Capital da FD Gold, de empresário próximo a Mourão, quintuplicou dias antes de denúncia de venda de ouro ilegal

Por Daniel Marques Vieira e Claudia de Jesus*

Na semana passada o empresário Dirceu Frederico Sobrinho ocupou novamente os holofotes ao assumir ser dono de uma carga de 77 quilos de ouro avaliada em R$ 23 milhões apreendida pela Polícia Federal.

A carga era escoltada por dois policiais militares vinculados à Casa Militar do governo paulista, órgão responsável pela segurança pessoal do governador Rodrigo Garcia, que assumiu após a saída de João Dória (PSDB) para disputar a presidência.

Os 77 quilos são da FD Gold, uma das maiores negociadoras de ouro de garimpo do Brasil, controlada por Dirceu Sobrinho, que negou qualquer irregularidade. Segundo o empresário, o ouro apreendido não provém de áreas ilegais.

Não é de hoje, porém, que a FD Gold está envolvida em polêmicas e é acusada de comercializar ouro ilegal. Quem acompanha o Observatório da Mineração conhece bem os negócios de Dirceu Frederico Sobrinho.

Figura frequente em Brasília, Dirceu é próximo ao vice-presidente Hamilton Mourão e da cúpula do governo Bolsonaro. Em agosto de 2021, o Ministério Público Federal acusou da FD Gold de despejar no mercado nacional e internacional 1370 quilos de ouro ilegal somente entre 2019 e 2020.

A origem do ouro está nas cidades de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, no sudoeste do Pará, principal centro de garimpagem ilegal do Brasil e palco de inúmeros conflitos com povos indígenas, em especial os Munduruku.

Checagem inédita do Observatório da Mineração mostra agora que a gigante FD Gold sofreu uma série de alterações societárias e quintuplicou o capital social declarado à Receita Federal poucos dias antes de ser denunciada pelo MPF em 2021.

Em janeiro de 2022, cinco meses após a denúncia, a empresa abriu um Posto de Compra de Ouro justamente na região de onde teria tirado mais de uma tonelada de ouro ilegal.

Além disso, os dois últimos sócios, Dirceu Santos Frederico Sobrinho e Anderson Aparecido Dias, se retiraram da empresa, que passa a ser unipessoal, ou seja, pertencer a apenas um sócio, a holding controlada por eles, a FD Gold Holding Financeira Ltda.

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A holding foi aberta em julho de 2021, conforme documento assinado em 01 de outubro de 2021 e arquivado na Junta Comercial de São Paulo em 27 de dezembro de 2021.  A nova empresa de Dirceu Frederico e Anderson Dias está registrada no mesmo endereço da FD Gold DTVM, na Avenida Paulista, centro financeiro do país.

Apesar de registrada em São Paulo, o centro de interesses da FD Gold DTVM é a região aurífera do Tapajós, no Pará. Além de comprar o ouro produzido na região, a empresa exerce influência política nos municípios a partir de doações de campanha feitas pelo sócio Dirceu Santos Frederico Sobrinho, como mostramos na segunda matéria desta série.

Dirceu em reunião com Hamilton Mourão, o terceiro da esquerda para a direita

Movimentações atípicas ignoradas pelo Banco Central

A FD Gold DTVM é uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, uma empresa que faz intermediação de investidores e títulos no mercado financeiro. Não é um banco, mas é uma empresa regulada pelo Banco Central e, por isso, precisa publicar suas demonstrações contábeis e ter programas robustos de governança. Contudo, os dados de alterações contratuais mostram fragilidades ignoradas pelo Banco Central.

Em 11 de maio de 2021 a FD Gold DTVM submeteu ao Banco Central um comunicado de intenção de aumento de capital, documento aprovado pela instituição em 20 de julho. O aumento de capital faz parte de uma série de movimentos atípicos feitos pela empresa. Toda a movimentação está registrada na Junta Comercial do Estado de São Paulo.

A primeira alteração no contrato foi a retirada da sócia Sarah Janaína Almeida Frederico Westphal, que vendeu ao pai, Dirceu Santos Frederico Sobrinho, a única quota que tinha na empresa, pelo valor de um real.

Embora tenha vendido sua cota em 11 de maio de 2021, a alteração contratual foi registrada na Junta Comercial somente em 06 de agosto de 2021. Sarah, na condição de sócia minoritária, recebeu como distribuição de lucro, R$ 4 milhões. Já o sócio majoritário, Dirceu Frederico, recebeu R$ 1 milhão.

Sarah se retirou da FD Gold DTVM, mas continua a atuar no negócio do ouro. É sócia do pai na empresa D’Gold Purificação de Metal Precioso Ltda e também consta como sócia da Marsam Refinadora de Metais Ltda, empresa que Dirceu Frederico foi sócio até 27 de julho de 2021.

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A segunda alteração no contrato da FD Gold foi a venda de quotas que o então único dono da empresa, Dirceu Frederico, fez a um novo sócio, Anderson Aparecido Dias. Dirceu Frederico vendeu 20 mil quotas a Anderson Dias pelo valor de R$ 20 mil.

Após as mudanças no quadro societário, foi procedida a terceira alteração — todas no mesmo documento, na mesma Alteração Contratual — os sócios procederam o aumento do capital social, de R$ 4 milhões para R$ 20 milhões. Para isso a empresa emitiu 16 milhões de novas quotas, cada uma valendo um real.

Anderson, que ingressou na sociedade com R$ 20 mil, recebeu novas cotas e, imediatamente viu o valor de sua participação na empresa ser multiplicada por cinco, passando para R$ 100 mil.

Consta no documento que o aumento do capital social se deu mediante a incorporação do saldo da conta Reservas Especiais de Lucros dos exercícios anteriores, apresentada no Balanço Patrimonial de dezembro de 2020; ou seja, são parte dos lucros gerados e que não foram divididos entre os sócios.

Carga de 77 quilos de ouro da FD Gold apreendida pela PF semana passada

“Cegueira deliberada”

A denúncia do MPF traz à tona um dos principais elementos que podem ter levado a FD Gold DTVM ao envolvimento com o garimpo ilegal: a falta de um sistema de compliance efetivo.

Em novembro de 2021, a empresa apresentou um documento na Junta Comercial de São Paulo em que define quem são os diretores, por área de atuação. Não há a indicação de quem é o Compliance Officer da empresa. No documento, consta que a área de Segurança Cibernética, por exemplo, é de responsabilidade de Anderson Dias. Não há, no entanto, o mapeamento de risco informando as salvaguardas e quais as ações adotadas para mitigar os riscos, ações necessárias em qualquer programa de compliance.

Outro exemplo é a Ouvidoria, de responsabilidade de Dirceu Frederico, segundo o documento. Ou seja, o próprio sócio da empresa é o responsável por receber as possíveis denúncias de irregularidades, situação que pode configurar conflito de interesse.

Em ata de reunião da diretoria de 06 de dezembro de 2021, a empresa nomeou Carolina Cândido de Jesus como ouvidora, no entanto, manteve perante o Bacen a informação de que o responsável pela área da Ouvidoria é Dirceu Frederico.

Segundo o MPF, o dano socioambiental causado pela FD Gold na Amazônia ficou em 9 mil hectares de desmatamento, despejo de mercúrio nos rios e o comprometimento da saúde de um enorme contingente de pessoas que, no total, chegou a R$ 1,7 bilhão, disse o Ministério Público na ação de agosto de 2021.

Um dos pedidos do MPF na denúncia é a condenação da FD Gold DTVM para a prevenção de danos ambientais e socioambientais futuros. O MPF pede que sejam implementados sistemas preventivos de compliance.

Em seu site, a FD Gold DTVM informa que a empresa possui área de governança, mas, para o MPF, a publicação dos manuais não se traduziu em ações efetivas de prevenção a irregularidades.

De acordo com a denúncia, a lei obriga que o comprador de ouro exija e registre o CPF ou CNPJ do vendedor, além do registro em entidade comercial e o título de lavra que comprove de onde veio o ouro. Assim, lembra o MPF, bastaria uma rápida consulta online para identificar ouro retirado irregularmente.

A decisão de não realizar esse processo de checagem para prevenir ilegalidades é classificada pelos procuradores como uma postura de “cegueira deliberada”.

Vale destacar que, justamente para evitar situações como essa, as instituições financeiras são obrigadas por lei a identificar clientes, manter cadastros atualizados e registros de transações. Assim, seria possível detectar e comunicar operações com indícios de lavagem.

Ex-candidato pelo PSDB, Dirceu domina a cadeia do ouro

Dirceu Frederico Sobrinho tem empresas que vão desde o garimpo até a exportação do ouro, passando pela revenda, fundição e refino. Seu histórico mostra uma presença efetiva em toda a cadeia do ouro brasileiro, cujo descontrole é total.

Dirceu esteve em pelo menos duas reuniões com o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), uma em 2019 e outra em janeiro de 2021. Além disso, se reuniu com Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia (MME), Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e com diversas figuras do MME e da Agência Nacional de Mineração (ANM), entre outros.

Dirceu Frederico Sobrinho / LinkedIn

Também fez carreira na política de Itaituba e em 2018, foi candidato a 1° suplente do ex-senador Flexa Ribeiro (PSDB). Flexa, que tenta novamente se eleger pelo Pará, agora é consultor da Associação Nacional do Ouro (Anoro), que concentra várias empresas de Dirceu e outras gigantes do setor.

Investigação da Repórter Brasil com a participação do Observatório de outubro de 2021 mostrou que a maior exportadora de ouro do garimpo – a BP Trading, com receita anual de R$ 1,4 bi – compra o metal da FD Gold. Ambas são associadas da Anoro.

No início de abril de 2022, FD Gold e BP Trading anunciaram em nota que “encerram a parceria comercial para venda de ouro ativo financeiro no varejo que era operada sob a marca Reserva Metais. A decisão foi de comum acordo entre as partes e visa manter os alinhamentos com as estratégias comerciais individuais de ambas as empresas”.

As duas empresas, no entanto, afirmaram que “seguem parceiras em outros segmentos do mercado de ouro ativo financeiro, como já é feito desde 2015”.

Em seu próprio LinkedIn, Dirceu Frederico Sobrinho afirma que sua atuação no mercado de ouro começou em 1986 e que “é um dos poucos brasileiros que trabalhou em todas as etapas da cadeia produtiva do setor de ouro, desde a compra nas remotas regiões produtoras, o beneficiamento e a posterior comercialização do ouro como ativo financeiro para investidores, clientes industriais e demais instituições financeiras do Sistema Financeiro Nacional”.

Assessoria da FD Gold, procurada durante meses, não respondeu

A assessoria de imprensa da FD Gold foi procurada por email e telefone durante meses pela reportagem.

Os questionamentos detalhados foram enviados por e-mail e a assessoria acusou recebimento tanto por email quanto por Whatsapp, mas não voltou a responder ao Observatório da Mineração, mesmo com novas tentativas de contato.

O espaço segue aberto para a manifestação da FD Gold, de Dirceu Frederico Sobrinho e seus sócios.

O Banco Central também foi questionado sobre a fiscalização exercida sobre a FD Gold, mas não respondeu.

Ouro dispara na pandemia e ilegalidade no Brasil ainda é subestimada

A FD Gold passou de um prejuízo de R$ 934 mil em 2018 para um lucro de R$ 32 milhões em 2020. Desde o início da pandemia em março de 2020 a cotação do ouro segue em disparada e em patamares históricos elevadíssimos.

A maior cotação foi atingida em agosto de 2020, chegando a $ 2.072 dólares por onça-troy, a medida utilizada no mercado que representa cerca de 31 gramas.

Hoje a cotação se mantém regularmente acima de $ 1900 dólares e a tendência é de alta com o agravamento da ação militar russa na Ucrânia.

Na nota explicativa da administração às demonstrações contábeis, a FD Gold atribui esse resultado ao aumento dos negócios pelo fato de possuir logística e aeronaves próprias.

Um estudo de fevereiro de 2022 do Instituto Escolhas mostrou que apenas de 2015 a 2020 o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade. Isso representa quase metade do total de 487 toneladas exportadas, em números ainda subestimados.

A análise foi feita a partir de mais de 40 mil registros de comercialização de ouro, dados da Agência Nacional de Mineração, do Ministério da Economia, da Receita Federal e imagens de extração do Mapbiomas.

AUTORES

*Daniel Marques Vieira é jornalista brasiliense formado pela Universidade de Brasília (UnB). Tem passagem como repórter pelo Correio Braziliense, Rádio CBN e Brasil61.com. Cobre política e economia.

*Claudia de Jesus é advogada desde 1993, especialista em Administração de Serviços e Direito Penal. Entrou no jornalismo através da pós-graduação em Jornalismo Investigativo pelo IDP/Brasília. É consultora de pesquisas de background check desde 2001 e membro da Comissão Anticorrupção e Compliance OAB/Pinheiros (SP). É colaboradora em matérias investigativas no portal Metrópoles.

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