Relatório anual divulgado hoje pelo Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração mostra que mais de 762 mil pessoas foram atingidas por conflitos envolvendo a mineração no Brasil em 2021.
Apesar de registrar uma redução em relação ao número de 2020, quando mais de 1 milhão de pessoas foram mapeadas, o número permanece extremamente significativo e revela a extensão dessas ameaças diretas e indiretas.
Minas Gerais (35%), Pará (12,6%) e Bahia (11%) concentraram o maior número de conflitos. Indígenas e pequenos proprietários rurais são os mais atingidos pela mineração. Mineradoras internacionais e garimpeiros foram os que mais causaram danos, e a Vale é a empresa que mais concentrou conflitos, resume o Comitê.
Foram contabilizados 644 casos e 840 ocorrências de conflito em 2021, cerca de duas ocorrências por dia.
Foto de destaque: Fernando Martinho / Repórter Brasil
54 mil indígenas e 13 mil quilombolas cercados
Indígenas são os mais afetados. Em 2021, 54.550 indígenas foram envolvidos em conflitos, sendo em 51,4% das situações com garimpeiros. Isso é parte significativa do total da população indígena registrada pelo IBGE em 2010, a última disponível, de 817 mil pessoas.
Segundo o Mapbiomas, em 2021 o garimpo registrou a maior expansão em 36 anos, devorando 15 mil hectares num único ano. Em cinco anos, de 2017 a 2021, novas áreas de garimpo atingiram 59 mil hectares, superando todo o espaço tomado pela atividade garimpeira até o fim da década de 80.
As TI’s Kayapó, Munduruku e Yanomami são as mais afetadas.
Denunciamos sistematicamente os gravíssimos conflitos, as ameaças, as redes criminosas do garimpo ilegal no Brasil e o lobby feito em Brasília por empresários do garimpo, alvo de operações da Polícia Federal este ano que envolveram bloqueio de bilhões de reais.
As extrações ilegais de minérios, em particular os garimpos, provocaram 240 ocorrências em 168 localidades em 19 estados, sobretudo na Amazônia Legal, com destaque para o Pará (22,6%), Amazonas (18,5%), Mato Grosso (15,5%) e Rondônia (9,5%).
Já os quilombolas estiveram em 22 conflitos e 26 ocorrências, englobando ao menos 13.603 pessoas.
É o caso de pelo menos três situações relatadas pelo Observatório da Mineração: desde quilombos em área urbana, caso do Manzo Ngunzo Kaiango em Belo Horizonte, que não foi ouvido no processo da Tamisa que atinge a Serra do Curral; dos históricos problemas enfrentados por quilombolas com a Anglo American em Conceição do Mato Dentro (MG) e dos quilombolas da Chapada Diamantina, na Bahia, que enfrentam a mineradora inglesa Brazil Iron.
Para Maíra Mansur, socióloga e coordenadora do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil, a escalada de violência nos garimpos será um desafio para o próximo governo, que precisará lidar com a garimpagem em uma estrutura cada vez mais empresarial, apoiada por uma rede de atores com expressivo poder aquisitivo e capital político.
Para Mansur, o governo Lula tem “interesse legítimo” em organizar uma estrutura de combate ao garimpo, mas isso “exigirá também a reestruturação orçamentária e administrativa dos órgãos do Estado como Funai, Ibama, ICMBIO e do próprio Ministério do Meio Ambiente”.
Vale lidera novamente o ranking. Depois do Brasil, mineradoras da Austrália, Luxemburgo, Canadá e Reino Unido figuram no topo dos conflitos.
Foram mapeadas 127 empresas envolvidas em conflitos em 466 localidades. Assim como em 2020, a Vale é a empresa que mais concentrou conflitos (29,4%), reunindo a Vale S.A. (131 ocorrências de conflitos) e sua subsidiária Samarco, com 34 ocorrências de conflitos.
A Braskem, responsável pelo maior desastre em área urbana do mundo, em Maceió (AL), registrou 48 ocorrências.
Das mineradoras internacionais, as que mais se destacaram foram a Bahia Mineração (BAMIN) de capital de Luxemburgo, com 38 ocorrências de conflitos; a australiana Tombador Iron Mineração, com 26 ocorrências; e a Anglo American, com 17. Em relação à nacionalidade das empresas, o Brasil aparece em primeiro lugar, com 356 ocorrências, em seguida a Austrália, que possui 64 das ocorrências, Luxemburgo (57), Canadá (31) e Reino Unido (25).
Maíra Mansur lembra que a pulverização do capital das empresas é a marca do capitalismo financerizado, o que se repete no setor mineral, que tem se deslocado do Norte para o Sul Global.
Mansur pontua que a a atividade mineral envolve a disputa pelos usos prioritários dos recursos naturais, especialmente, água, terra e energia, com uma assimetria de poder que leva a destruição de modos de vida e inúmeros conflitos.
Conflitos causam 27 mortes
Ocorrências de violências extremas atingiram 67 registros: foram 27 mortes; assédio (19 ocorrências); trabalho escravo (14 ocorrências); ameaça de morte (4 ocorrências); violência física (3 ocorrências); e violência sexual (3 ocorrências).
Terra, água, minério de ferro e ouro
Os conflitos em relação a “Terra” e “Água” foram os que mais se destacaram, com 489 e 256 ocorrências de conflito, respectivamente. Ambos os tipos de conflitos estiveram presente em 58,2% e 30,5% das ocorrências. “Jurídico” ocupou a terceira posição, com 13,3%, seguido por “Trabalho” (10,6%), “Minério” (10,5%), “Saúde” (5,4%). Em comparação à 2020, os conflitos por “Terra” tiveram um crescimento de 27,3%, enquanto “Água” teve uma retração de 19,7%.
Os minérios mais presentes nos conflitos foram minério de ferro (36,6% das ocorrências) e ouro (26,7% das ocorrências) (cf. Gráfico 5). De 2020 a 2021, o ouro obteve um crescimento de 72,2% nas ocorrências de conflito, indicando o aumento da pressão sobre os territórios indígenas.
Reações aos conflitos em todo o país
Foram mapeadas 96 reações diretas às violações, concentradas em Minas Gerais (48), Roraima (18) e Alagoas (9). Em Brumadinho houve, em média, mais de um protesto por mês (13). As categorias que mais reagiram com ações de resistência foram: indígenas (21 ocorrências), pequenos proprietários rurais (21 ocorrências) e população urbana (11 ocorrências).
O levantamento sistemático feito pelo Comitê inclui registros de jornais de circulação nacional e regional, portais de notícias, redes sociais, mídia independente e material dos movimentos sociais, somadas às ocorrências tabuladas anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) para os conflitos da mineração no campo e com indígenas, respectivamente.
Segundo Maíra Mansur, como o Observatório visa ser uma ferramenta que permite monitorar e analisar, no médio e longo prazo, a variação temporal dos conflitos e do comportamento das diferentes empresas dos setores, a equipe tem “aprimorado o levantamento realizado através do aprofundamento da metodologia tanto quantitativa, quanto qualitativa. O nosso banco de dados com as informações qualitativas deverá ser lançado em breve, disponibilizando para o público um material rico de pesquisa”, diz a coordenadora do projeto.
Leia o relatório completo em português e inglês.