OPINIÃO: A mineração deve assumir suas responsabilidades com as mulheres e as comunidades das quais depende para obter lucros

Artigo de opinião de Riska Koopman, da Global Alliance for Tax Justice, para o Observatório da Mineração*

Foto de destaque por Júlia Pontés: Dona Teresa trabalha na mineração por décadas em Minas Gerais e vive em área que seria afetada em caso de rompimento de barragem da Vale, em Ouro Preto

No mês em que se celebra o Dia Internacional das Mulheres na Mineração, Riska Koopman (Global Alliance for Tax Justice) ressalta como a mineração deveria contribuir para promover a igualdade de gênero e combater a pobreza

Em junho, o Dia Internacional das Mulheres na Mineração nos convidou a refletir e comemorar os avanços das mulheres na mineração. Elas foram excluídas da história da mineração e chegaram até mesmo a ter sua contratação proibida para trabalhos subterrâneos em minas durante algum tempo após a adoção da Convenção 45 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1935.

Embora hoje as mulheres estejam legalmente autorizadas a trabalhar no subsolo, conforme os países gradualmente revogaram leis discriminatórias em relação a gênero, ainda há diversas barreiras que as impedem de se beneficiarem plenamente da atividade mineira.

Como uma mulher do Sul Global, esperava que os debates sobre este Dia Internacional das Mulheres na Mineração não só enriquecessem a nossa compreensão das diferentes experiências das mulheres neste setor em todo o mundo, mas também revelassem como a indústria tem contribuído para aumentar as desigualdades, especialmente num momento de superlucros.

No Sul Global, as mulheres da indústria mineira estão sobrerrepresentadas na informalidade. Sociólogos e acadêmicos feministas, como Benya e Bradshaw, argumentam que as mulheres continuam a ceder o seu trabalho reprodutivo às empresas multinacionais, ao mesmo tempo em que absorvem as externalidades negativas associadas aos projetos mineiros, como o aumento da violência relacionada ao gênero, a destruição ambiental e a desagregação familiar.

De acordo com o Banco Mundial, os multiplicadores econômicos ligados à atividade mineira são significativos, e seus benefícios vão além do setor, criando repercussões positivas – como empregos e receitas públicas – que podem apoiar outros setores da economia. No entanto, estas repercussões positivas são limitadas a poucas pessoas: apenas a elite política e econômica se beneficiam delas, sugere a literatura sobre o tema. Tal como Lahiri-Dutt e Mahy identificam, os “vencedores dos projetos mineiros” têm sido aqueles com mais acesso à educação ou poder econômico, o que lhes permite sair à frente na disputa.

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Foto: mulheres e crianças afetadas pela mina de carvão da Vale em Moçambique. O projeto, acusado de violar diversos direitos das comunidades, foi vendido para a Vulcan Minerals, parte do grupo indiano Jindal, no fim de 2021.

É importante contextualizar o papel das mulheres na indústria extrativa no Sul Global. Além de constituírem uma porcentagem desproporcional dos trabalhadores informais, como demonstra a ONU Mulheres, as mulheres são gravemente afetadas pela disparidade salarial. Na África do Sul, essa desigualdade levou a um confronto mortal conhecido como o Massacre de Marikana. Também já se constatou que o salário de um(a) trabalhador(a) da mineração sustenta até oito dependentes. Estudos realizados por Benya e Ndibongo mostram que as mulheres que vivem fora das dependências das minas desempenham um papel fundamental na manutenção da atividade mineira, mas geralmente não são reconhecidas por isso. Portanto, iniciativas que pretendem “melhorar a vida das pessoas”, como afirmou a diretora executiva da Kumba Iron Ore, Mpumi Zikalala, precisam abordar questões sistêmicas fundamentais como as disparidades de remuneração.

As empresas de mineração frequentemente fazem promessas grandiosas de desenvolvimento econômico, acesso à educação e cuidados de saúde. No entanto, a nível mundial, tais promessas não têm sido cumpridas. Pelo contrário, as empresas deixam as comunidades doentes, sem emprego e frustradas. As consequências negativas da exploração mineira acabam absorvidas pelas mulheres, que se tornam os amortecedores graças às normas sociais e de gênero.

O que faltou neste Dia Internacional das Mulheres na Mineração foram conversas sobre o papel da igualdade salarial e da tributação progressiva como instrumentos para promover a igualdade e a justiça. O setor da mineração é um dos mais opacos, conhecido pela corrupção e por ocultar sua responsabilidade financeira. Os patrões e os acionistas do setor mineiro obtiveram grandes lucros e bônus naquilo que foi apelidado de “renascimento do carvão”, enquanto os benefícios para os trabalhadores foram quase nulos.

A atividade mineira pode contribuir para promover a igualdade de gênero e diminuir a pobreza nos países onde opera. No entanto, isso não será possível sem que se ponha fim à evasão fiscal e a outros fluxos financeiros ilícitos. Tais crimes impedem que as mulheres das comunidades mineiras obtenham quaisquer benefícios pelo seu trabalho não remunerado, que é fundamental e deveria ser reconhecido. Além disso, corroem a capacidade do Estado de arrecadar recursos para financiar as necessidades cada vez maiores de despesa pública.

A eliminação dessas fugas fiscais e o pagamento de salários justos e dignos a todos os trabalhadores beneficiariam as mulheres para além dos portões das minas. Já é tempo de as empresas mineiras pararem de fugir de suas responsabilidades para com as mulheres e as comunidades mineiras das quais dependem para extrair seus lucros.

*Riska Koopman é coordenadora de incidência e campanhas da Global Alliance for Tax Justice (GATJ). Ativista feminista interseccional pan-africana, Riska se interessa em aplicar uma lente de gênero a questões de desenvolvimento no Sul Global. Ela adquiriu amplo conhecimento e experiência trabalhando no setor não governamental internacional, e tem mais de 6 anos de experiência na construção de conhecimento e formação de ativistas e movimentos da sociedade civil na África Subsaariana, principalmente com foco na agenda de justiça econômica e fiscal.

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