Há exatos 5 anos o Brasil assistia ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que devastou completamente vários distritos, matou 19 pessoas e despejou 40 milhões de metros cúbicos de lama tóxica por quase 700 quilômetros pelo Rio Doce até desaguar no mar do Espírito Santo.
O caso, considerado o pior desastre ambiental da história do Brasil, completa 05 anos cercado de impunidade e com o acordo de reparação firmado entre Vale, BHP, Samarco, Ministérios Públicos, Defensorias, governos de MG e do ES e a União em xeque.
As razões para isso são muitas. Entenda os 10 pontos principais.
1. Os termos do TAC Governança não foram cumpridos
2. As assessorias técnicas independentes não foram contratadas.
3. A ação civil pública que pede R$ 155 bilhões em reparação acaba de ser retomada pelo Ministério Público Federal
As mineradoras Vale, BHP Billiton e Samarco são rés na ação, assim como a União e o estado de Minas Gerais. O motivo alegado para a retomada da ACP, solicitada no início de outubro, é o descumprimento dos termos firmados no TAC Governança, de junho de 2018, que remodelou o acordo para incluir mais participação dos atingidos.
Os termos do acordo expiraram em agosto e o os autores da petição alegam que a contratação das assessorias técnicas independentes, escolhidas pelos atingidos e custeadas pelas empresas, enfrenta dificuldades colocadas pelas mineradoras.
São 41 municípios afetados e apenas 05 assessorias foram contratadas até o momento: em Mariana (MG); Barra Longa (MG); Rio Doce (MG), Santa Cruz do Escalvado (MG) e Xopotó (MG) – que contam como um território; na terra do povo indígena Krenak, em MG e na comunidade quilombola de Degredo (ES). As outras regiões aguardam a efetivação das empresas selecionadas.
“A população afetada pelo desastre já escolheu suas assessorias técnicas independentes, mas a contratação pelas empresas ainda não se efetivou, em parte devido a inúmeros obstáculos colocados pelas empresas rés para a contratação”, afirma o texto.
Esse impasse inviabiliza todo o processo de reparação e, sem as assessorias, “os atingidos ficam excluídos do processo de renegociação”. Dois anos após a reformulação do acordo e 05 anos após o rompimento, não houve progresso efetivo nos canais de participação previstos.
4. A reconstrução dos distritos afetados não foi concluída e acumula atrasos.
A reconstrução dos lugares destruídos pela lama da Samarco/Vale/BHP ainda não foi finalizada sequer para o caso de Bento Rodrigues, principal distrito afetado. Paracatu de Baixo está em fase de “preparação de infraestrutura” e Gesteira ainda aguarda o projeto ser homologado pela justiça, segundo a própria Fundação Renova.
Após vários adiamentos e previsto inicialmente para março de 2019, o novo prazo para Bento Rodrigues é fevereiro de 2021, apesar de que menos de 20% das obras estavam concluídas até agosto.
5. Vale e BHP tem manobras fiscais sob investigação.
Revelei aqui no Observatório em julho uma investigação em curso do Ministério Público de Minas Gerais que mira manobras fiscais suspeitas de Vale, BHP e Samarco envolvendo a Fundação Renova.
O esquema investigado serviria para garantir que as empresas, donas da Samarco, pudessem recolocar no próprio bolso parte dos bilhões de reais que se comprometeram a pagar como reparação do rompimento da barragem em Mariana.
Há indícios de que as doações da Vale e da BHP à Renova estão sendo registradas como dívida contraída pela Samarco, que se compromete a devolver o dinheiro às suas controladoras.
A se confirmarem as suspeitas, Vale e BHP estariam atuando para ter de volta o dinheiro que em tese aplicam na reparação do dano que causaram. É uma manobra vedada pela Receita Federal.
6. A Fundação Renova pode ser extinta a qualquer momento.
Em outra matéria exclusiva, mostrei que a entidade criada para reparar os impactos do maior desastre ambiental da história do Brasil pode ser extinta por decisão unilateral das mineradoras Vale, BHP e Samarco a qualquer momento. E as empresas também podem pegar de volta o dinheiro que estiver no caixa da Fundação Renova.
É o que diz o Estatuto da Fundação Renova, no artigo 67. Lá está previsto que a Renova pode ser extinta por deliberação de dois terços dos membros do Conselho Curador. É exatamente os assentos que as mineradoras possuem para acabar com a Renova a hora que quiserem.
Além disso, o artigo 67 diz que Vale, Samarco e BHP ficariam liberadas de investir mais dinheiro na reparação e todo ativo ou dinheiro existente no patrimônio da Renova quando a fundação for eventualmente extinta terá a sua destinação definida também pelas mineradoras.
Além disso, muitos atingidos em Minas Gerais e no Espírito Santo não receberam reparação até o momento e a Fundação Renova tentou cortar o auxílio pago às vítimas no meio da pandemia de Covid-19 e foi impedida pela justiça.
7. Uma promotora envolvida nas negociações é sobrinha de advogado da Vale.
Em julho, foi revelado que Mônica Bermudes Medina Pretti, promotora de Justiça do MPES e coordenadora do Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce (GTRD), é sobrinha de Sérgio Bermudes, advogado da Vale e irmã de um advogado da Samarco.
Com isso, Mônica Bermudes não poderia atuar em ações contra a Vale por conflito de interesse e deveria alegar suspeição. O caso ainda é “analisado”, incluindo as decisões que tiveram a participação de Mônica Bermudes.
A Corregedoria do MPES e o Conselho Nacional do Ministério Público não se pronunciaram até o momento.
8. Mineradoras e executivos não foram punidos.
Vale, Samarco e BHP seguem impunes no Brasil e no exterior.
A ação criminal original pede a condenação de 21 réus por pelos crimes de inundação, desabamento, lesão corporal e homicídio com dolo eventual, que ocorre quando se assume o risco de matar sem se importar com o resultado da conduta, segue sem prazo determinado. A denúncia apresentada em 2016 pede que os réus sejam submetidos ao júri popular.
Só 5 dos 21 réus originais continuam respondendo ao processo, todos ligados à Samarco e nenhum à Vale e BHP. Nenhuma das 140 testemunhas foram ouvidas até hoje. As audiências foram sistematicamente adiadas e as empresas têm feito de tudo – com sucesso – para adiar os trabalhos.
9. Promotores acusam Vale e BHP de agir em conluio com advogados no Espírito Santo para reduzir indenizações às vítimas e evitar processos no exterior.
No fim de outubro, o MPF entrou com um recurso pedindo a nulidade de decisões do juiz Mário de Paula Franco Júnior relativas a legitimidade de uma “Comissão de Atingidos” formada por uma advogada em Baixo Guandu (ES) que coleciona fatos no mínimo estranhos a todo o processo de reparação. Todo o trâmite – que correu em sigilo – seria ilegal e irregular, defende o MPF.
O caso é importante porque pode ter efeito em cadeia para todo o caso de Mariana.
Seria uma forma de conluio formado por Vale e BHP com essa advogada para reduzir as indenizações pagas aos atingidos e evitar processos no exterior, interferindo em um que corre no Reino Unido – no valor de $6,3 bilhões, representando mais de 200 mil pessoas – e que a qualquer momento uma decisão pode sair sobre o andamento da ação ou não.
O MPF pede que a Justiça Federal reverta a instauração de pelo menos 13 processos para serem conduzidos por comissões de atingidos, que teriam sido criadas em violação aos acordos judicialmente homologados.
Por esses processos, os atingidos poderiam receber montantes pré-determinados “mediante quitação integral e desistência de todas as demandas eventualmente pendentes contra os causadores do dano — inclusive no exterior”.
Para o MPF, além de a criação dessas comissões violar acordos homologados judicialmente, o montante foi fixado aleatoriamente e não possui qualquer ato instrutório no curso dos próprios processos, com indícios de tratar-se de lides simuladas.
10. A Samarco deve voltar a operar ainda em 2020.
Por 10 votos favoráveis, 1 abstenção e apenas 1 voto contrário, o Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais, por meio da Câmara Especializada de Atividades Minerárias (CMI-Copam), aprovou em 25 de outubro de 2019 a volta das atividades da Samarco, controlada por Vale e BHP Billiton, em Mariana.
Após todas as obras necessárias e licenças obtidas, a previsão de retorno da operação da mineradora para até o fim de 2020 deve se concretizar.
Assim, a Samarco voltará a operar antes mesmo que a população atingida de Bento Rodrigues, Gesteira e Paracatu de Baixo receba as suas casas reconstruídas.
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