Mulheres indígenas lançam Bancada do Cocar para derrotar o lobby da mineração e a bancada ruralista

Por Scarlett Rocha, para o Observatório da Mineração*

Em uma plenária histórica realizada no ATL 2022 na tarde desta sexta-feira (08/04), sob o lema de aldear a política, mulheres indígenas de diversos povos lançaram suas pré-candidaturas para concorrer nas eleições de 2022 aos cargos federais e estaduais.

Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e umas das principais lideranças indígenas do país, que concorrerá ao cargo de deputada federal pelo PSOL em São Paulo, abriu a plenária com uma potente fala, destacando entre outras causas, o garimpo ilegal:

“Essa força das mulheres indígenas vêm de várias partes do Brasil. E nós estamos aqui hoje enfrentando mais um desafio. Desafios que a gente enfrenta há cinco séculos. Mas agora nós estamos dando um passo à frente. Nós queremos ocupar a política institucional. Nós estamos aqui pra dizer que nós nunca mais vamos aceitar um Brasil sem nós. E a gente não vai enfrentar mais esse desafio porque é fácil. A gente aceitou enfrentar mais esse desafio porque nós cansamos de ver nossas crianças sendo sugadas pelas dragas do garimpo ilegal. Nós cansamos de ver nossas crianças sendo contaminadas pelo mercúrio das mineradoras. Pela lama que não vale a vida de ninguém. Nós aceitamos esse desafio porque nós não queremos mais ver as nossas florestas sangrarem.”

Em seguida Sônia cunhou o termo pelo qual deve ficar conhecida a representação indígena no parlamento brasileiro, caso conquistem vitória nas eleições:

“Essa bancada que se apresenta aqui hoje é bancada do Cocar para substituir a bancada ruralista. Para substituir a bancada da bala. Nós queremos que o Congresso Nacional tenha a cara do Brasil e para ter a cara do Brasil tem que ter mais mulheres indígenas.”

O lançamento da Bancada do Cocar está alinhada com a estratégia dos povos originários de ocupar o parlamento para ampliar a capacidade de luta e mobilização e barrar os ataques aos territórios indígenas.

“Não suportamos mais ser roídos pela mineração”

Em 2020 o Brasil elegeu a bancada parlamentar mais conservadora desde a redemocratização. Dos 513 deputados federais eleitos, apenas uma representação indígena conseguiu se eleger, a deputada federal Joênia Wapichana (REDE-RR).

“Nos perguntam: Vocês estão preparadas? E por que são vocês que tem condições de ocupar o Congresso Nacional?  Porque não somos nós, mulheres indígenas, que temos as mãos sujas nem de sangue nem de lama pela mineração. Nós não estamos indo pelo poder, mas é pra poder fazer. Não exatamente por causa, mas é pela causa. Não é para corromper, mas é para romper. Porque nós queremos ser lembradas não somente como uma política na história, queremos fazer história na política. Não existe amor à pátria se respeitar a mulher mátria, sem respeitar por onde o Brasil começa”.

Declarou Célia Xakriabá, que concorrerá ao Congresso Nacional por Minas Gerais. Ela lembrou os estragos da mineração em Minas Gerais, hoje monopolizado pela Vale, que levou aos maiores desastres ambientais da história do país, matando o Rio Doce.

Célia reforçou a necessidade de eleger uma bancada ancestral composta por mulheres originárias. Ela lembrou que os povos indígenas, mesmo sendo apenas 5% da população, cuidam de 83% da biodiversidade do mundo. Para ela, esta representação também é dos mais de 4 milhões de indígenas assassinados nesses 522 anos de Brasil.

“Nós não queremos somente chegar com um único cocar, nós queremos chegar com muitos cocares, nós queremos também desafiar e amansar essa caneta, indigenizar essa caneta, indigenizar o Congresso Nacional.  Sou pré-candidata a deputada federal pelo estado de Minas Gerais porque não suportamos mais ser roídos pela mineração. Somos pré-candidatas pela bancada do Brasil ancestral porque nós queremos chegar fortalecidas com a presença das mulheres indígenas”, disse.

Da aldeia Teles Pires, divisa entre Mato Grosso e Pará, Ediene Munduruku trouxe para Brasília a sua resistência e prometeu continuar lutando contra os “projetos da morte” da base governista.

“Repudiamos o governo Bolsonaro genocida. O povo Munduruku diz ‘não’ ao PL 191 e ‘não’ ao marco temporal. Resistimos com toda a força de poder de nossas ancestralidades. Estamos aqui para defender os nossos costumes e direitos. Queremos os nossos territórios, vidas e futuro livres. Não aceitamos devastação, destruição e não aceitamos mais ameaças contra as mulheres indígenas. Não irão matar as nossas vozes, porque somos a resistência de nossos territórios”, afirmou Ediene.

Telma Taurepang, de Roraima, ressaltou a importância da unidade das mulheres no projeto de aldear a política. “Não vamos deixar partido nenhum nos dividir. A minha luta vai ser contra aqueles que não nos querem ver vivos. Aqueles que estão há mais de 20, 30 anos para nos destruir. Que fazem PLs, PECs para nos matar. Espero que ano que vem a gente faça um novo Acampamento Terra Livre, mas com pessoas compromissadas com o povo, eleitas no Congresso Nacional”.

Na mesa, foram anunciadas as pré-candidaturas para deputadas federais de Sônia Guajajara, Célia Xakriabá, Juliana Jenipapo Kanindé, Eunice Kerexu, Vanda Ortega, do povo Witoto do Amazonas, Telma Taurepang e Larissa Pankararu.

E as pré-candidaturas a deputadas estaduais de Chirley Pankará, co-deputada pela Mandata Ativista, do PSOL em São Paulo; Eliane Xunakalo; Simone Karipuna; Comadre Guerreira Potiguara, da Paraíba; Airy Gavião, do povo Gavião e do povo Tukano, do mandato coletivo indígena do Distrito Federal; Val Eloy, do povo Terena do Mato Grosso do Sul; Geni Guarani, Tereza Arapium, cacica da aldeia Andirá do baixo Tapajós, Ingrid Assis, Sateré Mawé de Santa Catarina e Joênia Wapichana, a primeira mulher indígena a exercer o cargo de deputada federal no Brasil.

O ATL reúne 8 mil indígenas de todo o país em Brasília até o dia 14 de abril.

*Com informações da Apib

Fotos por Rebeca Binda

A cobertura especial do Acampamento Terra Livre 2022 pelo Observatório da Mineração conta com o apoio da Amazon Watch.

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