EXCLUSIVO: Em 20 anos, BNDES emprestou R$ 25,5 bilhões para mineradoras

Por Alexandre Facciolla e Maurício Angelo*

Dados analisados pelo Observatório da Mineração revelam que, nas últimas duas décadas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) investiu R$ 25,5 bilhões em atividades classificadas como mineração entre 2002 e 2022.

Neste período, o BNDES concentrou financiamentos para empresas que já dominam o mercado, como Vale, Anglo American, Alcoa, Nexa/Votorantim e Samarco, que figuram entre as maiores tomadoras de empréstimos diretos ou indiretos feitos pelo BNDES no período.

Os empréstimos diretos, que passam por avaliação específica do BNDES e têm valores médios mais altos, com mínimo de R$ 40 milhões, concentram o grosso dos investimentos do banco público em mineração, com R$ 19 bilhões. Já os indiretos, de empréstimos que passam por avaliação de outras instituições financeiras cadastradas no BNDES, chegam a R$ 6,5 bilhões.

Os dados foram avaliados com exclusividade pelo Observatório da Mineração após vários pedidos via Lei de Acesso à Informação, cruzamento de informações obtidas e checagem com o próprio BNDES e especialistas.

Segundo o pesquisador Luiz Novoa, professor da Universidade Federal de Rondônia, o BNDES historicamente teve o papel de fomentar as indústrias brasileiras e há cadeias produtivas inteiras que dependem, em grande parte, dos investimentos do banco, como a química e a metalurgia.

Estudioso da economia política praticada pelo banco de fomento, Novoa afirma que o BNDES, embora centralizador de capitais, não tem capacidade, sozinho, de influir em mudanças na política econômica do país por meio de investimentos em grandes conglomerados, como no caso da política do BNDES conhecida como “Campeões Nacionais”.

Iniciada em 2007 no segundo mandato de Lula pelo então presidente do BNDES, Luciano Coutinho, a política consistia em focar os empréstimos a grandes empresas nacionais para que se tornassem grandes atores econômicos internacionais. O período de vigência coincide com os maiores volumes de todos os empréstimos registrados para mineração – diretos ou indiretos. Veja os valores agrupados por ano abaixo.

Foto de destaque: Divulgação Nexa Resources

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Crise de 2008 inclui ação do BNDES em reforçar monopólios

A crise econômica global de 2008 reforçou os investimentos feitos pelo banco. “Diante desse ciclo econômico de crise, o governo federal liberou créditos, via bancos públicos, exatamente para contrabalançar a queda na atividade econômica”, sintetiza o economista Igor Laltuf.

Assim como Novoa, Laltuf é co-autor do livro “BNDES: grupos econômicos, setor público e sociedade civil”, coletânea de análises sobre as atividades do banco de fomento com especial atenção ao período entre 2003 e 2014.

Laltuf ressalta que há pesquisadores que questionam o real peso das medidas anticíclicas do BNDES, e alegam que “as ações do governo federal na época não teriam afetado tanto a recuperação brasileira, mas sim a rápida retomada da China e da Índia”, disse.

De acordo com Laltuf, as grandes empresas de mineração têm um histórico de maior dependência de investimentos privados externos. “A partir de 2008, ficou claro que o capital internacional não viria em resgate”, afirmou ao Observatório da Mineração.

Para Luiz Novoa, o modelo focado em grandes empresas “foi uma tentativa de imitar a Coreia do Sul, com uma associação entre Estado e empresas para fazer complexos industriais densos e ganhar o mercado Internacional”, disse. Para ele, o modelo acabou por reforçar monopólios, inclusive o de mineração.

“Não é possível regular, apenas pelo financiamento, um monopólio de mineração e fazer com que ele gere emprego, tenha responsabilidade social e ambiental”, avalia o pesquisador. “A margem de manobra de escolha é muito pequena, pois eles têm que gerar lucro, não têm que gerar tecnologia ou emprego no país”, completou. 

Concentração em Vale e Anglo American revela falta de diversificação dos investimentos

“Do ponto de vista do setor mineral, o BNDES não parece atuar como um banco de desenvolvimento”. A afirmação é do doutor em política ambiental Bruno Milanez. Professor na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Milanez é pesquisador e atua com avaliação dos impactos socioambientais da cadeia minero-metalúrgica.

Segundo Milanez, a análise dos empréstimos diretos demonstra que “o banco não pensa em diversificação, por exemplo, ou em ampliação do mercado, mas reforça a aposta nos vencedores. O retorno é mais alto, com dinheiro certo”.

Para Milanez, “mesmo o setor mineral não deve gostar muito desse tipo de aplicação, porque não vemos aqui uma dispersão de grandes investimentos em outros projetos que não sejam sobre ferro, e para a Vale e Anglo American”.

O gráfico abaixo dá a dimensão da concentração: dos mais de R$ 19 bilhões desembolsados diretamente pelo BNDES para mineração entre 2002 e 2022, mais de R$ 14 bilhões foram para as duas mineradoras multinacionais. Veja:

A concentração de empréstimos às duas gigantes, como indicou o professor Milanez, coincide com três projetos: a duplicação da Estrada de Ferro Carajás, a construção da mina S11D, em Canaã dos Carajás (PA) e o mineroduto “Minas-Rio”. Os dois últimos, estabeleceram recordes mundiais quando implementados.

O S11D (da Vale) foi anunciada como o maior projeto de mineração do mundo, com uma capacidade de produção anual de 90 milhões de toneladas. Inaugurada em 2016, os repasses foram contratados em 2014 junto ao BNDES.

A Estrada de Ferro Carajás, também da Vale, passa pelos estados do Maranhão e do Pará, ligando o Porto de Ponta da Madeira, no município de São Luís (MA), a Marabá e Parauapebas, no Pará. Atualmente, conta com 892 km, após a duplicação de mais de 500 km da ferrovia, finalizada em 2018. No caminho, arrasta uma série de violações de direitos, causa inúmeros impactos às comunidades afetadas e não entrega o desenvolvimento que promete, como detalhou matéria especial do Observatório da Mineração de maio de 2022.

O BNDES foi um acionista histórico da Vale desde a privatização por Fernando Henrique Cardoso, em 1997. Em fevereiro de 2021, porém, o banco público zerou a sua participação na mineradora, vendendo um último bloco de ações por R$ 11,2 bilhões.

Questionada sobre os empréstimos que recebeu do BNDES especificamente para os dois empreendimentos citados – S11D e EFC – a Vale não comentou.

Em nota, disse somente que “a Vale tem saldos remanescentes de financiamentos de longo prazo que foram contratados com o BNDES entre 2007 e 2014”. De acordo com a empresa, “esses financiamentos estão dentro do prazo de amortização previsto”, e que “os recursos foram direcionados a projetos de mineração e de infraestrutura no Brasil”, informou.

Construído pela Anglo American, o mineroduto Minas-Rio foi inaugurado em 2014. Entre 2008 e 2013, o BNDES emprestou mais de R$ 4 bilhões para o projeto. A estrutura transporta minério de ferro do município mineiro de Conceição do Mato Dentro (MG) ao Porto do Açu, em São João da Barra (RJ), atravessando 33 cidades. Quatro anos depois, em 2018, o mineroduto se rompeu, poluindo um manancial.

A Anglo American também é acusada de provocar escassez hídrica e problemas de saúde em comunidades quilombolas de Conceição do Mato Dentro (MG), onde fica a enorme mina de minério de ferro – entre as 10 maiores do mundo – e recebeu investimentos significativos também de bancos alemães.

Questionada sobre os empréstimos no período, em especial sobre os feitos para a implementação do mineroduto, a Anglo American confirmou que “empresas do Grupo Anglo American já tomaram empréstimos do BNDES” e que “estes foram pagos na íntegra em 2016”, registrou em nota.

Para o braço de exploração de Níquel da empresa, a Anglo American Níquel, foram destinados mais de R$ 1,3 bilhão, todo o dinheiro voltado para a implementação da mina de exploração de Níquel da empresa em Barro Alto, Goiás.

Os planos de expansão dos negócios de níquel da mineradora inglesa visava várias terras indígenas na Amazônia e foi barrado após o Observatório da Mineração revelar a extensão dos requerimentos da Anglo American e uma campanha bem sucedida de pressão foi feita por lideranças indígenas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Amazon Watch.

Minério de ferro domina

A mineração no Brasil é muito concentrada em ferro. “Cerca de 70% do que a gente produz no país em termos de minérios, é ferro”, explica Milanez. No caso dos empréstimos diretos, também vemos essa concentração:

Agrupamento por tipo de subsetor atrelado a mineração e os respectivos minérios em investimentos diretos. Os três primeiros tipos de mineração concentram mais de R$ 14 bilhões, cerca de 75% do total de R$ 19 bilhões investidos diretamente pelo BNDES.

Indiretos chegam atrasados ao superciclo das commodities

De acordo com Bruno Milanez, os investimentos indiretos são mais diversificados, com mais  empresas tendo acesso ao crédito. No entanto, ele destaca que os empréstimos deste tipo para mineração “chegam atrasados no superciclo das commodities”, diz.

“Se pegarmos o gráfico de preços do minério de ferro, vai ver que está defasado, e o BNDES continua emprestando quando o preço já caiu”. Isso porque, de acordo com Milanez, o superciclo do ferro acaba em 2012, e o pico de empréstimos (indiretos) é em 2013.

Para o pesquisador, o gráfico indica “a falta de entendimento do BNDES e dos bancos que operam essa linha indireta, pois fazem o empréstimo olhando para trás, não olhando para frente”. Para ele, “estavam emprestando com uma perspectiva de queda, pois a gente sabe hoje em dia que o preço estava caindo”, completou.

Ainda que mais pulverizados, como apontou Milanez, alcançando uma diversidade de empresas, os investimentos indiretos concedidos pelo BNDES também ficaram concentrados. Dos R$ 6,48 bilhões movimentados a empresas do setor, pouco mais de R$ 1 bilhão está nas mãos das dez empresas com maior valor total de empréstimo no período.

Os indiretos são avaliados pelos bancos cadastrados no BNDES. Ao contrário dos diretos, esses financiamentos têm limite máximo por empréstimo: R$ 150 milhões.

Na categoria de mineração, foram mais de 15 mil empréstimos indiretos entre 2002 e 2022. Aqui também há diferença marcante entre a média (R$ 428 mil) e a mediana (R$ 238,7 mil) do valor dos empréstimos.

Veja abaixo as 10 maiores tomadoras do setor e o quanto receberam em indiretos:

Riscos ambientais e papel do BNDES mostram desafios e contradições de Lula 3

“Indústrias como a da mineração e da celulose implicam em altos riscos ambientais”, disse o economista Igor Laltuf. Segundo ele, “com a volta do Lula, é preciso uma autocrítica, pensar se o banco vai continuar fazendo o que estava fazendo”.

Laltuf aponta para a discrepância entre dinheiro voltado para estes tipos de empreendimentos e o valor repassado pelo governo para proteção e mitigação de riscos e acidentes ambientais. Como exemplo, cita o caso do Fundo Amazônia, fundo internacional voltado para mitigação e combate ao desmatamento e para o uso sustentável dos recursos naturais na região da Amazônia Legal.

“É uma atividade louvável, é claro, não estamos discutindo isso”, ressalta. “Mas quando olhamos para o montante de recursos que de fato eles investiram, e comparar com o que o banco desembolsou para mineração, não é nada”, disse.

Aloizio Mercadante, presidente do BNDES / Divulgação

Recentemente, o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que representa 90% da mineração brasileira e o BNDES, anunciaram que estão estudando a criação de um Grupo de Trabalho para “debater mecanismos de financiamento para projetos de mineração em estágio inicial, especialmente de minerais estratégicos”.

IBRAM e BNDES discutiram a possibilidade de linhas de crédito para projetos em diferentes estágios, com o IBRAM cobrando mais dinheiro para mineradoras.

Enquanto os minerais considerados críticos são essenciais para a transição energética, não é possível ignorar o terrível histórico recente da mineração brasileira e o fato de que a cadeia minero-siderúrgica, em seus impactos diretos e indiretos, é uma das grandes responsáveis pela crise climática que, agora, a mesma indústria se apresenta como a solução.

Essas contradições parecem não incomodar o BNDES. Em seminário realizado no mês passado, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, ressaltou que o papel do banco é de fomentador da indústria brasileira e que o país precisa de uma “neoindustrialização transformadora”.

A “nova política de financiamento” do BNDES, disse Mercadante, é uma contribuição para “destravar a transição ecológica e social no Brasil”. “A crise climática é um grande desafio para a humanidade e, se o sistema financeiro não mudar radicalmente e rapidamente, o planeta não tem condições de reverter esse quadro devastador”, afirmou Mercadante.

Reunião IBRAM e BNDES / Divulgação

Em março, Mercadante já havia se encontrado com Raul Jungmann, presidente do IBRAM, com o mesmo objetivo: ampliar os financiamentos para mineradoras. O Ministério de Minas e Energia também anunciou que o BNDES irá investir massivamente em lítio, nova estrela do mercado que tem no Jequitinhonha em Minas Gerais a região chave, ignorando o histórico questionável de promessas não cumpridas e com forte greenwashing atual.

Procurado para comentar os achados desta reportagem e a política de financiamento do BNDES para mineradoras em face dos compromissos sustentáveis assumidos pelo banco e a política que será adotada pelo governo Lula 3, a assessoria do BNDES afirmou que não poderia retornar ao pedido do Observatório da Mineração até a publicação desta reportagem.

Governo Bolsonaro emprestou R$ 736 milhões para a Nexa Resources

Dos 150 empréstimos diretamente feitos via BNDES em 20 anos, apenas quatro são registrados durante o governo Bolsonaro (2019 a 2022), sendo dois efetivamente pagos, no valor total de R$ 776 milhões.

Destes, quase todo o investimento via crédito do período – R$ 736 milhões – foi empregado para a Mineração Dardanelos, empresa controlada pelo grupo Nexa Recursos Minerais, ou Nexa Resources, que, por sua vez, é uma mineradora do grupo Votorantim e sócia majoritária do projeto de mineração na cidade de Aripuanã, no Mato Grosso, para a qual essa única linha de crédito foi direcionada.

O único outro empréstimo efetivamente pago no período Bolsonaro foi no valor mínimo para financiamentos diretos: R$ 40 milhões para a AMG Brasil.

Segundo a Nexa, a mineradora responde por 4% da produção mundial de zinco, e atua no Peru e no Brasil. A Nexa é fruto da fusão entre a Votorantim Metais e a peruana Milpo. Em seu relatório anual de 2022, a empresa informa que a mina Cajamarquilla, localizada em um distrito de Lima (Peru), “é a maior refinaria de zinco da América Latina e a quinta maior do mundo” e que, em 2022, extraiu 332,8 mil toneladas de zinco metálico.

Divulgação Nexa Resources

Com o projeto Aripuanã, instalado na cidade de mesmo nome em Mato Grosso, a mineradora pretende atingir a operação comercial plena no segundo semestre deste ano (2023). Com a previsão de extrair anualmente 70 mil toneladas de zinco, 24 mil toneladas de chumbo, 4 mil toneladas de cobre, entre outros minérios, a mina de Aripuanã tem uma vida útil prevista de 11 anos. Segundo a Companhia Matogrossense de Mineração (METAMAT), Aripuanã deve se tornar o maior produtor mineral de Mato Grosso em 2023.

Perguntada sobre créditos recebidos nos últimos anos, a Nexa informou que “o concentrado de zinco produzido nesta unidade [Aripuanã] será consumido em nossas unidades de Três Marias e Juiz de Fora”, ambas refinarias de zinco localizadas em Minas Gerais. “O pagamento dos financiamentos estão seguindo todas as determinações contratuais”, afirma a nota.

De acordo com os dados do BNDES, o dinheiro também foi destinado para recuperação e conservação de ecossistemas e investimentos sociais em benefício da cidade de Aripuanã. A Nexa afirma que entre 2019 e 2022 “gerou R$ 73,3 milhões em impostos para o município e R$ 17,9 milhões para o Estado[MT]”. A nota diz que nesse período a cidade recebeu R$ 22 milhões em royalties de mineração (CFEM) pelo projeto, e que a Nexa “já destinou mais de R$ 50 milhões para programas socioeconômicos e obras de infraestrutura na cidade”.

A empresa afirma ter outros empréstimos com o BNDES para duas outras operações, nos municípios mineiros de Morro Agudo e Vazante. Ainda segundo a nota da Nexa, “o BNDES é um banco que fomenta o crescimento da indústria do país e um importante agente de promoção do desenvolvimento sustentável e competitivo da economia brasileira”. Leia o posicionamento completo da mineradora.

Empréstimos podem ser maiores de acordo com o tipo do investimento

No caso da Dardanelos/Nexa (investimentos diretos), chamou a atenção que a empresa havia produzido relatórios informando ter recebido do BNDES, apenas pela Nexa, mais do que registrado somente para a Dardanelos.

Ao ser questionado a respeito, o BNDES explicou em resposta a um pedido de Acesso à Informação, que a empresa é do ramo de mineração e metalurgia (transformação de minérios) e, no caso, também haveria registros nesta outra categoria. De fato, um filtro que destaca apenas o subsetor CNAE Agrupado (tipo de categorização que o banco utiliza) de “metalurgia” em créditos diretos aponta para grandes investimentos em empresas que também atuam em mineração.

Ao agrupar e somar os investimentos diretos feitos às empresas do grupo Nexa no campo da metalurgia (que o banco diferencia de mineração) entre 2002 e 2022, foram R$ 2,5 bilhões. Mais do que 10% investido no total em metalurgia em 20 anos: R$ 23 bilhões.

Com o registro de “Nexa Recursos Minerais”, a empresa recebeu R$ 1,6 bilhões na categoria de Metalurgia. Apenas com o antigo registro de “Votorantim Metais”, a holding obteve outros R$ 853,5 milhões, sem contar com o crédito à Dardanelos, de quem a Nexa é sócia majoritária.

Pela resposta do BNDES, investimentos em infraestrutura energética – geração e transmissão, principalmente – também não estão sinalizados no subsetor de mineração. O elevado uso de energia elétrica pelo setor é conhecido. Contudo, o banco afirma que há uma “maior dificuldade em compreender se estariam diretamente relacionados a projetos de mineração”, registra a resposta via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Queda de empréstimos começa antes da mudança na TJLP, em 2015

Para alguns pesquisadores, a substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) do BNDES para a Taxa de Longo Prazo (TLP), que entrou em vigor em 2018, seria um dos motivos para a queda nos últimos anos dos investimentos em mineração. A queda constante, no entanto, começou em 2015, no começo do segundo governo Dilma.

“Na prática, a TJLP perdeu atratividade porque praticamente ficou equiparada à Selic”, disse Novoa. Ainda em 2015, a equipe econômica do segundo mandato de Dilma, chefiada por Joaquim Levy, começou a tornar menos atrativa a taxa de juros do banco. A operação se consolidou com a Lei 13.483/2017.

Além disso, o funding do banco deixou de ser do Tesouro Nacional. “Era o grande diferencial desse período anterior [a 2014], pois era o Tesouro que lastreava as operações do banco, mais do que o funding próprio”, detalhou o sociólogo.

Mesmo crítico ao modelo dos “Campeões”, Novoa afirma que “durante os governos Lula e Dilma, o BNDES cumpriu um papel chave: ser uma espécie de substituto do capital industrial brasileiro, que nunca conseguiu se consolidar”.

Para o sociólogo, de 2015 em diante, o banco deixou de ser um indutor econômico de fomento e multiplicação do investimento público. “O banco perdeu seu papel. Passou a fazer coordenação de privatização de empresas de saneamento, alguma modernização, modelação de privatização, mas não teve papel ativo no governo Temer, nem no de Bolsonaro”, disse.

Concentração regional dos investimentos indiretos

Quando agrupamos a soma do dinheiro efetivamente pago de forma indireta aos empreendimentos de mineração pelas Unidades Federativas (UF) do Brasil, percebemos que Minas Gerais (MG) e São Paulo (SP) foram os únicos estados que receberam mais de R$ 1 bilhão cada em investimentos indiretos.

No caso das cidades, as três que receberam no total mais de R$ 150 milhões em 20 anos foram, respectivamente: Parauapebas (PA), São Luís (MA) e Mariana (MG), esta última palco do pior desastre socioambiental da história do Brasil, o rompimento da barragem da mineradora Samarco (controlada pela Vale e pela BHP Billiton), que causou a morte de 19 pessoas em 2015.

A Samarco é a 2ª empresa com mais investimentos deste tipo no período, atrás apenas da Vale, que detém parte da própria Samarco. Perguntada se comentaria sobre os empréstimos no período, a mineradora limitou-se a informar que “não possui empréstimos em aberto com o BNDES”.

Média, mediana e concentração de investimentos

Em todos os tipos de empréstimos analisados pela reportagem do Observatório da Mineração, há uma diferença marcante entre o valor médio desembolsado e os maiores gastos com investimentos nessas atividades.

Entre os projetos com investimentos diretos, por exemplo, a média dos valores – valor total dividido pelo número de entradas – é de R$ 127 milhões. Quando olhamos a mediana, o valor despenca para R$ 17 milhões (em tese, abaixo do valor mínimo para este tipo de investimento, de acordo com o site do BNDES).

Grosso modo, a mediana demarca o valor que divide entre a metade maior e a metade menor um conjunto de dados. Por exemplo: se há uma lista com os valores 2, 3 e 10, a média seria 5, mas a mediana é o número 3, por estar no meio da lista.Em listas com poucos valores altos, e muitos valores pequenos, a média esconde os valores mais frequentes no conjunto de dados estudado.

Empréstimos sem localização

Em 15 dos 150 empréstimos diretos estão concentrados cerca de R$ 5,1 bilhões pagos pelo banco de fomento. Isso representa um quarto do total liberado pelo BNDES diretamente ao setor de mineração durante os 20 anos analisados. São projetos que têm mais de um município e estados que devem receber parte do empréstimo – em forma de obras e melhorias.

Essas linhas de crédito, contudo, estão registradas como ‘SEM MUNICÍPIO’ – é possível ver, na visualização abaixo, que ‘SEM MUNICÍPIO’ aparece como a “cidade” com os maiores valores agrupados entre o crédito diretamente aprovado pelo banco.

 Ao contrário dos indiretos, não é possível saber o quanto proporcionalmente foi direcionado para cada cidade ou estado dessas linhas. A maior parte desta fatia se refere ao mineroduto Minas-Rio (mais de R$ 4 bilhões) e à implantação de minas de extração de minério de ferro no Quadrilátero Ferrífero, região que comporta mais de 30 cidades mineiras, pela Anglo American Minério de Ferro Brasil.

*Alexandre Facciolla é jornalista de dados (MBA-IDP). Trabalha com análises e reportagens guiadas por dados (Python, QGIS) e pedidos de Lei de Acesso à Informação (LAI). Com passagem por diversos veículos de imprensa e mídia – como Fiquem Sabendo, Agência iNFRA, Estadão, Destak Brasília, Correio Braziliense, JOTA e ConJur, entre outros -, atua como jornalista desde 2009. É também co-autor do app Brasil na COP – registros e análise de discursos de governo brasileiros durante as Convenções do Clima (COP) -, além de interessado em Geoprocessamento e cultura de Código Aberto (Open Source).

*Maurício Angelo é fundador, diretor, editor-chefe e repórter especial do Observatório da Mineração. Pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB). Professor e palestrante de jornalismo. Repórter com centenas de matérias publicadas na mídia brasileira e internacional (Reuters, UOL Notícias, Mongabay, Repórter Brasil, Pulitzer Center, OCCRP, Folha de S. Paulo, El País, Intercept e outros). Eleito um dos três jornalistas mais relevantes do Brasil no setor de Mineração, Metalurgia e Siderurgia pelo Prêmio Especialistas de 2022 e 2021. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019).

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