Crime socioambiental transformado em lucro imobiliário: o caso da Braskem em Maceió

O caso da Braskem, maior petroquímica das Américas, controlada pelo grupo baiano Odebrecht (agora “Novonor”), ilustra como as mineradoras conseguem instalar um governo paralelo nos locais em que atuam e fechar acordos extremamente favoráveis mesmo quando são responsáveis por um desastre de grandes proporções.

Durante décadas, a Braskem minerou sal-gema em Maceió, capital de Alagoas, contando sempre com a generosidade da ditadura militar nos anos 70 e 80, de todos os governos estaduais e prefeitos eleitos desde então e com a anuência dos órgãos ambientais de fiscalização.

Feita de modo inadequado, desrespeitando todas as regras, as minas de sal-gema da Braskem foram exploradas perto uma das outras, em alguns casos encontrando-se para formar falhas que hoje são responsáveis pela destruição de 4 bairros de Maceió e pela remoção de 55 mil pessoas de suas casas.

Este é considerado “o maior desastre em área urbana em andamento” no mundo hoje. As casas passaram a apresentar rachaduras e afundamentos, com a fundação comprometida. Os bairros se tornaram bairros fantasmas e o cenário é de guerra.

A única opção dessas famílias foi aceitar um acordo com a Braskem que paga míseros R$ 81 mil reais para cada uma, insuficiente para adquirir um imóvel em outro lugar e certamente insuficiente para cobrir todos os danos causados.

Pior: a Braskem passou a ser dona dos 4 bairros – Pinheiro, Mutange, Bom Parto e Bebedouro. No longo prazo, esta área em região valorizada de Maceió pode significar até R$ 40 bilhões de reais para a petroquímica. A estimativa é do empresário do ramo imobiliário Alexandre Sampaio, um dos afetados pela Braskem, em documentário de Carlos Pronzato. Sampaio afirma que, com a situação causada pela petroquímica, a empresa se tornou dona de 3km de orla lagunar e 300 hectares em uma das melhores regiões de Maceió. No longo prazo, a empresa pode lucrar R$ 40 bilhões, estima. Todo o dinheiro separado pela Braskem para arcar com o desastre causado por ela está em R$ 10 bilhões.

Trata-se de um dos piores crimes socioambientais da história do Brasil e do mundo transformado em lucro imobiliário. Não só não houve punição até o momento como a Braskem sai da história lucrando dezenas de bilhões de reais.

Esse acordo foi considerado aceitável pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que mediaram as tratativas por meio do pomposo “Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão”, que tem o objetivo de “mitigar as tragédias vividas por milhares de famílias”.

É este mesmo CNJ que está agora mediando um novo acordo pelo desastre de Mariana, causado por Vale e BHP em Minas Gerais e no Espírito Santo. Na mesa, acordos prévios desrespeitados durante 6 anos, um juiz considerado suspeito que solicitou a participação do CNJ e centenas de bilhões de reais.

Procurado para comentar os motivos de ter aceito um acordo tão desvantajoso para as famílias – ao contrário do que afirma em seu release publicado em fevereiro – o CNJ disse que “não irá mais se pronunciar sobre o caso”. O Ministério Público de Alagoas ficou em silêncio. Caso se manifeste, a reportagem será atualizada.

Foto de destaque: Ailton Cruz

Lucro líquido de R$ 10 bilhões no 1º semestre de 2021 e empresa mais valorizada da Bolsa

Em junho de 2019 eu publiquei uma matéria sobre esse escandaloso caso da Braskem em Maceió aqui no Observatório. Na época, destaquei que o lucro líquido da empresa em 2018 e 2019, somados, alcançava R$ 7 bilhões.

Esse valor agora soa bem “tímido” diante do lucro registrado pela Braskem apenas no primeiro semestre de 2021: R$ 10 bilhões. Exatamente o valor que a empresa pretende usar para reparar o crime cometido por ela em Maceió.

Em meros 6 meses de lucro, portanto, a Braskem já lucrou o suficiente para arcar com os danos causados diretamente a mais de 55 mil pessoas, à cidade de Maceió e ao estado de Alagoas.

O maior desastre urbano do mundo não afetou em nada os resultados da companhia. Além do lucro, a receita líquida da Braskem no segundo trimestre subiu 136% na comparação anual e 16% em relação ao primeiro trimestre, a R$ 26,4 bilhões.

O resultado operacional recorrente da petroquímica alcançou R$ 9,4 bilhões entre abril e junho, com crescimento de 522% na comparação anual e de 35% ante o primeiro trimestre.

Não é “só” isso. A Braskem também é a empresa com o melhor desempenho do Ibovespa no acumulado do ano, com ganhos de 145,3% até 04 de agosto. No período, o índice geral de valorização ficou em 2,3%.

Investir na Braskem é um ótimo negócio. Tanto que Roberto Simões, presidente-executivo da Braskem, pretende uma retomada no pagamento de dividendos aos acionistas em breve.

O lucro é sempre privado e o prejuízo fica sempre para a sociedade, como o caso da Braskem em Maceió ilustra e como desastres causados por mineradoras sempre provam, no Brasil e no mundo.

E não deve parar por aí. “Embora acreditemos que o segundo trimestre tenha marcado um ciclo de alta para a Braskem, continuamos projetando resultados muito acima da média nos próximos trimestres”, projetam analistas do banco Morgan Stanley.

Documentário mostra o que restou para os moradores

Recém-lançado, o documentário “A Braskem passou por aqui: a catástrofe de Maceió”, de Carlos Pronzato, reúne uma série de depoimentos valiosos de moradores expulsos de suas casas, pesquisadores, pequenos empresários afetados, técnicos da Defesa Civil e pessoas chave envolvidas no caso.

Está disponível completo no You Tube e recomendo muitíssimo que você assista:

Dezenas de milhares de imóveis estão na área de remoção. 30 mil empregos foram perdidos. Os desabamentos das minas ocorrem há mais de dez anos, já tendo formado crateras subterrâneas do tamanho do Complexo Esportivo do Maracanã.

Em maio, a Força-Tarefa que cuida do caso precisou exigir que a Braskem explique por escrito aos moradores que critérios tem usado para avaliar o valor de cada imóvel. Muitos moradores acreditam que as avalições são equivocadas e as propostas de compensação chegam com valores bem inferiores se comparadas ao o que os imóveis realmente valem.

Os procuradores tentam que um comitê defina como será gerido os recursos pagos pela Braskem por danos sociais e morais coletivos. Até o momento, afirmam, os atingidos não foram ouvidos em todo o processo. Por tudo isso, moradores buscam compensação na Holanda.

Empresa alega “cumprir o acordo”

Eu enviei três perguntas pontuais para a Braskem e a assessoria da empresa se comprometeu a buscar as respostas. Até o momento, a petroquímica não respondeu.

Entre as perguntas, questionei se a Braskem considera que R$ 81 mil reais é um valor adequado para indenizar uma família nesse caso.

Texto atualizado às 21h para incluir a íntegra da resposta da Braskem. Leia as respostas que a petroquímica enviou ao Observatório da Mineração:

1)      A Braskem considera que R$ 81 mil de indenização para cada família pela casa destruída e pelos danos é um valor justo e suficiente para uma família consiga adquirir outra casa similar em outro bairro e que este valor cobre todos os danos causados?

É incorreto afirmar que o pagamento de R$ 81,5 mil é a única alternativa de indenização oferecida pelo Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) aos moradores dos bairros atingidos pelo fenômeno geológico. Esta forma de compensação foi uma opção a moradores que viviam em áreas irregulares e sempre foi facultativa aos participantes do PCF. O objetivo foi oferecer um valor que assegurasse a essas pessoas acesso a uma moradia formal.

Todos os moradores, porém, têm a opção de seguir no fluxo regular de compensação financeira do programa, com a valoração individualizada de seu imóvel. Um advogado escolhido pelo morador, ou um defensor público, acompanha todo o processo. 

2)      A Braskem se torna dona de cada imóvel ao fechar cada acordo e, na prática, se tornará dona integral dos bairros afetados. No longo prazo, estimativas apontam que esta área pode valer até R$ 40 bilhões. O que a Braskem pretende fazer com a área comprada dos moradores? Isso não é transformar uma indenização em ganho bilionário para a empresa? Outras formas possíveis não foram discutidas no acordo?

A Braskem desconhece as estimativas apontadas de valorização da área. A empresa se comprometeu com as autoridades públicas a não edificar nas áreas desocupadas, para fins comerciais ou habitacionais, salvo se, após a estabilização do fenômeno de subsidência, isso seja permitido pelo Plano Diretor de Maceió, que é instrumento amplamente debatido pela sociedade civil. A prioridade da Braskem é a segurança dos moradores dos bairros afetados pelo fenômeno de subsidência, propondo e executando as ações necessárias para isso. É importante destacar que especulações desse tipo podem criar pânico e, eventualmente, estimular pessoas a permanecerem na área de risco, cuja desocupação foi determinada pelas autoridades competentes. 

3)      O que a Braskem está fazendo em prol das famílias atingidas e da cidade de Maceió, além dessas indenizações? Como a empresa pretende de fato reparar todo o imenso dano causado pela mineração realizada de modo inadequado durante décadas, que gerou o que é considerado o maior desastre em área urbana em andamento no mundo?

A Braskem vem cumprindo rigorosamente as ações de apoio à desocupação das áreas de risco em Maceió, previstas no acordo assinado em janeiro de 2020 entre a empresa, o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE).  

Criado em novembro de 2019 para atender aos moradores da área de resguardo em torno dos poços de sal e estendido aos moradores da área de desocupação definida pela Defesa Civil, o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) identificou um total de 14.402 imóveis, dos quais 13.807 já estão desocupados, ou seja, mais de 95% do total.     

Depois de ter seu imóvel identificado e agendar a mudança, que é paga pelo Programa, cada família recebe um auxílio-financeiro no valor de R$ 5 mil para ajudá-la na locação do imóvel, na negociação com as imobiliárias e outras necessidades que possam aparecer. O Programa também paga o auxílio-aluguel no valor de R$ 1 mil mensais por pelo menos seis meses e até dois meses após a homologação do acordo de indenização entre a Braskem e a família.  Caso a família comprove a necessidade de valores adicionais para alugar um imóvel no padrão compatível com o que foi desocupado, a Braskem faz um adiantamento da indenização, no valor de R$ 6 mil. O Programa também oferece apoio psicológico aos moradores, serviço que não foi suspenso mesmo com a pandemia – as consultas passaram a ser feitas online. 

Ainda na área de desocupação, comerciantes e empresários com atividade econômica não formal ou os microempreendedores individuais têm direito a um adiantamento da compensação no valor de R$ 10 mil, para cobrir gastos adicionais com a realocação. Para empresas de micro, pequeno, médio e grande porte, o valor a ser antecipado é proporcional ao porte de cada negócio. Também é possível solicitar a antecipação de custos comprovados por orçamentos. Comerciantes e empresários também têm a mudança paga pelo programa, inclusive dos equipamentos e estoques. 

Paralelamente à realocação, o acordo estabelece um cronograma de ingresso dos moradores no fluxo de compensação financeira conforme as zonas do mapa de desocupação, entre outras medidas. Até o final do mês de julho, 5.876 famílias receberam sua compensação, e o programa registrou 8.298 propostas de indenização apresentadas, com índice de aceitação superior a 99%. A Braskem pagou mais de R$ 1,2 bilhão em indenizações, auxílios-financeiros e honorários de advogados. Os dados são apresentados regularmente às autoridades signatárias do acordo.  

O programa foi construído com amparo da legislação e jurisprudência aplicáveis a casos similares. Para o cálculo da compensação financeira, a Braskem utiliza como referência o valor de imóveis semelhantes, por exemplo, imóveis com as mesmas dimensões e que estejam situados em bairros que possuem as mesmas características. São também consideradas as benfeitorias, que são relevantes para determinação do padrão construtivo e, assim, somadas ao valor do imóvel. Além disso, depreciação dos imóveis não é levada em consideração.   

As propostas de indenização têm ainda como referência as normas técnicas brasileiras que fixam diretrizes e procedimentos para avaliação de imóveis, além de estudos elaborados pelo Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape). O prazo para pagamento das indenizações é de cinco dias úteis após a homologação do acordo.  

Os prazos pactuados com as autoridades públicas vêm sendo rigorosamente cumpridos e é importante ressaltar que a Braskem implementou diversas medidas para apoiar na regularização documental das famílias e comerciantes, inclusive com maior flexibilidade do que seria exigido no Judiciário. Além disso, o Programa vem sendo constantemente aperfeiçoado a partir do processo de escuta à comunidade. Nessa evolução, dois aditivos e 24 termos de resoluções já foram firmados com as autoridades. A resolução mais recente estabeleceu prazos de referência para os pedidos de reanálise das propostas.  

Outras ações 

Nos bairros desocupados, a Braskem mantém um trabalho de zeladoria com mutirões de limpeza e de controle de pragas, apoio à segurança patrimonial com uma equipe de 276 profissionais que se revezam 24 horas por dia, e sistemas de câmeras e alarmes. Além disso, instalou um conjunto de equipamentos de monitoramento dos mais modernos em atuação no Brasil.  A rede de monitoramento reúne estação meteorológica, 34 DGPS (aparelhos de alta precisão para detectar movimentações de terreno) e 31 sismógrafos (que registram eventos sísmicos), entre outros equipamentos. Parte deles (16 DGPS e 16 sismógrafos) está sendo doado para a Defesa Civil de Maceió. 

Outras ações estão previstas em um termo de acordo socioambiental assinado em dezembro último entre a Braskem e o Ministério Público Federal, com participação do Ministério Público Estadual. Essas ações incluem o diagnóstico e, posteriormente, medidas de reparação, mitigação ou compensação dos impactos ambientais, além de reparação urbanística, preservação do patrimônio histórico e cultural, ações de mobilidade urbana, compensação social e indenização para danos coletivos. As ações serão definidas em conjunto com as autoridades e em escutas à população, como prevê o acordo. A primeira delas – o trabalho de estabilização e recuperação vegetal da encosta do Mutange – será iniciada em breve. 

Retomada das atividades 

Desde maio de 2019, a Braskem encerrou a extração de sal-gema em Maceió e, como consequência, paralisou a operação da fábrica de cloro-soda, que usa o sal como matéria-prima. A empresa já vinha realizando estudos com sonares de última geração, para verificar as condições dos poços, e aprovou junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) um plano para a sua estabilização e monitoramento. Os 35 poços estão sendo fechados com a técnica mais apropriada para cada um e todos são monitorados permanentemente. Durante o período em que a fábrica ficou parada, a Braskem fez treinamento e capacitação dos seus funcionários e evitou demissões. Em fevereiro deste ano, a fábrica de cloro-soda voltou a operar, com sal importado do Chile.  

A Braskem está presente há décadas em Alagoas com a fábrica de cloro-soda, a maior unidade do gênero na América Latina, e a de PVC, em Marechal Deodoro. A integração de suas fábricas compõe um elo essencial nas cadeias do plástico e da química no Estado, envolvendo dezenas de empresas parceiras, constituindo peça-chave na atração de novos empreendimentos e impulsionando a diversificação econômica. Atualmente, a Braskem movimenta cerca de R$ 1,5 bilhão por ano na economia de Alagoas, gera em torno de 530 empregos diretos e mais de 2 mil empregos indiretos, ao passo que o setor plástico-química emprega mais de 12 mil trabalhadores em todo o Estado. Essa cadeia produtiva tem uma participação no PIB alagoano de cerca de 15%”.

Segunda atualização: em 12 de agosto, três dias após a publicação da matéria, o Ministério Público de Alagoas enviou uma resposta ao Observatório. A íntegra do posicionamento pode ser lido abaixo.

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