Visita de Lula a Biden deve incluir ajustes na parceria Brasil-EUA para minerais críticos

Por Matheus Ferreira*, para o Observatório da Mineração

Edição: Maurício Angelo

Primeira visita oficial do presidente Luís Inácio Lula da Silva ao presidente americano Joe Biden, nesta sexta (10), terá a agenda climática e ambiental no centro das conversas.

Na mineração, ao mesmo tempo em que Lula usará a ação coordenada do governo para acabar com o garimpo na terra indígena Yanomami como um cartão de visitas para garantir novos recursos, outro tema importante que deve entrar em pauta será o de minerais críticos.

Considerados fundamentais para a transição energética, estes minerais – como níquel, cobre, lítio, cobalto e outros – passam por uma explosão de demanda internacional que está levando a uma corrida para garantir o abastecimento.

E quem fornecerá esses minerais é o Sul Global, com destaque para o Brasil.

Em 2020, o governo de Jair Bolsonaro estabeleceu uma parceria com os EUA para discutir minerais críticos, como revelou o Observatório da Mineração. A criação do GT envolveu troca de afagos e até uma homenagem ao embaixador americano no Brasil na época, Todd Chapman. Mineração em terras indígenas, em faixas de fronteira e a desregulamentação do setor entraram no pacote.

Desde então, o grupo de trabalho troca informações sobre as cadeias produtivas do setor e as tecnologias para extrair esses minérios, considerados essenciais à nova economia dos dois países.

Com Lula (PT), ajustes na política mineral vão permear os desdobramentos da colaboração, embora economicamente estes minerais seguirão recebendo estímulos.

A administração petista adiantou no relatório do governo de transição que práticas para agilizar licenças ambientais, como é o caso do programa bolsonarista Pró-Minerais Estratégicos, devem perder espaço. A política, na visão do novo governo, transgride de forma velada normas ambientais a pretexto de expandir o setor.

“É necessário incentivar o desenvolvimento do conhecimento geológico e da mineração, tendo claro, porém, o potencial para geração de conflitos na área de mineração, pelos seus impactos ambientais e sobre os valores culturais e modos de vida próprios das populações de regiões onde estão ou devem se instalar grandes empreendimentos”, diz o relatório.

O governo também deve rever políticas que privilegiam apenas a exportação de minerais. No caso do lítio, usado em baterias para dispositivos elétricos, o governo Bolsonaro acabou com as cotas de destinação do mineral ao mercado externo, intensificando a operação. O governo anterior também cortou as contrapartidas de investimento no país para quem explora o minério.

Na toada da sustentabilidade e desenvolvimentismo, porém, o novo Ministério de Minas e Energia (MME) sinalizou que vai fortalecer a produção doméstica desses minerais. A pasta quer aumentar a oferta de matéria-prima usada em equipamentos para transição energética.

Um recente relatório da BloombergNEF calcula que a demanda por materiais com aplicação em fontes de energia renováveis vai quintuplicar até 2050. O abastecimento será um dos desafios. Segundo o relatório, a mineração responsável deve ser um dos pilares da transição energética, mas, pelo suprimento desses materiais ser concentrado em poucos países, há riscos para acessá-los.

Como os EUA também caminham para uma transição verde com Joe Biden, por meio de políticas que incentivam a descarbonização do sistema elétrico, existe uma confluência nas futuras discussões do grupo de trabalho EUA-Brasil. O papel que o Brasil quer desempenhar agora na cadeia global de minérios, porém, será um dos desafios.

Foto de destaque: Presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversa com o então primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, a então presidente chilena, Michelle Bachelet, o então vice-presidente americano, Joe Biden, e a então presidente argentina, Cristina Kirchner, durante a Cúpula de Líderes Progressistas em Viña del Mar, no Chile. Foto: Martin Bernetti/AFP/Getty Images

Minerais essenciais estão na política de estado dos dois países

Anunciado pela embaixada dos EUA no Brasil, a colaboração foi selada em uma reunião por representantes do governo federal dos dois países. Francis Fannon, secretário adjunto de Recursos Energéticos, representou os americanos. Do lado brasileiro, colaboraram Bruno Eustáquio de Carvalho, ex-secretário-executivo do MME, e Alexandre Vidigal, da secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral da pasta.

Os dois países têm diretrizes para o setor que prezam pela criação de grupos de trabalhos para estudar minerais críticos. Nos EUA, a colaboração é um desdobramento da Iniciativa para Capacitação e Governança em Energia, programa do governo estadunidense gerido pelo Departamento de Estado.

Bolsonaro em encontro com Biden. Foto: Kevin Lamarque/Reuters

Divulgada como política de assistência técnica e capacitação para os países parceiros, o programa proporciona trocas de experiências entre agências do governo, universidades e setor privado americano. Segundo a embaixada dos EUA, o intuito do grupo de trabalho com o Brasil é avançar na cooperação bilateral em minerais essenciais para segurança, prosperidade e desenvolvimento sustentável de ambos os países.

No Brasil, quem toca a parceria são membros da secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, do Serviço Geológico do Brasil e da Agência Nacional de Mineração (ANM). A criação de grupos de trabalho para minerais críticos também está prevista no Plano Nacional de Mineração brasileiro, aprovado em 2011.

O Observatório da Mineração não aceita anúncios de mineradoras, lobistas e políticos. Por isso, precisa dos leitores para continuar a investigar o que o setor mineral não quer que a sociedade saiba e oferecer acesso gratuito às matérias. Faça uma doação recorrente no PayPal ou colabore via PIX com o valor que desejar no email apoie@observatoriodamineracao.com.br

Treinamentos e cursos, no escopo do GT, buscam a expansão de minerais críticos

Segundo o MME, em informações obtidas pelo Observatório da Mineração via Lei de Acesso à Informação (LAI), as atividades do grupo abordaram a segurança no abastecimento de minerais críticos em ambos os países, além da necessidade de inovação tecnológica ao longo das cadeias de suprimentos desses minerais.

Em abril de 2022, a empresa americana Deloitte, que trabalha com consultoria de riscos, ofereceu um treinamento para 30 servidores do governo brasileiro sobre gestão de rejeitos de mineração e fechamento de minas.

No próprio material do treinamento, havia menção aos desastres ambientais relativos a rejeitos minerais que aconteceram no Brasil, como os de Mariana e Brumadinho. Segundo a Deloitte, o intuito foi buscar soluções “mais amigáveis ao meio ambiente”.

Além do treinamento, o grupo de trabalho promoveu em julho de 2022 um curso presencial na Universidade de Nevada, em Reno, nos EUA. Os temas abordaram gestão ambiental, gerenciamento de dados e normas de segurança. No final, os brasileiros visitaram uma mina de prata e ouro da empresa Coeur.

Em outubro de 2022, a parceria ainda promoveu um curso sobre modelos financeiros para projetos de mineração.

Até o momento, nenhum documento técnico ou novos acordos bilaterais decorreram do grupo de trabalho. Um relatório elaborado pela Deloitte foi apresentado ao MME sobre a competitividade do Brasil no mercado global de minérios, mas o laudo não foi publicado.

Em novembro de 2022, Biden direcionou US $30 milhões para plantas de processamento de dois minerais críticos no Piauí: cobalto e níquel. O investimento faz parte da estratégia americana de diminuir sua dependência da China, mas, segundo o MME, o dinheiro não tem relação com as atividades do grupo de trabalho Brasil-EUA.

Brasil e EUA definem de forma diferente minerais críticos

Mesmo parceiros, Brasil e EUA aplicam definições próprias sobre minerais críticos. “As diferenças giram em torno das metodologias de classificação, que variam segundo os níveis de preocupação com os riscos associados à aquisição e de importância econômica”, explicou Fernando Castro, pesquisador do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Castro publicou com outros pesquisadores o estudo “Minerais Estratégicos e Críticos: Uma Visão Internacional e da Política Mineral Brasileira“, nos cadernos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2022.

A pesquisa compila a lista de minerais estratégicos do Brasil, que foi divulgada pela Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do MME em 2021. Os materiais estão divididos em três categorias, de acordo com parâmetros geológicos, de oferta e demanda, lucratividade e importância para o desenvolvimento sustentável.

A primeira categoria envolve minerais que suprem setores vitais para a economia, como enxofre, fosfato, potássio e molibdênio, associados à indústria química e à agricultura. Com o início da Guerra da Ucrânia, o governo brasileiro demonstrou preocupação com a cadeia de importação de potássio e fosfato, materiais utilizados em fertilizantes e exportados em grande escala pela Rússia.

Bolsonaro tentou usar a dependência estrangeira de fertilizantes como pretexto para aprovar o projeto de lei que autoriza mineração em terras indígenas.

A segunda categoria da lista envolve minerais associados a produtos de tecnologia, como cobalto, cobre, lítio, terras raras e urânio. São materiais usados na fabricação de baterias renováveis, chips de navegação e energia nuclear, os quais devem receber atenção na proposta ao setor apresentada pelo ministro do MME Alexandre Silveira de Oliveira (PSD).

Segundo Castro, do CETEM, esses minérios são considerados “portadores de futuro” pelo papel que desempenham tanto na transição energética quanto na criação de inovações.

A terceira categoria da lista do MME inclui minerais nos quais o Brasil já detém “vantagem competitiva” como alumínio, cobre, ferro, grafita, ouro, manganês e nióbio.

Os EUA definem minerais críticos ao analisar sua aplicação para a segurança econômica e nacional. Mas, diferente do Brasil, os americanos já têm cadeias produtivas de mineração instaladas e mais avançadas, afirmou Castro.

A lista de minerais críticos, publicada pela Agência Geológica dos EUA, relaciona tanto a matéria-prima quanto sua aplicação em diferentes setores. Os minerais ainda são associados aos produtos gerados e aos países que detêm a maior produção do material.

Para o pesquisador do CETEM, ao entender as vulnerabilidades no mercado global, os americanos estabelecem estratégias para garantir o suprimento contínuo desses minerais, o que envolve grupos de trabalho como o do Brasil. “Essas parcerias são comuns porque muitos países detêm os recursos, enquanto outros contam com mecanismos de produção”, disse Castro.

O Brasil poderia se beneficiar desta parceria, de acordo com o pesquisador, ao identificar novas reservas, trocar conhecimento ou até estimular a inovação e a indústria extrativista do país. Mas, por haver diferenças entre os interesses devido às características dos dois países, o Brasil pode ter dificuldades em assumir um papel que não seja só de exportador.

Minerais estratégicos e o papel do Brasil no mundo

As listas de minerais estratégicos são dinâmicas, explica Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. Por exemplo, terras raras não eram consideradas críticas há alguns anos, mas agora, por sua aplicação em produtos de tecnologia, estão enquadradas na definição. 

Como Brasil e EUA têm definições diferentes, na parceria os países devem discutir apenas minerais estratégicos para os dois. “O Brasil considera o ferro como estratégico, mas o mineral não tem criticidade no mundo devido sua abundância”, afirmou Milanez. “Não imagino os EUA financiando ferro no grupo de trabalho”.

Segundo o professor, o Brasil sofre pressões tanto dos EUA quanto da Europa para fornecer minerais críticos. Os blocos desenvolvidos querem ou facilitar a entrada de mineradoras no Brasil ou abastecer de minerais das suas indústrias. “Eles não têm como objetivo desenvolver o beneficiamento de minerais no Brasil”, disse Milanez.

Isso deixa o Brasil em uma posição ruim tanto global quanto internamente. “Ser exportador de minérios é péssimo em todos os aspectos, seja social ou ambiental”, afirmou o professor. “Se olharmos para as regiões do Brasil, onde há mineração, não há progresso, não há melhoria da qualidade de vida”, criticou ele. “O modelo é péssimo”.

Segundo Milanez, o tema divide também os progressistas. No caso do lítio, por exemplo, um grupo defende que o Brasil explore minas, beneficie o material e exporte bens com valor agregado, como baterias. A posição é criticada por ambientalistas, que veem na extração mineral uma atividade altamente destrutiva.

“Temos de desconstruir a ideia de que nossos minérios, como matéria-prima ou bem final, são para abastecer o mundo”, afirmou o professor. O ideal, segundo Milanez, seria retirar apenas o que for necessário para fazer do Brasil uma sociedade menos intensiva em energia e minero-dependente.

“O Brasil precisa caminhar para depender menos desses minérios”, concluiu o professor.

Parcerias como as feitas pela Tesla de Elon Musk e a Vale, que explora níquel em Carajás, no Pará, entram nesse contexto. A mineradora brasileira está apostando alto na sua divisão de “Metais Básicos” e outra montadora, a General Motors, está disposta a investir na Vale.

Minerais usados em carros elétricos comparados ao uso em carros convencionais. Fonte: Agência Internacional de Energia.

Geopolítica da mineração

Parcerias de mineração que os EUA estabelecem com outros países podem ser entendidas ao olhar como a administração democrata tem tratado o setor, explicou Fábio Pereira de Andrade, professor de Relações Internacionais da ESPM.

Para Andrade, o governo de Biden vê a mineração como uma área com externalidades negativas que afetam a economia, o meio ambiente e a sociedade. Ao diminuir esses impactos, segundo o professor, Biden quer tornar a atividade mais sustentável, posição presente na política externa do país.

O professor da ESPM afirmou que há pontos positivos na parceria entre Brasil e EUA sobre minerais críticos. Um dos principais se resume a possibilidades de reduzir conflitos na mineração e comércio entre os países, que inclui atividades sensíveis como produção de microchips a partir de minerais mais raros.

“O Brasil vai ter que promover uma mudança”, disse Andrade. “Seja na forma de extração para diminuir situações como a que vimos em Brumadinho, seja na possibilidade de trabalhar com minérios mais alinhados à produção de tecnologia de ponta”.

Na geopolítica da mineração, as relações entre Brasil, Estados Unidos, China, Canadá e União Europeia serão fundamentais para montar o xadrez de minerais críticos. Países africanos como o Congo, grande fornecedor de cobalto para a indústria de carros elétricos, entram no jogo e a posição do Brasil nas relações Sul-Sul, que recebeu grande importância em governos anteriores do PT, é algo a se observar.

Na visão do pesquisador, o país deve mudar suas práticas para diminuir os efeitos negativos às comunidades locais e ao meio ambiente sob pena de sofrer sanções ou perder fundos de investimento no setor.

Ao mesmo tempo, a parceria com os EUA pode ter aspectos negativos. “A cooperação pode aprisionar o Brasil a um elo da cadeia global de valor que gera menos vínculos com outros parceiros e, por isso, ter um potencial de menor valor agregado”, afirmou Andrade.

A posição dos brasileiros no mercado global de minérios, segundo o professor, pode ser revista no governo Lula, principalmente pelo destaque que seu vice Geraldo Alckmin tem desempenhado na pasta da Indústria. Na posse, Lula reforçou a complexidade econômica do país e a necessidade de reindustrialização.

“Esse novo papel do Brasil deve criar um desafio para o Grupo de Trabalho de minerais críticos”, disse o professor.

*Matheus Ferreira é jornalista e mestre em comunicação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi editor da Amazônia Latitude e repórter da Folha de S. Paulo.

AJUDE A MANTER O OBSERVATÓRIO

O Observatório da Mineração precisa do apoio dos nossos leitores com o objetivo de seguir atuando para que o neoextrativismo em curso não comprometa uma transição energética justa.

É possível apoiar de duas formas. No PayPal, faça uma assinatura recorrente: você contribui todo mês com um valor definido no seu cartão de crédito ou débito. É a melhor forma de apoiar o Observatório da Mineração. Aceitamos ainda uma contribuição no valor que desejar via PIX, para o email: apoie@observatoriodamineracao.com.br (conta da Associação Reverbera).

Siga o site nas redes sociais (Twitter, Youtube, Instagram, Facebook e LinkedIn) e compartilhe o conteúdo com os seus amigos!

E buscamos novos parceiros e financiadores, desde que alinhados com o nosso propósito, histórico e perfil. Leia mais sobre o impacto alcançado até hoje pelo Observatório, as aulas que ministramos e entre em contato.

Sobre o autor