Criança morre em explosão de mina em área de assentamento feito pela Vale em Moçambique

Uma criança morreu, outra teve uma perna amputada e outras três ficaram gravemente feridas em um acidente com mina terrestre dentro da área de assentamento feito pela Vale em Moçambique no fim de novembro.

A mineradora opera uma das maiores minas de carvão do mundo no país africano desde 2011. A concessão foi obtida em 2004 e para viabilizar o projeto a Vale expulsou 1365 famílias de suas casas.

As crianças brincavam próximas à roça do seu avô, no distrito de Moatize, quando a mina explodiu. O acidente prova que o assentamento feito pela Vale não cumpriu os requisitos mínimos de segurança e não teve uma checagem minuciosa do terreno entregue às famílias. A mina terrestre é herança da guerra vivida pelo país até 1992.

A explosão matou imediatamente Marcelo Santos, de 12 anos, causou a amputação da perna de sua irmã e uma contusão perfurante nas costelas de uma terceira criança. Outras duas tiveram assistência e receberam alta do hospital no dia do acidente. Todas eram da mesma família.

Eu enviei 4 questões à Vale: 1) Por que a área em que as famílias foram assentadas não teve checagem detalhada com a retirada de minas terrestres? 2) Que assistência a Vale está dando para a família das crianças? 3) Se a mineradora pretende fazer ampla vistoria no local para evitar que outras minas explodam e 4) sobre as outras queixas relatadas pela comunidade – como casas impróprias, falta de água, terras pouco férteis, distância do centro comercial e acordos ignorados – como a Vale se manifesta.

Em resposta enviada nesta segunda-feira a mineradora disse que “a Vale lamenta profundamente o ocorrido na comunidade de Cateme, no distrito de Moatize. As circunstâncias do acidente ainda estão sendo apuradas pelas autoridades. A Vale presta solidariedade e vai dar apoio às famílias. A empresa também está em contato com a administradora distrital para buscar formas de apoiar a comunidade”.

A gravidade do ocorrido revela um descaso crônico da mineradora que há muito é denunciado pelas famílias afetadas. A resposta da Vale também não aborda se e como a mineradora está atuando para evitar episódios semelhantes no futuro.

“Prioridade máxima para a vida”

Enquanto crianças morrem e são amputadas em áreas de assentamentos precários feitos pela Vale em Moçambique, a mineradora – assim como no Brasil – tem aproveitado a pandemia de coronavírus para divulgar o seu “comprometimento com a comunidade”.

Em notícia divulgada em outubro, a Vale celebra o “reconhecimento pelo trabalho que tem feito na luta contra o coronavírus” com o objetivo de “garantir a segurança e o bem-estar dos seus trabalhadores, dos parceiros de negócio e da sociedade civil em geral”. Segundo a nota, a Vale “tem como prioridade máxima a vida” e segue todos os procedimentos recomendados pela Organização Mundial de Saúde.

O texto evidencia a proximidade da Vale com o governo moçambicano e o enorme poder econômico que a mineradora exerce sobre o país, tornando pouco provável que seja investigada por acontecimentos como a morte da criança e também cobrada em oferecer às famílias um reassentamento justo e digno em função de acordos assumidos e não cumpridos no passado.

“A administração da empresa tomou decisões para proteger o emprego e não houve redução de mão-de-obra”, destacou Max Tonela, Ministro de Recursos Naturais e Energia, que lembrou ainda o fato de o “carvão ser o principal produto de exportação em Moçambique”. Segundo a nota, Tonela “enalteceu o papel da empresa no desenvolvimento econômico da região e do país”.

Leis não cumpridas

Segundo o “Regulamento para o Processo de Reassentamento decorrente de Actividades Económicas” de Moçambique (Decreto Nº 31/2012, de 8 de Agosto) a Vale deveria entregar as novas terras para os proprietários já desmatadas e aradas.

Sendo responsável pelo desenvolvimento e implementação do plano de reassentamento, no entanto, a Vale precisa da aprovação do governo distrital de Moatize. As pessoas afetadas pela exploração de carvão deveriam receber treinamento adequado e assistência técnica.

De acordo com a Lei de Minas do país, de 2014, a Vale tem a obrigação de indenizar as famílias de forma justa e transparente, firmando um compromisso que tem a participação do governo federal de Moçambique.

António Zacarias, jornalista moçambicano que trabalha para a Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades (AAAJC), lembra que o governo federal de Moçambique deveria assegurar melhores condições no acordo em benefício da comunidade, incluindo o pagamento de indenização justa.

Para Zacarias, as comunidades reassentadas estão entregues à própria sorte. O fato de que as terras não foram limpas de minas terrestres evidencia as injustiças no processo de assentamento, lembra o jornalista.

Um memorando assinado pela Vale em 2012 com o governo da Província de Tete afirma que as famílias têm o direito de acesso à terra produtiva, à habitação condigna e à alimentação adequada.

“Muitas dessas famílias foram realocadas em terras pouco férteis, com pouco acesso à água, cobertas ainda por matas e distantes dos distritos urbanos e dos mercados em que comercializavam suas produções. Após o trágico acontecimento e tendo em vista a já sabida existência de minas terrestres deixadas para trás por militares e guerrilheiros nas áreas rurais de Moçambique, percebemos que a mineradora não se deu ao trabalho de nem ao menos desminar os terrenos em que criou os reassentamentos, colocando essas famílias em permanente risco de perderem sua vida ou serem mutiladas”, diz a nota da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale.

As casas entregues pela mineradora para as famílias também são de má qualidade, apresentam rachaduras, não tem fundações ou vigas e estão cheias de infiltrações de água.

Mapa: Human Rights Watch. Foto de destaque da matéria: Alexandre Campbell / Agência Pública

11 milhões de toneladas de carvão por ano

Atualmente, a Vale produz cerca de 11 milhões de toneladas de carvão por ano na mina de Moatize, localizada na província de Tete. A expectativa da empresa, no entanto, é expandir essa capacidade para o dobro, 22 milhões de toneladas anuais.

Para exportar o minério, a Vale construiu parte de uma ferrovia de 912 quilômetros de extensão e um porto. O projeto representa o maior investimento de uma empresa brasileira na África, estimado em US$ 8,2 bilhões de dólares só de 2008 a 2016.

O valor equivale a mais da metade do PIB anual moçambicano. A Vale é uma das maiores investidoras privadas de Moçambique. A concessão para a exploração de carvão vai até 2032, renováveis por mais 25 anos.

Indenizações de 1000 dólares

A Ordem dos Advogados de Moçambique aguarda uma decisão da Justiça sobre um pedido de aplicação de multa equivalente a 10% do custo de desenvolvimento das operações da Vale em Moatize.

Em entrevista à RFI, o advogado João Nhampossa, autor da ação judicial da OAM, disse que moradores que possuíam terras aráveis foram indenizados com cerca de 1.020 dólares. Um valor irrisório. Nhampossa pede na Justiça que a Vale melhore o montante das indenizações às famílias, cobra mais transparência e questiona irregularidades nos procedimentos da Vale.

As famílias foram transferidas para três áreas. A Vale criou um reassentamento em Bagamoio, bairro próximo da mina de Moatize II. Outro em Cateme, um vilarejo distante quase 40 quilômetros de onde as famílias viviam, onde ocorreu o acidente com a mina. E um terceiro grupo se instalou no bairro de 25 de Setembro, na área urbana de Moatize. Muitos moradores que viviam da agricultura alegam que a terra que receberam é infértil e de má qualidade.

Em 2013, a Vale já era acusada de negligência em Moçambique pela Human Rights Watch, que destacou deficiências graves no reassentamento das comunidades.

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