Metade do ouro exportado pelo Brasil tem origem suspeita, indica estudo

Apenas de 2015 a 2020 o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, mostra estudo do Instituto Escolhas publicado nesta quinta (10). Isso representa quase metade do total de 487 toneladas exportadas.

A análise foi feita a partir de mais de 40 mil registros de comercialização de ouro, dados da Agência Nacional de Mineração, do Ministério da Economia, da Receita Federal e imagens de extração do Mapbiomas.

Os números ainda são subestimados, já que a metodologia considerou apenas o ouro exportado em formas brutas, semimanufaturadas ou em pó. Mas há outros formatos do metal para exportação, o que indica que a ilegalidade é maior. Além disso, boa parte do ouro exportado não tem registro algum.

Mais da metade do ouro ilegal identificado veio da Amazônia (54%), principalmente do Mato Grosso (26%) e do Pará (24%).

A Agência Nacional de Mineração e o Banco Central deveriam fiscalizar, acompanhar de perto as empresas da cadeia do ouro e trabalhar para melhorar a rastreabilidade e a transparência do setor, defende Larissa Rodrigues, gerente do Escolhas e coordenadora do estudo.

“O descontrole torna a impunidade muito maior do que já é. Como agravante, temos hoje um governo que é a favor do garimpo na Amazônia, que sai fazendo declarações em favor dessa atividade e desconsidera os problemas na cadeia”, diz Rodrigues.

Procurada, a ANM disse que tem dois projetos voltados para solucionar os problemas. O primeiro exige que empresas e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) façam um cadastro obrigatório na ANM para a aquisição de substâncias originárias de permissões de lavra garimpeira, sobretudo o ouro.

O segundo projeto torna obrigatório a apresentação mensal de um relatório pelos detentores de títulos de lavra, inclusive para os mineradores que não tiverem movimento no mês. A não entrega pode gerar a aplicação de penalidades que incluem até a perda do título.

O Banco Central não se manifestou até a publicação desta reportagem.

A análise do Escolhas considerou títulos de extração que avançam sobre terras indígenas e unidades de conservação; títulos fantasmas, sem indício de extração e normalmente usados para lavagem do ouro; títulos com extração para além dos limites geográficos autorizados; títulos sem a informação sobre a origem, o que é obrigatório e ouro exportado sem registro correspondente nos dados de produção oficial.

Segundo o estudo, as principais áreas protegidas afetadas incluem a TI Sararé (MT), a TI Kayabi (MT/PA) e os Parques Nacionais da Amazônia (PA), Mapinguari (AM/RO), do Acari (AM) e Montanhas do Tumucumaque (AP/PA).

Mas o ouro ilegal e os impactos socioambientais que causa está disseminado na Amazônia. É o caso da TI Munduruku, no Pará, que registra mais de 600 quilômetros de rios destruídos pelo garimpo desde 2016, como mostrou o Observatório da Mineração.

Na TI Kayapó, também no Pará, o ouro extraído ilegalmente alimenta a produção de um dos maiores líderes de metais preciosos da Europa, na Itália. Em 2021, Jair Bolsonaro e o presidente da FUNAI, Marcelo Xavier, se reuniram fora da agenda com lideranças Kayapó para incentivá-los a pressionar pela aprovação do PL 191/2020, mostrou outro furo de reportagem do Observatório.

O projeto de lei de Bolsonaro quer autorizar a mineração e o garimpo dentro das terras indígenas. Esta semana o Executivo incluiu o PL 191 na sua agenda prioritária para 2022.

Quatro empresas comercializam um terço do total

Somente 4 empresas concentram um terço de todo o volume de ouro com indícios de ilegalidade encontrado no estudo. Entre 2015 e 2020 as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) FD Gold, Ourominas, Parmetal e Carol movimentaram 79 toneladas de ouro com origem duvidosa em garimpos na Amazônia. Isso coloca quase 90% do total das suas operações sob suspeita.

Essas empresas são autorizadas a funcionar pelo Banco Central.

De acordo com este estudo, no montante há 50 toneladas sem informações sobre os títulos de origem. Há também 13,5 toneladas que vieram de 352 títulos sem indícios de extração ocorrendo, ou seja, títulos que podem ser considerados “fantasmas”.

Outras 14 toneladas foram compradas de 167 títulos com indícios de extração para além dos limites geográficos autorizados e 1,5 tonelada veio de 4 títulos sobrepostos a Unidades de Conservação onde a mineração não é permitida.

FD Gold, Anoro e diversas empresas são investigadas

Três empresas – a FD Gold, a Carol e a Ourominas – são alvo de ações judiciais recentes do Ministério Público Federal (MPF).

E outras três – FD Gold, Parmetal e Carol – são membros da Associação Nacional do Ouro (Anoro).

A FD Gold, maior empresa do país no setor, é de propriedade de Dirceu Frederico Sobrinho, que também preside a Anoro e foi acusado em setembro de 2021 de comercializar 1370 quilos de ouro ilegal somente entre 2019 e 2020 com origem especialmente no sudoeste do Pará, na bacia do rio Tapajós, onde está a TI Munduruku.

Dirceu, o terceiro da esquerda para a direita

Dirceu Sobrinho é presença frequente em Brasília e muito próximo da cúpula do governo de Jair Bolsonaro. Já se reuniu com Hamilton Mourão, vice-presidente, Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia (MME), Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e com diversas figuras do MME e da Agência Nacional de Mineração (ANM), entre outros.

FD Gold e Carol também são clientes da BP Trading – outra associada da Anoro – responsável por 10% das exportações de ouro no Brasil em 2019 e 2020, como revelou a Repórter Brasil.

Para o Instituto Escolhas, o estudo confirma que as quatro DTVMs citadas, todas com sede em São Paulo e com postos de atendimento concentrados na Amazônia, além de comercializar o ouro com indícios de irregularidades, possuem vinculações por toda a cadeia.

“Seus laços vão desde a extração do ouro, passando pelo refino, pelas exportações até relações políticas. Possuem também vinculações familiares e empresariais entre si, mostrando como os fios da cadeia do garimpo são mais entrelaçados do que se imagina”, destaca o relatório.

Em esclarecimento, a Ourominas afirmou que “cumpre rigorosamente o que está disposto na Lei 12.844/13 e portaria ANM 361/14, responsável por regular as operações de ouro no mercado primário, observando as normas estabelecidas pelo Banco Central”.

Segundo a Ourominas, a DTVM é submetida “a quatro níveis de fiscalização” e são avaliadas “pelo departamento de compliance estruturado e atuante”, por uma “auditoria externa” e pelos órgãos de regulação. Disse que o sócio Juarez Filho não possui e nunca administrou holdings em Dubai e que entende “que a questão da origem e exploração ilegal é uma questão de ordem pública que deve ser enfrentada pelos órgãos públicos responsáveis. Trata-se de um grande conflito de leis e normas que traz insegurança jurídica para o setor mineral”. Leia a resposta completa da Ourominas.

Procuradas, a FD Gold e demais DTVM’s associadas da Anoro não responderam até a publicação deste texto.

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