“O subsolo não é do índio, é da União, do governo brasileiro. Pronto, acabou, se o governo brasileiro tem interesse no subsolo, o índio não pode fazer nada. O governo pode fazer o que bem entender”, diz Elton Rohnelt, em entrevista por telefone sobre o projeto de Jair Bolsonaro que libera mineração, agronegócio e outras atividades em terra indígena.
Aos 80 anos, o gaúcho Elton Rohnelt tem uma longa história de atuação empresarial e política na Amazônia. Diretor de madeireira, dono de garimpo, um dos líderes da invasão garimpeira nas terras Yanomami nos anos 80, ex-deputado federal por Roraima de 1995 a 2003, Rohnelt ocupou diversos cargos públicos em Roraima, foi vice-líder do governo Fernando Henrique Cardoso e assessor direto de Michel Temer.
Em sua época de deputado, Rohnelt foi relator do Projeto de Lei n. 1610 de 1996, do ex-senador Romero Jucá, o primeiro a tratar sobre a exploração mineral em terras indígenas. A relatoria de Rohnelt foi simples: apoiou integralmente o projeto.
O último cargo político que tentou foi em 2014: obteve 920 votos para deputado federal por RR, concorrendo pelo PSDB. Declarou patrimônio de R$ 926 mil ao TSE e bens que incluem tratores, uma aeronave e uma balsa.
Hoje, Rohnelt atua como presidente emérito da Câmara de Gestão e Estudos Superiores do Instituto do Desenvolvimento da Mineração – IDM Brasil. O IDM, como mostrei em reportagem anterior, é a organização responsável por toda a assessoria técnica a e interlocução com o setor mineral feita para a Frente Parlamentar da Mineração em Brasília. Essa união de deputados está articulada para aprovar uma revisão no Código de Mineração que favorecerá garimpos e afetará terras indígenas.
Em entrevista, Elton Rohnelt detalhou o seu histórico na Amazônia, a sua relação com Jair Bolsonaro, sua atuação como garimpeiro e a sua visão de mundo.
Sobre o PL 191/2020, enviado por Bolsonaro ao Congresso em fevereiro de 2020 com a assinatura de Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia e Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça, Rohnelt mantém o posicionamento sobre o PL de Jucá: é totalmente a favor. A única condição seria não assassinar indígenas e respeitar os povos que vivem em isolamento.
O governo pode fazer o que quiser, “desde que não prejudique o índio”, diz. “Não vai matar o índio, vai negociar, pagar royalty, como é nos EUA. Não tem diferença nenhuma”, acredita.
A experiência americana está longe de ser referência, porém. O histórico de contaminações é vasto, incluindo centenas de minas radioativas de urânio abandonadas em terras indígenas, ameaças constantes a locais sagrados, acordos desrespeitados e completa assimetria de forças.
O cenário se repete no Canadá, na Austrália e no Chile, todos tidos como exemplo pelo governo Bolsonaro.
Elton Rohnelt diz que “o índio isolado” tem que “ser defendido pela sociedade brasileira”. No entanto, o PL 191 prevê que, em caso de exploração mineral em terras com indígenas isolados, “a Funai estabelecerá os limites necessários à proteção destas comunidades”. Hoje, eles circulam livres.
Em caso de TI’s com presença mista, em que convivem os isolados com as demais comunidades, como na TI Yanomami, isso no mínimo causaria novos conflitos.
Rohnelt considera que o indígena que vive em cidades – cerca de 40% população, segundo o IBGE – “nem índio é mais”. O empresário culpa as ONGS, que “fazem show”, “compram a mídia” e “querem dominar a Amazônia”.
Rohnelt nega o genocídio Yanomami
Ao falar sobre a realidade na TI Yanomami, Elton Rohnelt nega que ocorreu um genocídio na TI Yanomami nos anos 80 e se apresenta como um dos líderes da invasão garimpeira.
Segundo o empresário, que afirma que estava na região tirando ouro na época, com helicóptero e infraestrutura, “não tinha nada” e os índios estavam “felizes da vida”.
De acordo com relatório da Comissão Nacional da Verdade, Romero Jucá, presidente da Funai de 1986 a 1988, foi o principal responsável por permitir a invasão de 40 mil garimpeiros no território Yanomami.
Para Elton Rohnelt, isso é “mentira” e o relatório “seria coisa de gente da esquerda”. “Me prova onde houve genocídio. Prove, porra. Genocídio, oh, que horror. Quantos morreram lá? Onde foi? Em que lugar? Nunca ouve genocídio na Amazônia”, me disse Rohnelt.
Segundo o empresário com décadas de atuação no garimpo, a partir de “informantes” que ele possui, hoje quem está atirando nos indígenas dentro da TI Yanomami são bandidos de facções criminosas como o PCC, algo já revelado em reportagens, e a exploração não vai acabar porque “é muito ouro” e os garimpeiros “não vão parar”. “A Polícia Federal vai lá, queima máquina, dão porrada, no outro dia tá de novo. Pegam o ouro com a mão”, diz.
Rohnelt afirma também que o governo Bolsonaro, apesar da proximidade com o garimpo e da relação de amizade entre eles, “não dá importância” para a Frente Parlamentar da Mineração.
“Não tem interlocução nenhuma. O ministro Bento Albuquerque tá preocupado com Eletrobras, ele acha que a mineração é a Vale e grandes empresas que estão bem de vida e o resto do Brasil não existe pra ele”, critica.
Grupo representando o IDM Brasil e a FPM, porém, já se reuniu com Bolsonaro, incluindo Rohnelt, como registra a foto de destaque da matéria. E com a cúpula do governo o contato é frequente.
O gaúcho radicado na Amazônia se diz “amigo” de Bolsonaro, afirma que “gosta muito dele” e “gostaria de ajudá-lo mais”, porém o presidente prefere ficar com a turma do Planalto que “não sabe porra nenhuma e (Bolsonaro) tá se fodendo por causa disso, em todos os sentidos”.
Negócios na Cabeça do Cachorro e divergências com o sócio
Desde o final dos anos 80 que Elton Rohnelt tem dezenas de requerimentos para exploração mineral em terras indígenas, incluindo a TI Yanomami. Isso causou controvérsia na época da sua relatoria do projeto de lei de Romero Jucá.
O assunto voltou a ser questionado quando Rohnelt assumiu o cargo de assessor direto de Michel Temer, em 2018. Matéria da Folha relatou que Rohnelt, junto com seu sócio Otávio Lacombe, estava assediando comunidades indígenas da TI Alto Rio Negro, na Cabeça do Cachorro, para explorar tantalita, usada na indústria eletrônica.
As investidas incluiriam doações de barco e outros equipamentos, pagamento por amostra de minério e promessas de cesta básica, afirma a reportagem. A justificativa técnica usada seria o Estatuto do Índio de 1973, que permitiria a garimpagem rudimentar. Mas Lacombe também incentiva e assessora a criação de cooperativas indígenas, inclusive com o estatuto já pronto, diz a matéria. É a mesma estratégia usada por empresários ligados a Bolsonaro no Pará, na TI Kayapó, por exemplo.
Segundo Rohnelt, é Lacombe que na época estava “tentando fazer negócios com os índios” e criar cooperativas para mineração, inclusive em outros estados como o Pará. Hoje, os sócios estão separados, diz Rohnelt, que manteve 30% de participação na Gold Amazon / Mineração da Amazônia, “no nome de outras pessoas”, admite. O empreendimento de sociedade começou no início da década de 80 entre Rohnelt e o pai de Otávio Lacombe.
Segundo o presidente emérito do IDM Brasil, Lacombe continua trabalhando da mesma maneira no Alto Rio Negro e na Cabeça do Cachorro. “Meu relacionamento com ele hoje é muito ruim, não nos falamos. Ele foi usando meu nome, entrando, porque não era conhecido (pelos indígenas), e me prejudicou”, alega Rohnelt.
Segundo dados recentes da Agência Nacional de Mineração, 75 requerimentos incidem sobre a TI Alto Rio Negro, sendo 2 da Mineração da Amazônia, ambos dos anos 80, com movimentação em 2019, para explorar prata e ouro.
Na TI Yanomami, a Mineração da Amazônia possui 28 requerimentos, todos de 1988 e a grande maioria com movimentação mais recente de 2001. Ouro, Estanho, Nióbio, Tântalo, Tungstênio e Manganês compõe as substâncias visadas. No geral, a TI Yanomami registra quase 500 requerimentos minerários.
Garimpeiro “herói”, nióbio e “Amazônia abandonada”
De acordo com o empresário, os conflitos que estouram a todo momento na Amazônia, como o caso das centenas de balsas de garimpo ilegal no Rio Madeira, que chamou atenção internacional, tem que ser resolvidos pelo estado brasileiro.
“O garimpeiro não está fora da lei, quem está fora da lei é o estado brasileiro que não legisla, deixa o cara fora da lei pra levar porrada. Se o garimpeiro chegar com o ouro na cidade, é denunciado, a Federal prende, tira o ouro dele. O que ele prefere? Contrabandear”.
Na visão de Rohnelt, quem descobre ouro nos Estados Unidos ou Canadá “vira herói”, e tem auxílio do governo. “Não interessa se é área indígena. Onde for, o governo vai ajudar. Quer o ouro para fortalecer o país. Aqui no Brasil não, prefere que vá tudo pro contrabando”, diz.
Para ele, Bolsonaro está “patinando” e é atrapalhado por “servidores que estão dentro do governo e são contrários ao país, gente infiltrada da esquerda”, incluindo Ibama e Funai, que sabotam a gestão federal, em sua opinião.
De acordo com Rohnelt, “quem defende a Amazônia é o garimpeiro” e o Brasil “deve o seu tamanho ao garimpeiro”. O representante do IDM faz críticas ao vice-presidente Hamilton Mourão, que deveria utilizar o Conselho da Amazônia, que “não fez nada” até agora, para “assumir os problemas” e “levantar quem é quem, garimpo a garimpo, quantas pessoas trabalham, o que produz, se tá em área indígena”, mas não faz porque “dá muito trabalho” e a esquerda atrapalha, acredita.
Segundo o empresário, Jair Bolsonaro fez diversas viagens em sua companhia por volta de 1997, quando ambos eram deputados, especialmente na área da Cabeça do Cachorro, na fronteira com a Colômbia.
O objetivo das visitas, que incluiu São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, cidade com 90% de indígenas, era “conhecer a região e ver a atuação do Exército”.
Bolsonaro conheceu Seis Lagos, na mesma área, considerada a maior reserva de nióbio do planeta. Se vem daí a obsessão de Bolsonaro com o nióbio? Para Rohnelt, Bolsonaro pensa na exportação brasileira.
O mercado, porém, afirma que as reservas conhecidas e em exploração de nióbio hoje no mundo – com destaque para Araxá, em Minas Gerais – são suficientes para os próximos 200 anos.
A mina de Araxá é controlada pela família Moreira Salles, maior acionista do Itaú, em parceria com a Codemig, empresa de capital misto do governo mineiro.