Nem guerra, nem birra: Bolsonaro foi à Rússia para garantir o suprimento de fertilizantes e manter o apoio do agronegócio

Longe de evitar qualquer guerra e “diminuir a tensão” entre Rússia e Ucrânia – como as redes bolsonaristas tentam vender – ou ainda por “birra” com o Estados Unidos, como publicou o New York Times.

A viagem de Jair Bolsonaro à Rússia no meio de um momento tão crítico tem um objetivo bem direto: garantir o suprimento de fertilizantes para o agronegócio brasileiro e, por consequência, manter uma de suas principais bases de apoio em ano eleitoral.

Cerca de um quarto dos fertilizantes importados pelo Brasil em 2021 vieram da Rússia. 22% dos 41,6 milhões de toneladas, no total de 15 bilhões dólares e US$ 3,5 bilhões gastos no mercado russo.

Sem fertilizantes, que são obtidos por mineração, não tem agronegócio. E ruralista pode ser muita coisa, mas não costuma gostar de sentir no bolso o que o negacionismo ou a ideologia fascista prega. Assim, é mais do que aceitável ver Bolsonaro prestar homenagem a soldados comunistas para garantir os insumos do dia a dia.

A visita oficial incluiu uma reunião com empresários do setor de fertilizantes. A Rússia é a sede de duas das maiores produtoras de fertilizantes do planeta: a PhosAgro e a Uralkali. Ambas têm o Brasil como um dos principais clientes.

O segundo maior acionista da PhosAgro, que vende fertilizantes fosfatados e amônia, é Vladimir Litvinenko, com 21% das ações da empresa. A PhosAgro é a oitava maior empresa de fertilizantes do mundo.

Além dos negócios bilionários, Litvinenko é figura de notória influência na Rússia. Foi o organizador das campanhas de Vladimir Putin em 2000 e 2004. Como acadêmico e reitor da Universidade de Mineração de São Petersburgo, foi orientador da dissertação de Putin em 1996.

A PhosAgro tem dezenas de minas, plantas industriais e centros de distribuição na Rússia. Se apresenta como “a maior fabricante europeia de fertilizantes fosfatados e líder mundial na produção de rocha fosfática de alta qualidade”. No Brasil, tem sede em São Paulo.

A conversa de Bolsonaro com Putin, via direta com Litvinenko, é fundamental para que o mercado brasileiro tente evitar as consequências de sanções, conflitos e quebra de fluxos de negócio na Rússia e na Europa. Putin também se reúne frequentemente com os principais executivos da Uralkali, nona maior do mundo no setor de fertilizantes.

Tereza Cristina, ministra da Agricultura que esteve na Rússia antes de Bolsonaro e só não participou da comitiva atual por estar com Covid, admitiu abertamente que Jair Bolsonaro iria pedir a Putin garantias de que a Rússia mantenha o fornecimento de fertilizantes e “mais investimentos” no setor.

Há 15 dias, Tereza Cristina esteve na Rússia e visitou os quatro maiores fabricantes de fertilizantes, o que inclui a PhosAgro e Uralkali, reforçando o pedido de garantia de fornecimento.

O Brasil é bastante dependente também das importações de potássio da Belarus, outro país que está sob sanções das grandes potências. O fornecimento russo de fertilizantes poderia não ser interrompido, mas sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia encareceriam e dificultariam o fornecimento internacional.

Esse convite para mais capital russo no Brasil já gera resultados. Recentemente, a Petrobras chegou a um acordo com o grupo russo Acron para a venda de sua fábrica de fertilizantes em Três Lagoas (MS).

O Brasil exportou US$ 473 milhões em soja e US$ 321 milhões em carne para a Rússia em 2021. Café e açúcar também lideram as importações russas de produtos brasileiros. Além disso, Rússia e Ucrânia são responsáveis por 28% da exportação mundial de trigo e de 20% da de milho. É o agro, estúpido, parafraseando a sentença de James Carville, marqueteiro de Bill Clinton.

Plano nacional quer dar mais “autonomia” para o mercado brasileiro de fertilizantes

O governo Bolsonaro está finalizando os detalhes para lançar um plano nacional de fertilizantes para reduzir a enorme dependência externa de importações que o agronegócio vive hoje. O plano é defendido arduamente por parlamentares ligados à mineração, como o senador Zequinha Marinho, do Pará.

A meta do Ministério da Agricultura é reduzir o nível de importação, que hoje fica entre 85% e 95%, a depender do produto, para algo em torno de 60% nos próximos 30 anos. Isso significa mais minas, mais indústrias e mais pressão sobre comunidades tradicionais, povos indígenas e em cidades dependentes da mineração de fertilizantes.

É o que acontece, por exemplo, em Autazes, no Amazonas.

A safra 2022/2023 já sofre o impacto do aumento de preços no mercado global e está de olho em crises internacionais como a da Rússia e Ucrânia.

Ciente de que a mineração é a chave para essa demanda, o governo colocou em curso um mapeamento geológico para descobrir novas jazidas de minerais necessários para a produção, como potássio e fósforo.

O lobby dos fertilizantes e das maiores empresas do setor atua forte junto à cúpula do governo Bolsonaro desde o início do mandato.

A Associação Brasileira das Indústrias de Suplementos Minerais (ASBRAM) incluiu representantes da americana Mosaic Fertilizantes, uma das três maiores produtoras de fosfato do mundo, em reunião com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em 2020.

Como revelamos aqui no Observatório, a Mosaic tem 12 barragens de alto risco no Brasil, sendo que 2 já figuraram no top 10 das mais perigosas do país. A Mosaic também tem atuado para expulsar famílias de suas casas em Goiás e em Minas Gerais para armazenar mais rejeitos e expandir as suas operações.

Em março de 2021, a Mosaic participou de um seminário organizado pela Secretaria de Geologia e Mineração do Ministério de Minas e Energia, junto a embaixadores dos Estados Unidos e da Irlanda.

No Brasil, o uso de fertilizantes aumentou 3,5 vezes desde 1995, resultado da intensificação agrícola industrial no país. Cada hectare de terra arável é tratado com 163,7 kg de fertilizantes – uma quantidade bem elevada em comparação com a média mundial de 137,6kg e que torna o Brasil o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo.

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