Mineração de carvão e termelétricas tem responsabilidade pelo desastre no Rio Grande do Sul

ANÁLISE

No Brasil, é muito comum que, diante de uma tragédia de grandes proporções, digam que “não é hora de buscar culpados”. Assim como uma famosa frase diz que o brasileiro adora caridade, mas detesta justiça social. O mesmo vale para a justiça climática e a turma que estupidamente debocha de conceitos como o racismo ambiental.

O desastre climático assombroso que o estado do Rio Grande do Sul passa no momento certamente é resultado de uma longa e complexa teia de comprometimento do clima na Terra que inclui decisões equivocadas guiadas por negacionismo e desenvolvimentismo burro e a destruição da proteção mínima ao meio ambiente que a ciência e o bom senso tentaram zelar.

Não pode ser atribuído isoladamente a nenhum fator, como o El Niño, mas pode e deve ser compreendido por aquilo que é: um desastre induzido que segue capítulos claros de responsabilidade. Nesta teia, a mineração de carvão e as emissões de CO2 de termelétricas tem sim, sua parcela de responsabilidade.

O RS, ao lado de Santa Catarina, concentra boa parte da mineração de carvão no Brasil. O carvão é uma das fontes de energia mais poluentes que existem e colabora para tornar o setor minero-siderúrgico responsável por até 27% das emissões diretas e indiretas de gases que causam o efeito estufa no mundo.

Empresas como a Copelmi operam grandes e centenárias minas de carvão próximas a Porto Alegre.  E é no Rio Grande do Sul que fica algumas das termelétricas mais poluentes e menos eficientes do Brasil, em Candiota. É inegável que a mineração de carvão e as emissões de termelétricas movidas a carvão contribuem para a crise climática não só no estado do RS como em todo o Brasil. Somada com decisões políticas no mínimo questionáveis, como os 500 pontos do Código Ambiental do estado alterados pelo governador Eduardo Leite (PSDB) em 2019, incluindo o autolicenciamento, a receita para o desastre se forma.

Em 2022 o Observatório da Mineração enviou a repórter Fernanda Canofre a Candiota justamente para contar como a dependência do carvão e os problemas causados pela cadeia poluente era vista com negacionismo na cidade. O município tem a maior jazida de carvão mineral do Brasil, com potencial de 1 bilhão de toneladas a serem mineradas a céu aberto, segundo a CRM (Companhia Riograndense de Mineração), e minas próximas às áreas urbanas.

Relatório do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente) sobre termelétricas de 2022 apontou as duas unidades ativas no município – Candiota III, da CGT Eletrosul, e Pampa Sul, da Engie – como as líderes em emissões de gases do efeito estufa (GEE) e entre as menos eficientes do país.

A Pampa Sul aparece no topo do ranking, entre as termelétricas em atividade, com 2 milhões de toneladas de emissões de gás carbônico (CO2). A Candiota III aparece na sexta posição, com 1,6 milhão. O documento afirma que, entre as dez usinas menos eficientes do país, cinco são movidas a carvão, fonte não-renovável que governos do mundo tentam deixar para trás. As duas unidades de Candiota são as piores, com apenas 27% de eficiência. As empresas contestaram o relatório sem, no entanto, apresentar questionamentos técnicos para a extensa metodologia utilizada.

O tom do prefeito de Candiota, Luiz Carlos Folador (MDB), durante entrevista concedida ao Observatório da Mineração na ocasião, exemplifica. “A usina Pampa (Sul) o que gera é desenvolvimento, é riqueza, emprego das pessoas, dos biólogos, dos técnicos, dos engenheiros ambientais, das pessoas que aqui vivem, que aqui moram e das pessoas que aqui vão viver. A Pampa é geradora de emprego e desenvolvimento e o resto é falatório. É isso que vale, é isso que é. (…) A Pampa é o coração do nosso município e o resto é falatório, mentira descabida”, afirmou na época.

Outra ironia cruel é que, desde março, os lobistas do carvão fizeram um “rebranding” e agora se autointitulam “Associação Brasileira de Carbono Sustentável” (ABCS), como contei aqui no Observatório.

Foto de destaque: Amanda Perobelli / Reuters / Divulgação Agência Brasil

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Eduardo Leite celebrou a expansão do complexo industrial de carvão 1 mês atrás

O desenvolvimentismo burro somado com o negacionismo generalizado é uma combinação comum ao desastre.

Cerca de apenas 1 mês atrás, o governador Eduardo Leite celebrou a construção de mais uma indústria no Polo Carboquímico de Candiota com foco em ligas metálicas fabricadas a partir do carvão de alta cinza, estimada em 36 mil toneladas por ano. A união de empresas brasileiras e alemãs irá investir R$ 420 milhões em Candiota para expandir o complexo de carvão na cidade, gerando, alegam, R$ 40 milhões em impostos por ano e 330 empregos.

A crise climática alimentada pelo carvão nunca foi sequer mencionada ou cogitada pelo governador e demais políticos e empresários envolvidos. Pelo contrário.

Segundo Leite, o anúncio demonstra “o acerto da política do governo para atração de investimentos”, destaca o release do governo. “Estamos falando de um investimento robusto, com geração de muitos empregos. Isso ocorre por conta do ambiente de negócios favorável que conseguimos estabelecer no Rio Grande do Sul. Hoje, o investidor tem segurança de aportar recursos no Estado, porque sabe que o governo dá as melhores condições para os empreendedores”, disse Leite.

Governador Eduardo Leite e comitiva em anúncio de expansão de complexo de carvão / Divulgação Governo RS

Poucas semanas após estas palavras eventos climáticos extremos tomaram conta do estado do RS, que no momento registra 148 mortos, 127 desaparecidos e 806 feridos. 447 municípios foram afetados, 619 mil pessoas estão fora de casa os afetados superam 2 milhões, incluindo 30 mil indígenas.

Os prejuízos econômicos apenas começam a ser estimados, mas diversos cálculos preliminares apontam montantes que superam as dezenas de bilhões de reais. Dados parciais do CNM falam em R$ 8 bilhões, sendo mais de R$ 1 bilhão para a agricultura e R$ 166 milhões para a indústria. Dados patrimoniais devem superar R$ 2 bilhões. O próprio Eduardo Leite falou em R$ 19 bilhões para “reerguer” o estado após o recorde de enchentes que ainda estão em andamento. 

O governo federal, no entanto, já destinou um pacote de R$ 50,9 bilhões para a recuperação dos munícipios e ajuda às famílias atingidas. Novas medidas de auxílio são estudadas e os prejuízos apenas começam a ser contabilizados.

Os R$ 40 milhões em impostos de uma nova fábrica para o complexo de carvão em Candiota celebrado um mês atrás parece – e é – uma piada de mau gosto.

Morador de Arroio dos Ratos denuncia enchentes pioradas pela Copelmi

No Twitter, viralizou logo no início das enchentes um morador do município de Arroio dos Ratos denunciando em entrevista à RBS que a situação na cidade piorou há cerca de cinco anos, quando a Copelmi instalou novos diques. Com isso, as enchentes passaram a ser recorrentes. Até uma denúncia no Ministério Público teria sido feita.

O pesquisador Mateus de Albuquerque localizou o morador, Mateus Rodrigues, que perdeu tudo em sua casa e publicou uma entrevista por escrito com ele no Medium. O morador detalha os acontecimentos e as medidas tomadas pela Copelmi que pioraram a situação, como diques de contenção, a destruição do ambiente natural disponível para vazão da água e a crescente exploração de carvão que, agora, veio para perto da cidade e das casas.

“Durante os primeiros 20 anos, desde que passei a morar no atual endereço, não tive enchente. Só foi começar a acontecer depois da chegada da mineração. Se não tivesse feito os diques, teria os campos e a mata virgem da beira do arroio para as águas espalharem até chegar nas casas. Seria mais lenta, a chegada das águas, isto se é que chegaria às casas”, afirmou o morador na entrevista.

Os problemas causados pela mineração de carvão, claro, são históricos e incluem poluição sonora, do ar e rachaduras às estruturas das casas, entre outros.

Foto: Ricardo Stuckert / PR

Na apresentação oficial em seu site, porém, a Copelmi alega atuar de maneira responsável e em “parceria” com os moradores. “A COPELMI mantém a concessão de mais de 3 bilhões de toneladas de carvão mineral. A empresa tem orgulho em contribuir com o desenvolvimento do Rio Grande do Sul e do Brasil. A empresa atua com rígidos critérios de responsabilidade socioambiental. Esta preocupação se estende às localidades de extração, onde a COPELMI promove o bem-estar social, estabelecendo parcerias com suas comunidades”, afirma a mineradora.

Em 2022, algo raríssimo aconteceu: uma mobilização conseguiu barrar a instalação de uma mina da Copelmi a 16km de Porto Alegre, em um processo repleto de fraudes que, por exemplo, ignorava comunidades indígenas.

O projeto da Copelmi pretendia minerar mais de 166 milhões de toneladas de carvão, 422 milhões de metros cúbicos de areia e 200 milhões de metros cúbicos de cascalho. Seria instalado a 16 km do centro de Porto Alegre em uma área de 4 mil hectares, sendo classificada como a maior mina a céu aberto de carvão da América Latina.

Parlamentares gaúchos, que não estão sozinhos, seguem apostando na destruição

Em coluna no UOL, Alexandre Gaspari, do ClimaInfo, lembrou que dos 31 deputados gaúchos na Câmara, 27 votaram a favor de um projeto de lei de eólicas offshore com “jabutis” pró-combustíveis fósseis. Foi registrado penas 1 voto contrário, da deputada Fernanda Melchionna (PSOL).

Há outro projeto (4.653/2023), proposto pelos senadores gaúchos Hamilton Mourão (Republicanos), Luiz Carlos Heinze (Progressista) e Paulo Paim (PT), que pretende fornecer subsídios ao carvão — quase R$ 1 bilhão/ano, segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a outros combustíveis fósseis até 2040, relata Gaspari. O argumento é a “preocupação” com os trabalhadores da indústria carbonífera do Sul. “Mas o Dieese já constatou que fica mais barato — e limpo — requalificar profissionalmente e realocar essas pessoas em outras atividades”, destaca o pesquisador.

Os nomes citados não são exceção, mas a regra. Maioria significativa dos parlamentares gaúchos apoiam fortemente dezenas de projetos de destruição ambiental em tramitação no Congresso, como a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, antecipada em parte pelo próprio RS em 2019.

O Observatório do Clima listou ponto a ponto os principais projetos e alerta que, caso aprovados, “causarão dano irreversível aos ecossistemas brasileiros, aos povos tradicionais, ao clima global e à segurança de cada cidadão”. Nada acontece por acaso e a quantidade de avisos – e de ciência – escanteados como sem importância é gigantesco. O relatório “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, publicado em 2015, já previa chuvas intensas no sul do país. Foi ignorado. Assim como o governo Eduardo Leite ignorou planos para enfrentar a crise climática.

O RS, porém, não está sozinho em seu negacionismo e escolhas equivocadas.

Ao contrário do que as metas do Acordo de Paris de 2015 apregoam, o mundo tem batido, ano a ano, recorde no uso do carvão. 2024 não deverá ser diferente.

O custo de apostar no “quanto pior, melhor” é normalizar desastres de grandes proporções como o vivido pelo RS agora, que se tornarão mais e mais frequentes em todo o Brasil, como já se tornaram. Uma previsão segura é que está ruim e vai piorar.

Ao contrário do esquecimento, do deixa disso e da banalização da urgência climática sem responsáveis diretos e indiretos, é preciso identificar os autores da tragédia, as escolhas políticas e econômicas, os estudos ignorados, a falta de ação concreta e o pé no acelerador do apocalipse desenvolvimentista se quisermos ter – ainda – uma mínima chance de vivermos em um país e um planeta habitáveis.

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