Por Gabriela Sarmet*
A terceirização de trabalhadores imposta pelo setor mineral se agravou após a “Reforma Trabalhista” de Temer e Bolsonaro. Hoje, mais de 50% dos trabalhadores do setor são terceirizados. Isso representa menos direitos, mais precarização e uma maior vulnerabilidade em casos extremos que exigem reparação.
O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que completa 3 anos hoje, ilustra essas distorções.
São as famílias de trabalhadores terceirizados que morreram no rompimento que enfrentam mais dificuldades para receber o que têm direito. Em recurso, a Vale considerou “absurdo” e “exorbitante” o valor de R$ 1 milhão por danos morais por cada morte.
Em novembro de 2021, a Justiça do Trabalho discordou da alegação e condenou a Vale a pagar R$ 1 mi a cada família. A mineradora recorreu da decisão e a disputa segue em segunda instância no Tribunal Regional do Trabalho (TRT-MG).
Esse é um dos primeiros processos no Brasil que julga dano moral do trabalhador sofrido exatamente durante o momento de sua morte. Nesse caso, o sindicato substitui os trabalhadores quando eles já não podem agir. A indenização deverá ser feita aos herdeiros desses trabalhadores.
A suspensão dos pagamentos a acionistas, implantada após Brumadinho, durou pouco. Desde a retomada da distribuição de lucros e dividendos, mais de R$60 bilhões foram embolsados por acionistas, sendo R$40 bilhões referentes somente ao primeiro semestre de 2021. Este valor é superior ao montante (R$ 37 bi) acordado com o governo de Minas Gerais, sem participação dos atingidos, como reparação pelo desastre. O dinheiro está sendo usado por Romeu Zema (Novo) para obras em todo o estado, como a privatização do metrô de Belo Horizonte.
De acordo com Eduardo Armond, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada (SITICOP MG), que lidera a ação junto a outros 2 sindicatos, a ação representa 98 trabalhadores terceirizados que morreram no rompimento da barragem.
Outra ação, do sindicato Metabase, representa 131 trabalhadores que morreram e eram funcionários diretos da Vale.
Os terceirizados são, majoritariamente, das áreas de construção pesada e de refeição. Mas ainda há trabalhadores sem qualquer tipo de representação trabalhista.
Em junho de 2021, a mesma juíza da 5ª Vara do TRT-MG, em decisão semelhante, determinou o pagamento do mesmo valor aos trabalhadores diretos da mineradora. Foi uma decisão inédita em ações judiciais envolvendo o caso, por reconhecer que as próprias vítimas que foram a óbito também sofreram danos morais que, portanto, devem ser indenizados.
A Vale tentou recorrer dizendo ser um valor “absurdo”, “exorbitante” e “astronômico”, apontando não haver “dano-morte” na legislação brasileira e que danos morais não seriam transmitidos por herança.
A defesa da Vale ainda alegou que “os riscos de rompimento da barragem de Brumadinho não eram conhecidos“, apesar da mineradora já ter sido condenada na esfera cível e, na esfera penal, ser ré em processo criminal no qual o MPMG denuncia a responsabilidade da empresa pelo rompimento. Os recursos da Vale foram negados.
Pagar R$1 milhão a todos os terceirizados custará à Vale R$98 milhões. Uma fração dos R$40 bilhões que enriqueceram acionistas em apenas um semestre de 2021.
A Associação dos Familiares e Vítimas do rompimento em Brumadinho (Avabrum) realiza várias ações hoje, incluindo uma visita ao memorial criado para homenagear os mortos, roda de conversa, carreata e ato no letreiro da cidade.
Riscos foram negligenciados, conclui juíza
Segundo Armond, o diferencial dessa ação coletiva é que conseguiram apresentar uma nova documentação contendo outras avaliações de peritos sobre o caso. Um relatório de investigação independente foi elaborado com o objetivo de contribuir na apuração das causas e da responsabilidade pelo rompimento da barragem.
“Mostra-se evidente, desta forma, que os riscos do rompimento da barragem e respectivas consequências eram conhecidos e foram conscientemente negligenciados.”, conclui a juíza ao analisar o relatório..
“Acho que o caso vai até o STF, porque a Vale diz que já pagou a indenização, mas na verdade essa foi a indenização aos familiares. Não é a indenização do morto.”, comentou o diretor do SITICOP-MG.
A expectativa, dos sindicalistas é que, após o recesso judicial, seja marcada uma audiência para discutir detalhes da indenização.
Em 2020, um relatório da ONU afirmou que a conduta da Vale em Brumadinho foi “criminosa e imprudente”. Até hoje, ninguém foi punido criminalmente pelo rompimento. O processo está parado aguardando uma disputa de competências entre a esfera estadual e a federal.
Em dezembro de 2020, outro trabalhador terceirizado da Vale, Júlio César de Oliveira Cordeiro morreu soterrado enquanto operava uma retroescavadeira em área de uma cava de rejeitos da Vale no mesmo local do rompimento em Brumadinho. Júlio Cordeiro, 34 anos, deixou a esposa e um filho de apenas 3 meses. Duas semanas antes, a Vale foi alertada sobre os possíveis riscos da operação naquela área, que chegou inclusive a ser paralisada pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
Vale diz que já fez acordos com 1,7 mil familiares de trabalhadores falecidos
A Vale disse que “está atenta à situação dos atingidos pelo rompimento da barragem B1 e, por esse motivo, vem realizando acordos com os familiares dos trabalhadores desde 2019, a fim de garantir uma reparação rápida e integral. As indenizações trabalhistas têm como base o acordo assinado entre a empresa e o Ministério Público do Trabalho, com a participação dos sindicatos, que determina que pais, cônjuges ou companheiros(as), filhos(as) e irmãos(ãs) de trabalhadores falecidos recebem, individualmente, indenização por dano moral. Há, ainda, o pagamento de um seguro adicional por acidente de trabalho aos pais, cônjuges ou companheiros(as) e filhos(as), individualmente, e o pagamento de dano material ao núcleo de dependentes”.
Segundo a mineradora, “também é pago o auxílio creche mensal para filhos de trabalhadores falecidos com até 3 anos de idade, e auxílio educação mensal para filhos entre 3 e 25 anos de idade. Por fim, é concedido plano de saúde vitalício aos cônjuges ou companheiros(as) e aos(às) filhos(as) até 25 anos. Desde 2019, já foram firmados acordos com mais de 1,7 mil familiares de trabalhadores falecidos, tendo sido pagos mais de R$ 1,1 bilhão no âmbito da Justiça do Trabalho”.
A Defensoria Pública da União (DPU) afirma que a sua posição é “aquela constante da nota técnica do Polos Cidadania, no sentido da legitimidade da condenação e da necessidade de majoração da verba fixada“.
Mestra em Violência, Conflito e Desenvolvimento pela School of Oriental and African Studies (SOAS), University of London e Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisadora ativista sobre conflitos socio ambientais causados pela mineração e garimpo, em especial sobre Terras Indígenas. É também membro individual associada da London Mining Network (LMN) em apoio a comunidades brasileiras atingidas por mineradoras financiadas e/ou baseadas em Londres. Co-fundadora do @coletivodecolonial, atua em redes de articulação internacional focando na luta pela terra, por reparações coloniais e justiça climática.