento ambiental da Atlas Lithium por falta de consulta prévia a comunidades tradicionais

Os Ministérios Públicos Federal (MPF) e de Minas Gerais (MPMG) apresentaram uma série de dados técnicos e jurídicos contra o projeto de exploração do lítio da Atlas Lithium, no Vale do Jequitinhonha. 

A recomendação assinada pelo procurador da República Helder Magno da Silva pede aos órgãos ambientais de Minas Gerais “medidas cabíveis para a revisão, anulação e/ou saneamento das decisões administrativas anteriores que deferiram ou concederam licenças, autorizações ou anuências ambientais no âmbito do processo de licenciamento ambiental do Projeto Anitta”. 

O procurador do MPF ressalta que essas licenças não poderiam ter sido realizadas antes da realização da “necessária consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais afetados e sem a respectiva consideração como sujeitos de direito legitimamente interessados em tão importantes deliberações”. 

Como mostrou o Observatório da Mineração em março deste ano,  a licença operacional para a Atlas foi concedida em 25 de outubro do ano passado por dez anos para exploração de 1,5 milhão de toneladas/ano de lítio. Também mostramos justamente como a Atlas ignorou as comunidades quilombolas impactadas pelo projeto e a explosão de interesses minerários sobre uma área protegida na região.

Mas a empresa fez um pedido de expansão da área de extração apenas um mês depois de ter sido expedido o certificado da primeira autorização com o aval do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM). O novo protocolo na Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) do processo foi registrado em 22 de novembro de 2024. 

É justamente a expansão do projeto Anitta que está sendo questionado pelo MPF e MPMG. O caso é investigado pelo MPF desde 2022, que também recomendou o cancelamento da audiência pública marcada para a última terça-feira (29) para debater o tema. 

O MPMG fez recomendação semelhante para anular o evento alegando que foi verificado em diligência a ausência de documentos “essenciais à adequada compreensão e análise do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da Expansão do Projeto Anitta”.

Mesmo com as duas recomendações a audiência pública aconteceu na data marcada. A representante da Feam leu no começo do evento resposta com os argumentos do órgão ambiental estadual para manter a audiência alegando que o encontro “não se confunde” com a escuta prévia das comunidades, como destacaram os representantes dos órgãos de controle. 

A Feam também afirma que tanto a audiência pública como audiência prévia devem ser realizadas antes da concessão da licença ambiental “independente de uma ordem de realização”. Entre os argumentos jurídicos citados pelo órgão ambiental está uma decisão do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF 6) de outubro de 2023 (1000149-67.2023.4.06.0000) que permitiu a realização de audiência pública antes da consulta prévia no caso de uma ação da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais. 

Na decisão, o destaque dado pela Feam foi no texto do voto do desembargador Álvaro de Ricardo de Sousa Cruz em que afirma que  “a audiência pública não se confunde com a CLPI (consulta prévia, livre e informada), ainda que fosse aconselhável a realização da primeira após a segunda, contudo, o que expressamente é exigido pelas normas vigentes é a realização da Consulta antes das licenças, até porque podem ser obstadas após o debate promovido”.

Foto de destaque: Moradores que vivem no entorno da APA, como os da comunidade São José das Neves, tem sido procurados para vender suas casas para a Atlas Lítio, que faz sondagens na região. Crédito: Isis Medeiros      

Perícia do MPF afirma que projeto pode provocar escassez de água na região

Segundo o MPF, a recomendação na parte ambiental e de impactos sociais tem como base um relatório técnico finalizado em 2024 pela Central Nacional de Perícias da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, órgão da Procuradoria-Geral da República (CNP/SPPEA/ANPA). 

Entre os dados do relatório está a ocorrência de “severa restrição hídrica e de acesso à água para a população regional, diante da implantação da infraestrutura” para exploração de lítio da Atlas Lithium. 

“A perícia em Engenharia Sanitária da Assessoria Nacional de Perícia em Meio Ambiente da PGR, que concluiu que a ampliação da atividade minerária deverá provocar, como impacto socioambiental e econômico relacionado aos recursos hídricos, aumento na pressão sobre a infraestrutura das comunidades e dos municípios vizinhos ao empreendimento e da demanda por bens e serviços, incluindo os serviços de saneamento nesses locais (Relatório Técnico n.º 785/2024 – ANPMA/CNP”, afirma a recomendação do MPF.

O documento também aponta que as atividades da mineradora, em especial as obras já realizadas nas estradas da região, “resultaram no rompimento das tubulações para o abastecimento de água da Comunidade Calhauzinho Passagem da Goiaba, tendo sido observados incidentes assemelhados em outras localidades”. 

Recomendação afirma que existem processos minerários sobrepostos em três comunidades de Araçuaí  

Além de questionar o projeto da empresa norte-americana, a recomendação do MPF aponta uma série de problemas relacionados com a extração de lítio na mesma região. 

Citando outro parecer técnico de 2024, o MPF afirma que numa amostragem de 19 municípios afetados pela mineração do lítio no Vale do Jequitinhonha, incluindo 10 dos 14 municípios que compõem o projeto “Vale do Lítio”, foram identificadas 248 comunidades tradicionais e localidades quilombolas sujeitas a serem afetadas pela exploração do lítio. 

“E que, especificamente no município de Araçuaí, os territórios de pelo menos duas comunidades estão sobrepostos por três processos minerários (n.º 830747/2004, 833937/2006 e 831491/2004) e outras nove ficam a menos de 5 km do perímetro de um ou mais processos minerários”, diz o MPF.

Como também mostrou a reportagem do Observatório da Mineração, na Agência Nacional de Mineração (ANM), o processo minerário que é citado na liberação operacional do governo de Minas Gerais está na fase de requerimento de lavra. 11 meses antes da licença operacional de outubro de 2024, a empresa conseguiu uma guia de utilização na agência reguladora do governo federal para extrair 300 mil toneladas de lítio.

Segundo os dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), a Atlas Lítio Brasil Ltda tem 14 processos registrados em Araçuaí. Destes, cinco estão na área da APA (Área de Proteção Ambiental) da Chapada do Lagoão, sendo que três estão citados em contratos com outros investidores estrangeiros do projeto, mas apenas um deles está incluído na licença operacional iniciada em 2023 e concedida em outubro de 2024.

A reportagem não recebeu até o fechamento desta edição resposta ao pedido de posicionamento sobre a nota técnica enviado em 29 de abril e reforçado posteriormente. O espaço continua aberto para receber as informações da mineradora.

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