Embaixadores estrangeiros que atuam no Brasil são consultados frequentemente pelo governo de Jair Bolsonaro sobre políticas para o setor mineral e tem voz ativa na estratégia conjunta de liberar terras indígenas para a mineração e o garimpo.
É o que revelam análises baseadas em agendas de reuniões e em anúncios do Ministério de Minas e Energia (MME) em 2021 e 2020. Entre os embaixadores mais ouvidos estão os representantes dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália, países em que as mineradoras têm grande força econômica e política. A União Europeia também foi consultada.
No Brasil, empresas desses países estão espalhadas de norte a sul e ocupam destaque no setor de mineração, caso da anglo-australiana BHP, sócia da Vale na Samarco, responsável pelo desastre de Mariana, a inglesa Anglo American, que extrai minério de ferro em Minas Gerais e quer explorar terras indígenas na Amazônia, as canadenses Kinross, que opera uma imensa barragem em MG, a Equinox Gold, responsável por contaminação no Maranhão, a Belo Sun, que insiste em explorar ouro na Amazônia e a americana Mosaic Fertilizantes, para citar apenas algumas.
As reuniões e seminários feitos pela cúpula do MME mostram um verdadeiro feirão mineral, com o objetivo deliberado de atrair investimentos, explorar novas áreas, firmar parcerias, simplificar os processos e consultar os embaixadores e representantes de mineradoras, que participam dessas reuniões, sobre como as políticas públicas devem ser tocadas.
Faz parte dessa estratégia, essencialmente, o “Programa Mineração e Desenvolvimento” (PMD), lançado no fim de 2020 e o PL 191/20, de Bolsonaro, Bento Albuquerque, do MME e Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça, que assinam o projeto.
Como revelei aqui no Observatório em dezembro de 2020, as 110 metas finais para todo o setor extrativo brasileiro, que devem ser implementadas até 2023, foram literalmente ditadas pelo setor mineral e por associações representativas do setor.
Na análise de documentos internos mostrados com exclusividade, constava a meta de ter 8 terras indígenas disponíveis para exploração mineral em até 4 anos, o que foi sugerido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM) e acatado pelo governo.
A ABPM também pediu R$ 200 milhões em incentivos fiscais para a pesquisa de novas áreas. O PMD, em vigor, é o mote das principais reuniões antes do anúncio oficial do programa e após a sua publicação.
O MME está fazendo uma turnê junto aos embaixadores de vários países para colocar em prática o PMD, que ocupa o centro da política mineral brasileira no momento.
União Europeia foi convidada a explorar terras indígenas
Em janeiro de 2020, um mês antes de assinar o PL 191/2020, Bento Albuquerque deixou mais do que claro os objetivos do governo Bolsonaro para minerar em terras indígenas e convidou diversos países europeus a participarem da discussão.
O ministro do MME reforçou que o assunto é extremamente importante para o governo Bolsonaro, detalhou as riquezas minerais existentes em terras indígenas e disse que a exploração dessas áreas foi “uma opção feita pelo povo brasileiro” por estar previsto na Constituição de 1988, aguardando deliberação do Congresso – o motivo do projeto de lei que assinaria logo em seguida.
Entre os presentes estavam representantes diplomáticos da França, Suécia, Alemanha, Espanha, Portugal, Itália, Polônia, Bélgica, Dinamarca, Eslovênia, República Tcheca, Hungria, Países Baixos, e também da União Europeia, que representa 27 países do Continente Europeu.
E o ministro de Minas e Energia aproveitou para repetir o discurso que tem sido a tônica do governo, de que “muitas lideranças indígenas” são a favor da mineração em suas terras e tem “demandado ao governo” que isso seja aprovado.
Albuquerque escondeu apenas que as principais organizações indígenas do Brasil, como APIB e COIAB, são terminantemente contra a mineração e líderes das principais etnias afetadas pelo garimpo, como Kayapó, Munduruku e Yanomami, se uniram recentemente para rechaçar essas investidas.
Então Alexandre Vidigal entrou em cena e apresentou projetos e programas do MME, com o propósito firme de ampliar a exploração mineral no Brasil. Para Vidigal, 40% do território brasileiro possui “algumas barreiras” que impedem o avanço da mineração, como as áreas indígenas, as Unidades de Conservação e áreas com cavernas.
O objetivo declarado do governo e com o qual trabalham é claro: eliminar todas essas barreiras, acabar com qualquer “impedimento”.
“Neste tema há muita desinformação, e é importante que a comunidade internacional ouça o que o Governo tem a dizer e não se prenda a informações externas equivocadas”, disse Vidigal na ocasião, afirmando que a impressão manifestada pelos representantes da União Europeia ao final do encontro “foi extremamente positiva”.
Canadá é parceiro estratégico e louvado como exemplo
As relações com o Canadá, incluindo a participação dos embaixadores canadenses em assuntos chave no Brasil, tem sido frequente. Nos últimos anos o Brasil patrocinou, foi destaque e enviou comitivas para o maior evento de mineração do mundo, realizado em Toronto, como detalhei aqui. É neste evento, o PDAC, que muitas dessas parcerias são firmadas e metas são traçadas.
Em março de 2021, Alexandre Vidigal participou da abertura do mercado brasileiro na Bolsa de Valores de Toronto (TSX), uma das principais do planeta para as mineradoras. O presidente para a América do Sul da TSX, Guillaume Légaré considera o Brasil “o país do presente” para a mineração, com “potencial minerário” enorme.
O presidente da ABPM também participou do evento, junto com executivos de mineradoras e o embaixador do Brasil no Canadá, Petro Borio. Em 2020, o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que representa as maiores empresas do setor, celebrou memorando de entendimento para atrair investimentos canadenses. Hoje o Brasil possui 36 empresas que operam na Bolsa de Toronto, com 99 propriedades minerárias.
A Associação de Mineração do Canadá (The Mining Association of Canadá) e a Câmara de Comércio Canadá-Brasil também tem estreitas relações com o governo brasileiro.
Em notícia de dezembro de 2020, o MME diz que “ao reconhecerem os esforços adotados pelo governo brasileiro em prol da garantia de maior segurança jurídica e reguladora do setor”, a embaixadora do Canadá, Jennifer May, o embaixador da Austrália, Timothy Kane, e o cônsul britânico em Belo Horizonte, Lucas Brown, “ressaltaram o interesse de seus países em estreitar a parceria com o Brasil e promover maior participação de suas empresas no setor mineral nacional”.
Nada menos que 150 representantes de empresas de mineração brasileiras, canadenses, australianas e britânicas participaram da série de seminários feita pelo governo Bolsonaro.
No PDAC de 2020, Vidigal, do MME, se reuniu com o diretor-geral do centro de Pesquisa para Mineração do Governo do Canadá, Magdi Habib e discutiu as prioridades de cada país para o setor mineral, “com ênfase em mineração em terras indígenas”.
Segundo a nota, 95% da mineração canadense é realizada em solo indígena e isso seria “referência de experiência bem-sucedida”, disse Vidigal. Desastres como o rompimento da barragem de Mount Polley em 2014, que afetou indígenas, desmentem essa afirmação.
De acordo com o MME, houve troca de experiências com relação às questões de compensação e consulta às comunidades indígenas para a realização de atividade de mineração nessas áreas. Vidigal se encontrou também com o presidente da Associação de Mineração do Canadá, Pierre Gratton.
Embaixador americano “compartilhou a experiência” dos EUA em mineração em terras indígenas
Três meses após Jair Bolsonaro enviar ao Congresso o PL 191/2020, em maio de 2020, o secretário de Geologia e Mineração (SGM) do MME, Alexandre Vidigal, participou de reunião com embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman.
Abertamente, a reunião tratou sobre “os propósitos dos dois países em relação aos rumos e princípios que devem orientar o desenvolvimento do setor mineral“, com prioridade para “o avanço da mineração para novas áreas como terras indígenas e faixas de fronteira”.
Ambas as metas foram incluídas no PMD no fim do ano passado.
Chapman reforçou a disposição dos Estados Unidos em compartilhar a experiência norte-americana no “desenvolvimento” do setor mineral brasileiro, em particular sobre mineração em áreas indígenas, sem esquecer da simplificação da regulamentação.
A nota ressalta que Chapman “enalteceu as iniciativas para facilitação de negócios no Brasil e indicou a importância de se divulgar esses resultados junto ao setor privado“.
Na mineração, Jair Bolsonaro e Joe Biden estão alinhados
As conversas entre Vidigal e o embaixador dos EUA Todd Chapman seguiram ao longo de 2020 e no início deste ano. Em março de 2021, a Secretaria de Geologia e Mineração fez um seminário com embaixadores dos Estados Unidos e da Irlanda para atrair investimentos dentro dos objetivos do PMD.
Alexandre Vidigal realçou o ”compromisso do governo brasileiro em expandir a mineração”. Em resposta, Todd Chapman, elogiou o “excelente momento da relação bilateral EUA-Brasil em mineração”.
Aqui as políticas climáticas de Joe Biden encontram o “greenwashing” da mineração. Aquela maquiagem verde do marketing que coloca a mineração como essencial para a “transição energética” do mundo, ignorando os impactos diretos e indiretos causados pela atividade extrativa.
Chapman destacou que para cumprir as metas dos EUA em mudança do clima, a produção de minerais considerados “críticos” deve subir incríveis 500% e que um “Grupo de Trabalho Bilateral” sobre esse tema foi criado com o governo brasileiro após as conversas de 2020.
“O Grupo de Trabalho visa a apoiar o avanço do relacionamento diplomático e a cooperação técnica bilateral em minerais estratégicos, inclusive melhorando a segurança no abastecimento dessas substâncias em ambos os países, promovendo mineração e cadeias de produção economicamente viáveis”, diz o anúncio oficial, de novembro.
Se há ruídos entre Biden e Bolsonaro no desmatamento da Amazônia e nas metas anunciadas pelo Brasil no Acordo de Paris, um retrocesso, o caso da mineração é diferente. O que existe é convergência e parceria.
O seminário contou com representantes da Mosaic Fertilizantes, que destacaram a “experiência positiva em investir” no Brasil. Sob o viés do lucro sem dúvida a Mosaic, uma das maiores produtoras de fertilizantes do mundo, tem vivido tempos de bonança, registrando lucro líquido de 437 milhões de dólares somente no segundo trimestre de 2021.
Mas a parte não contada é que, como mostramos no Observatório em 2019 e 2020, a Mosaic opera algumas das maiores e mais perigosas barragens de rejeitos de mineração do Brasil em Araxá (MG) e expulsou moradores de suas casas em Goiás para expandir o seu projeto.
Técnicos do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e da Agência Nacional de Mineração, na mesma reunião, falaram sobre medidas adotadas pelos órgãos para simplificar os processos minerários e identificar novas reservas no Brasil que estão sendo apresentadas em leilões.
Em julho, Todd Chapman se aposentou. O embaixador ocupou no posto no Brasil de março de 2020 a julho de 2021. Em sua carta de despedida, Chapman agradeceu ao governo Bolsonaro.
“Apesar da pandemia, conseguimos, juntos, realizar progressos concretos em iniciativas que promovem a prosperidade para brasileiros e norte-americanos. Gostaria de agradecer ao presidente Jair Bolsonaro, seus ministros e a todos os funcionários do governo brasileiro por sua cooperação produtiva no avanço da parceria Brasil-EUA. Estou otimista em relação ao futuro do Brasil e dessa relação”, afirmou Chapman.
Pouco antes de se aposentar, Chapman recebeu do governo Bolsonaro a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta condecoração brasileira concedida a dignitários estrangeiros.
Mineradoras expressam apoio às políticas conduzidas por Bolsonaro
Uma videoconferência realizada em julho de 2020 por Alexandre Vidigal, a figura mais frequente por trás desses encontros – e que deixou recentemente o cargo no MME – é bastante expressiva para ressaltar o apoio massivo das mineradoras às políticas de Jair Bolsonaro, do MME, da ANM e outras instituições.
Participou o embaixador do Reino Unido na época, Vijay Rangarajan – depois substituído por Peter Wilson – e executivos de grandes players do setor, como Anglo American, Horizonte Minerals, Appian Capital, Arcelor Mittal e Verde Agritech.
“As empresas participantes manifestaram o apoio do setor privado à política de mineração conduzida pelo Governo Federal. Realçaram a manutenção de suas atividades em meio à pandemia como expressão de sua confiança na contribuição da mineração para o crescimento econômico sustentável dos países”, destaca o comunicado.
Foi justamente após uma série de matérias publicadas por mim no início da pandemia, em 2020, a pressão das mineradoras e do IBRAM, confirmada pelo Instituto ao Observatório, que o governo federal publicou uma portaria tornando a mineração atividade essencial no Brasil.
Isso foi fundamental para garantir um lucro 36% maior em 2020 em relação a 2019. No ano passado, as maiores mineradoras atuando no Brasil lucraram R$ 209 bilhões de reais. E o ritmo do dinheiro em caixa, puxado por novo boom de commodities, segue em alta em 2021.
Esse lucro foi obtido às custas de vidas de trabalhadores, sujeitos a turnos que não param nas minas, como tenho reportado aqui. A pandemia já matou quase 600 mil brasileiros. As matérias e essa situação drástica para os empregados de mineradoras levaram a uma denúncia que foi aceita pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
O encontro virtual, organizado pelo Consulado do Reino Unido em Belo Horizonte e pela Câmara de Comércio Brasil – Reino Unido (Bricham), em Minas Gerais, teve como tema justamente as “perspectivas do setor mineral no pós COVID”.
Pouco depois, em agosto de 2020 o PMD foi apresentado formalmente para Vijay Rangarajan.
Na ocasião, o cônsul britânico “louvou a iniciativa, em particular a centralidade conferida à sustentabilidade da mineração, e antecipou o interesse de seu país em colaborar com o Brasil nesse tema, bem como em questões afetas à atração de investimentos, tecnologias de monitoramento remoto e conhecimento geológico”.
Bento Albuquerque e diversos embaixadores visitaram a mina de Carajás, da Vale
Em setembro de 2020, o Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e uma comitiva composta por embaixadores e diplomatas da Áustria, Bélgica, Irlanda, Luxemburgo, Suécia e União Europeia no Brasil visitou as instalações da Vale em Carajás no Pará.
Segundo o discurso oficial, a viagem serviu para “desmistificar” questões sobre a mineração e mostrar a “atuação sustentável” da Vale.
Centro do maior projeto de minério de ferro do mundo, o S11D, a área, localizada entre Parauapebas, Marabá e Canaã dos Carajás, faz parte de um imenso complexo mineral que produz também caulim, bauxita, manganês, cobre e ouro.
O sistema de produção inclui mina, usina, logística ferroviária e portuária. São quase 1000 quilômetros de ferrovia do Pará ao Maranhão. No caminho, produtores rurais atacados por seguranças da Vale, terras indígenas, quilombolas e comunidades que sofrem 24 horas os impactos da ferrovia em suas vidas.
“A visita foi muito proveitosa, pois podemos ver questões relativas à mineração sustentável e também serviu para desmitificar alguns aspectos da mineração na região amazônica aos embaixadores, diplomatas e procuradores“, afirmou Albuquerque.
O Pará já tem 1.838 títulos minerários ativos para atividades de lavra. A expectativa é que esse número cresça exponencialmente nos próximos anos.
Eu procurei as embaixadas dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália para comentar o teor desses encontros, o PMD e o PL 191/2020. A Embaixada da Austrália disse que não conseguiria responder em tempo. Mesmo com mais prazo, também não retornou. As outras três não se manifestaram até a publicação deste texto.