Garimpeiros em sete barcos com armas de diversos calibres atacaram uma aldeia dentro da Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, ontem em Roraima. Os indígenas revidaram com flechas e tiros de espingarda. Ainda não se sabe o número real de feridos e possíveis mortos.
Informações preliminares falavam em 5 feridos, sendo um indígena e quatro garimpeiros. Áudios que circularam em grupos de Whatsapp chegaram a mencionar 8 indígenas mortos, o que foi desmentido pelo líder Dário Yanomami.
Já o presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-Y), Junior Hekurari Yanomami, afirmou que três garimpeiros morreram e um indígena ficou ferido. Os corpos teriam sido levados pelos próprios garimpeiros para acampamentos na região.
Como os relatos e informações são desencontradas e a o caso está em apuração pelas autoridades competentes, como a Polícia Federal, muito ainda precisa ser esclarecido.
A certeza, porém, é que o histórico que levou a este novo ataque tem as digitais do governo federal.
“A invasão de garimpeiros está relacionada ao aumento no preço do ouro. Sempre foi assim. Nós estamos muito preocupados. Se o coronavírus entrar no nosso território, lideranças vão morrer. E o governo brasileiro não se responsabilizará”, foi o que me disse Dário Kopenawa Yanomami, da Hutukara, associação que representa os Yanomami e os Yek’wana, em abril de 2020, no início da pandemia.
Dário estimava em cerca de 25 mil garimpeiros ilegais dentro da TI Yanomami. O povo indígena sempre alertou as autoridades sobre os riscos que um número tão elevado de invasores e tudo que vem a reboque do garimpo podia significar.
Na época, Funai e Ibama afirmaram que as fiscalizações estavam mantidas e as barreiras sanitárias dariam conta da Covid. A PRF e o governo de Roraima não se manifestaram. Na prática, os indígenas sempre estiveram entregues a própria sorte e precisaram se organizar sozinhos para tentar conter as ameaças.
Dário chegou a se reunir com o vice-presidente Hamilton Mourão em julho de 2020 em Brasília. Mesmo minimizando o problema e o número de invasores, Mourão, que é presidente do Conselho da Amazônia e responsável pela Operação Verde Brasil, prometeu combater o garimpo ilegal e expulsar os garimpeiros da TI Yanomami. Dois indígenas haviam sido assassinados por garimpeiros na época.
Nada foi feito.
Em janeiro deste ano, mostrei aqui no Observatório que Hamilton Mourão é amigo de líderes históricos do garimpo, como José Altino Machado, e mantém reuniões frequentes com ele e outros lobistas dos garimpeiros.
José Altino Machado é fundador da União Nacional dos Garimpeiros, atua há décadas em Roraima e é apontado pela Funai justamente como um dos principais responsáveis pela invasão massiva de garimpeiros na TI Yanomami nos anos 80, que levou a um verdadeiro genocídio do povo indígena.
Em outubro de 2020, a Câmara de Boa Vista concedeu a Medalha de Honra ao Mérito Rio Branco e o título de Cidadão Boa-Vistense a José Altino Machado por “seu inestimável trabalho e contribuição em prol da população roraimense”.
O genocídio causado por garimpeiros nos anos 80 tem a participação direta de Romero Jucá, nomeado por Sarney presidente da Funai na época. Jucá, ex-senador, influente em todos os governos desde a redemocratização e que trabalha atualmente como lobista, é também o pai do principal projeto de lei que quer autorizar a exploração mineral em terras indígenas, o que deu origem ao PL 191/2020 de Bolsonaro.
O novo ataque de garimpeiros vem, portanto, não apenas diante de um histórico de massacre aos Yanomami, mas de uma nova onda de invasões que tem a conivência direta do governo federal, informado e alertado sobre a situação, incluindo episódios como o assassinato de indígenas.
Sucateados, paralisados, tomados por militares, com o orçamento reduzido ao mínimo e muitas vezes transformados em órgãos que atuam contra os indígenas e o meio ambiente, Funai e Ibama assistem a tudo.
Pelo menos 10 crianças Yanomami já morreram em decorrência da Covid e a contaminação – subnotificada – está espalhada pelo território. Os indígenas sofrem também com a malária e a desnutrição infantil crônica.
Garimpeiros seriam ligados ao PCC
Segundo apuração do site Amazônia Real, os garimpeiros que atacaram a comunidade de Palimiú ontem seriam membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa de São Paulo que domina o tráfico de drogas em Roraima e já está operando em garimpos ilegais de ouro dentro do território indígena.
Vídeos que circularam no Whatsapp e em redes sociais mostram o momento do ataque. A Amazônia Real compilou os vídeos junto com a reunião e as declarações feitas por Junior Hekurari, presidente do Condisi-Y. Assista:
Um relatório da visita do Condisi-Y foi enviado ao Ministério Público Federal (MPF), à Fundação Nacional do Índio (Funai) e Polícia Federal (PF). No documento, Hekurari pede uma ação por parte dos órgãos, após a situação entre indígenas e garimpeiros se agravar “diante da inércia da União, de seus órgãos e autarquias“.
Este conflito é o terceiro em 15 dias. Indígenas interceptaram uma carga de quase 1000 litros de combustível no fim de abril. Um quadriciclo usado pelos garimpeiros também foi apreendido.
“As lideranças estão indignadas com a continuidade da invasão garimpeira em suas terras e com a violência e ameaça praticada pelos invasores. Temendo que novas retaliações por parte dos garimpeiros resultem em mais conflitos violentos e mortes, os indígenas exigem uma resposta dos órgãos públicos para garantir a segurança das comunidades”, cita trecho de um ofício da Associação Hutukara de 30 abril.
A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas manifestou repúdio ao ataque e pediu apuração dos fatos.
A TI Yanomami é uma de sete terras indígenas à espera de um plano do governo para a retirada de invasores, informa a Apib. O Supremo Tribunal Federal (STF) já deu prazo para que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal apresentem um plano de desintrusão, o que, segundo o ministro Luis Roberto Barroso, já foi apresentado. Completam a lista como terras Karipuna, Uru-EuWau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá.