Com US$ 26 bilhões de bancos estrangeiros e recorde de lucro em 2022, Petrobras insiste em explorar foz do Amazonas

Apenas de 2016 a 2022 a Petrobras recebeu mais de US$ 26 bilhões de dólares de financiamento de bancos estrangeiros, especialmente instituições americanas (Citi, JPMorgan Chase, Bank of America, Morgan Stanley e Goldman Sachs), além de BNP Paribas e Crédit Agricole, franceses e HSBC, inglês.

Os dados do relatório “Banking On Climate Chaos”, divulgados na última semana, ilustram o gigantesco fluxo de capital internacional para empresas de petróleo e gás como a Petrobras mesmo após o Acordo de Paris, firmado em 2015.

Citi, JPMorgan e Bank of America lideram os investimentos na Petrobras no período, todos entre US$ 4 e US$ 5,6 bilhões.

Enquanto todos esses bancos propagandeiam os seus supostos compromissos climáticos, ambientais e de direitos humanos, continuam a financiar empresas responsáveis diretamente pela crise climática que afeta o mundo.

Além dos prejuízos econômicos, estimados na casa dos trilhões de dólares, a crise climática tem aumentado substancialmente a ocorrência de desastres, mortes e deslocamento de pessoas, algo que os brasileiros de diversas regiões atingidos por chuvas cada vez mais intensas e desproporcionais, conhecem bem.

Fluxo de dinheiro para a Petrobras de 2016 a 2022 / Banking On Climate Chaos

Ao mesmo tempo, a Petrobras resolveu levar adiante um projeto catastrófico: explorar a foz do rio Amazonas, território estratégico para a conservação da biodiversidade, abrigando 80% da cobertura de manguezais do Brasil. Os manguezais possuem a maior capacidade de absorção de CO2 na natureza, maior que a de florestas úmidas, além de serem fundamentais para o equilíbrio ecossistêmico e o modo de vida de populações tradicionais.

O projeto de exploração de petróleo em área tão sensível, que no passado teve a parceria da empresa britânica BP e da francesa Total, foi assumido 100% pela Petrobras, que comprou os ativos da Total em 2020 e da BP em 2021.

A Foz do Amazonas faz parte da Margem Equatorial, área considerada nova fronteira exploratória que vai do litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. Levando em conta o plano de negócios até 2026, a estatal estima realizar investimentos da ordem de US$ 2 bilhões para as atividades exploratórias em toda a região.

Foto de destaque: Navio de produção FPSO P-34 no campo de Jubarte, na Bacia do Espírito Santo [foto: Roberto Rosa/Agência Petrobras]

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Organizações alertam para os riscos do projeto

Liderados pelo Observatório do Clima, 80 organizações da sociedade civil pediram ao governo federal, semana passada, para que não seja emitida licença de extração de petróleo e gás na foz do Amazonas enquanto não for realizada uma avaliação ambiental estratégica para toda a região e se adotarem as medidas necessárias previstas na legislação.

No detalhamento, as organizações pedem que seja feita uma elaboração da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para a bacia da Foz do Amazonas, pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e Ministério de Minas e Energia, com a efetiva análise sobre a compatibilidade da instalação da indústria petrolífera na região.

“Devem ser considerados os impactos cumulativos e sinérgicos de toda a cadeia produtiva sobre fatores ambientais e socioeconômicos e, também, o conjunto de blocos previstos pela ANP para a região, além de se garantir a transparência e ampla participação da sociedade”, destaca a nota.

O rio Amazonas, elemento central desse sistema, representa o maior aporte de água continental no oceano e a maior descarga de sedimentos em suspensão, despejando anualmente 17% do total mundial. Toda essa pluma de sedimentos é considerada uma das maiores riquezas em nutrientes, abastecendo até áreas do Caribe e ainda considerada como um ecossistema de “carbono azul”, ou seja, que podem contribuir com o desejável balanço de CO₂, destacam os ambientalistas.

Bacias da margem equatorial do Brasil. Infográfico: Rodolfo Almeida/SUMAÚMA

Petrobras lucrou R$ 188 bilhões em 2022, recorde histórico

Mesmo após a desistência das parceiras estrangeiras para explorar a região justamente por causa da dificuldade em cumprir as condicionantes ambientais, a Petrobras insiste no projeto enquanto registrou lucro líquido de R$ 188 bilhões em 2022, o maior da história da empresa e o maior da história de uma companhia de capital aberto na América Latina, 77% superior a 2021.

Os R$ 35,8 bilhões distribuídos aos acionistas conseguiu suscitar críticas até de Jair Bolsonaro, que manteve a questionável política de preços com paridade internacional que levou o litro da gasolina a custar quase R$ 10 em 2022 e, depois, em desespero eleitoral, Bolsonaro, Guedes e cia toparam quebrar os estados para tentar a reeleição.

Derrotados, foi engavetada também a privatização da Petrobras. Mas as contradições continuam.

“Esta transação está em linha com o Plano Estratégico 2021-2025, que prevê novas frentes exploratórias fora das bacias do Sudeste, e faz parte do processo de gestão de portfólio da companhia, priorizando investimentos em ativos de classe mundial em águas profundas e ultraprofundas, visando a maximização de valor para os nossos acionistas”, disse a Petrobras, em nota de 2021, quando comprou a participação da BP.

O grande sistema de recifes amazônicos. Infográfico: Rodolfo Almeida/SUMAÚMA

Exploração na foz do Amazonas expõe contradições do governo Lula

A região da foz do Amazonas tem o volume potencial de 14 bilhões de barris petróleo, algo que faz o governo Lula ir na contramão da retomada da governança ambiental e dos compromissos climáticos reafirmados na última COP, realizada no Egito, usada como palco por Lula para colocar o Brasil de novo no cenário internacional.

O atual presidente da Petrobras apontado por Lula, Jean Paul Prates, defendeu a continuidade do projeto para analisar a viabilidade ou não, afirmando que a localização em alto mar não afetaria a foz do Amazonas.

“Com os resultados da fase de investigação e perfuração, a sociedade terá o direito de saber qual é o real potencial dessa área, e a partir daí vamos aprofundar o debate sobre a continuidade ou não do projeto”, disse Prates em março.

Contraditoriamente, Prates defendeu que é preciso acelerar a exploração de petróleo que está levando o mundo ao colapso climático para “aprofundar os investimentos em transição energética”.

“Se formos bem sucedidos, vamos desenvolver as reservas de forma integrada a outras fontes de energia, com foco em uma agenda de transição energética segura, justa e inclusiva. Se for comprovada sua viabilidade, será um salto em direção ao futuro, uma verdadeira alavanca de novos investimentos e de oportunidades”, afirmou Prates.

A lógica questionável, porém, fica mais clara quando analisada o lucro da empresa em 2022 e de modo geral o lucro recorde de petrolíferas no mundo. Fundamental para a geopolítica global, a China, que acaba de receber visita estratégica de Lula com extensa comitiva, é um dos principais destinos do petróleo brasileiro.

Para a visão desenvolvimentista do PT, não há outro caminho e Prates se orgulha de colocar o Brasil potencialmente como “o último produtor de petróleo do mundo”.

No fim de março, o Ministério de Minas e Energia lançou o Potencialize E&P, programa para aumentar a exploração e produção no país. A pasta reforçou a expectativa de a Petrobras obter a licença para perfurar na Foz do Amazonas.

O ministro Alexandre Silveira disse que explorar a margem equatorial é garantir um “passaporte para o futuro” para as regiões Norte e Nordeste. Para o ministro, a região é o “novo pré-sal” do Brasil, destacou a Agência EP-BR.

A disputa ilustra a divisão do governo entre o desenvolvimentismo de boa parte da cúpula e a guinada socioambiental e climática defendida por Marina Silva, do Meio Ambiente, Rodrigo Agostinho, do Ibama, Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas e outros.

O setor extrativo expõe como poucos as contradições abraçadas pelo PT no século XXI e definirá qual o legado que o partido quer deixar para o Brasil e o mundo.

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