Como previsto, se no combate ao garimpo ilegal a gestão Lula é totalmente diferente da gestão Bolsonaro, a relação com as grandes mineradoras transnacionais, porém, é de continuidade.
E o maior evento de mineração do mundo, o PDAC, realizado anualmente em Toronto, no Canadá, é o palco de negociações ideal para revelar as intenções do mercado e do governo.
Nos anos de Bolsonaro o Brasil virou uma das estrelas do PDAC, patrocinando o evento e levando comitivas gigantescas de representantes do governo com executivos de mineradoras para atrair investidores, fechar novos negócios e abrir áreas para exploração no Brasil.
Em 2023 não foi diferente. Desta vez, os minerais críticos, considerados fundamentais para a transição energética, ocuparam papel de destaque, aprofundando pesquisas, processos e mudanças iniciadas na gestão Bolsonaro.
O Ministério de Minas e Energia (MME), o Serviço Geológico do Brasil (SGB) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) enviaram uma “missão internacional” ao PDAC em conjunto com representantes das maiores mineradoras que atuam no Brasil, reunidas sob o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), a Agência para o Desenvolvimento e Inovação do Setor Mineral Brasileiro (ADIMB) e outras instituições.
O recado foi claro: o mundo vai precisar de minerais “críticos” e o Brasil está posicionado de modo estratégico para atender a demanda. O “potencial” brasileiro em ser exportador de commodities, base da economia mineral e nacional, foi ainda mais enfatizado aos mais de 30 mil participantes de 130 países que rodaram os stands do PDAC em busca de negócios.
Foto de destaque: ASCOM/SGB
Relatório inédito sobre minerais críticos e áreas para leilão
No evento, o SGB lançou um relatório inédito, denominado “An overview of Critical Minerals Potential of Brazil” (Uma visão geral do potencial de minerais críticos do Brasil), que trouxe dados sobre as principais ocorrências de cobre, grafita, lítio, níquel, fosfato, potássio, urânio e Elementos de Terras Raras no país. Estes são alguns dos minerais classificados como “estratégicos” pelo MME.
Em inglês, detalha as principais áreas em operação, em pesquisa ou em desenvolvimento de projetos, com as respectivas empresas donas das jazidas atuais.
O Brasil possui atualmente a 7ª maior reserva de urânio do mundo, está entre os seis principais países na extração global de lítio, além de obter 22% das reservas globais de grafita e ser o terceiro maior detentor de reservas de níquel.
“Construímos um panorama dos recursos e reservas que estão disponíveis ou têm potencial de exploração aprovado”, destacou Guilherme Ferreira, do Serviço Geológico.
O SGB também elencou cinco ativos minerais que serão alvo de leilões de direitos minerários em 2023: depósitos de ouro no Tocantins, diamante na Bahia, calcário e caulim no Pará, e fosfato na Paraíba e Pernambuco.
No stand do Serviço Geológico, foram disponibilizados para o público o Mapa de Províncias e Depósitos Minerais do Brasil e um conjunto de três mapas com as poligonais dos dados geofísicos, geoquímicos e geológicos.
Foram exibidos ainda vídeos institucionais e distribuídos materiais impressos com informações sobre o potencial de minerais estratégicos, projetos de pesquisa e outros produtos.
Todas essas pesquisas, relatórios, informações e previsão de leilões foram encaminhadas durante o governo de Jair Bolsonaro, com continuidade no governo Lula. O SGB criou um hotsite totalmente em inglês com essas informações, dedicado ao mercado internacional.
De acordo com o MME, as informações apresentadas aos investidores mostram que o Brasil possui uma grande diversidade de recursos minerais ainda a serem explorados. “O Brasil tem um potencial imenso e, se realizado, pode nos tornar players globais em todas essas commodities”, destacou o chefe do Departamento de Recursos Minerais (DEREM) do SGB, Marcelo Esteves Almeida.
Compõe a ADIMB, junto com representantes de gigantes como Vale, Anglo American, AngloGold Ashanti e outras, membros do MME, ANM, Ministério da Ciência e IBRAM. Vale, Bemisa e Nexa foram as patrocinadoras principais da participação brasileira no PDAC 2023, com “parceria institucional” da ANM, SGB, MME e governo federal, com “coordenação” da ADIMB, IBRAM e ABPM.
Nomeado por Lula como ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG) recebeu mais de R$ 2 milhões de mineradoras nas campanhas para senador de 2014 e 2022, como mostrou o Observatório da Mineração, incluindo empresas como Gerdau, Vale, CBMM, ArcelorMittal, Usiminas, Vallourec e outras.
IBRAM reforça escalada de minerais críticos e cobra “desburocratização”
Próximo ao governo Lula desde os GT’s de transição, especialmente na figura de Raul Jungmann, político experiente que foi escolhido presidente do IBRAM justamente para melhorar a articulação política das grandes mineradoras, a associação que representa 90% da mineração brasileira reforçou a necessidade de escalar a produção de minerais críticos para atender a demanda global e cobrou “desburocratização” do governo, incluindo o licenciamento ambiental.
“O Brasil possui elevada vocação mineral, com províncias minerais espalhadas por todo o território e, embora o país já tenha destaque como player para diversas commodities, seu verdadeiro potencial mineral ainda não é totalmente conhecido”, afirmou Raul Jungmann em painel no PDAC que contou com representantes da Vale, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e de agentes do mercado canadense.
Para Jungmann, a nova matriz energética mundial demanda a guinada para minerais críticos e incentivos financeiros são necessários.
“Para o Brasil estar compatível com as suas possibilidades é preciso fundamentalmente estabelecer parcerias de capitais públicos e privados para investimentos na mineração, inclusive envolvendo a bolsa de valores”, disse.
A fala não acontece por acaso. O último presente da gestão de Jair Bolsonaro para o setor mineral foi justamente liberar instrumentos de mercado para facilitar a captação de recursos pelas mineradoras.
O pacote que está sobre a mesa da gestão de Luís Inácio Lula da Silva recebeu o nome de Iniciativa Mercado de Minas e Energia (IMME) e tem como objetivo “aperfeiçoar a eficiência e o investimento privado no Brasil”. O modelo, como detalhou o Observatório da Mineração, é fortemente inspirado no agronegócio.
Raul Jungmann cobrou ainda a importância de uma política nacional voltada especificamente para os minerais críticos: “Essa é uma agenda muito importante e estamos trabalhando para isso”, disse.
De fato, essa política já existe, foi aprofundada pelo governo de Jair Bolsonaro e a forma como o governo do PT colocará em prática essa herança é alvo de disputa. Nos últimos 4 anos o Observatório acompanhou e detalhou os principais passos do governo federal sobre minerais críticos.
Recentemente, em reunião com Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, Lula certamente tratou sobre o GT Brasil-EUA criado durante a gestão Bolsonaro exatamente para aprofundar o suprimento de minerais estratégicos.
A “desburocratização dos licenciamentos, as compensações fiscais para investimentos de risco em exploração e produção, e os incentivos ao empreendedorismo no setor”, estão entre as demandas pedidas pela indústria reunida no IBRAM.
Este ponto indica uma disputa ferrenha entre o lobby das mineradoras, ambientalistas e a sociedade civil.
Com Lula (PT), ajustes na política mineral vão permear os desdobramentos da colaboração Brasil-EUA e também União Europeia para minerais críticos, embora economicamente estes minerais seguirão recebendo estímulos, como os anúncios e a comitiva enviada ao PDAC 2023 provam.
A administração petista adiantou no relatório do governo de transição que práticas para agilizar licenças ambientais, como é o caso do programa bolsonarista Pró-Minerais Estratégicos, porém, devem perder espaço.
Este é um esforço coordenado da indústria com a bancada ruralista e da mineração. Os pedidos da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), entregues a Bolsonaro ainda na campanha do ano passado, revelam em detalhes o que o setor industrial deseja para a pauta socioambiental nos próximos anos, liderados sobretudo pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Os pedidos, abordados pelo Observatório da Mineração, incluem, por exemplo, a aprovação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental na versão relatada pelo deputado ruralista Neri Geller, com aplicação da lei às atividades minerárias, segundo a FIEMG, “para garantir tratamento igualitário e para dar segurança à sociedade”.
Para Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, o pacote pedido pela Fiemg “é um desrespeito completo a todo o arcabouço normativo da política ambiental. O resultado disso vai ser muita degradação. É uma tragédia ambiental”, disse, em entrevista ao Observatório.
De acordo com Araújo, a FIEMG vê as regras ambientais como “obstáculos que tem de ser removidos”, como “burocracia a ser eliminada”. “É uma visão retrógada de negação da própria política ambiental, da ciência, do conhecimento técnico nessa área. Um pacote que pode causar enorme destruição. É assustador”, cravou.
O IBRAM e a consultoria KPMG, uma das maiores do mundo, lançaram durante o PDAC 2023 o relatório “Brazil Country Mining Guide 2023”. “Possuímos mais de 3.000 minas espalhadas pelo território nacional e cerca de 90 commodities minerais são comercializadas. Esse guia demonstra as oportunidades de negócios no setor mineral brasileiro”, analisou o diretor de Comunicação do IBRAM, Paulo Henrique Soares.
O relatório destaca as oportunidades de investimento para os próximos anos, lembra que disputas regulatórias a partir de declarações do atual governo “preocuparam o mercado” e que “menos de 50% do território brasileiro é geologicamente mapeado”.
ANM foca em abrir 50 mil novas áreas, acelerar procedimentos e facilitar negócios
A ADIMB, entidade que reúne entes públicos e privadas criada em 1996, celebrou as promessas da ANM para facilitar os investimentos em minerais críticos e acelerar procedimentos, tônica da agência durante os anos de gestão Bolsonaro.
O Diretor-Geral da ANM, Mauro Sousa, anunciou no PDAC 2023 que a ANM está promovendo mudanças para disponibilizar cerca de 50 mil áreas que hoje estão na gaveta.
“A nossa regulação tem que ser adequada e suficiente para viabilizar negócios e não criar óbices e dificuldades,” ressaltou, em notícia da ADIMB. Sousa afirmou que a ANM vai baixar uma resolução para flexibilizar o prazo da pesquisa mineral, que poderá ser ampliado para além de quatro anos, conforme a necessidade do investidor.
A mudança recente na legislação, que passou a permitir a utilização do título mineral como garantia de financiamento do projeto de mineração desde a fase da pesquisa mineral, foi considerada “muito importante para alavancar o nível de pesquisa mineral no país”.
Esse é um dos destaques do pacote anunciado pelo MME de Bolsonaro e que foi costurado com parlamentares ligados à mineradoras na discussão do “Novo Código de Mineração”, que teve texto entregue no fim de 2022 sob encomenda de Bolsonaro e Arthur Lira.
Além disso, a Agência Nacional de Mineração lançou, no PDAC 2023, versões em inglês de dois painéis com informações chave do setor mineral brasileiro: o Anuário Mineral Brasileiro Interativo (AMB) e o Comércio Exterior do Setor Mineral (ComexMin).
“Com as versões em inglês, os painéis interativos modernizam as ferramentas de divulgação de informações econômicas oficiais do Governo Brasileiro sobre o Setor Mineral, possibilitando a usuários de todo o mundo navegar de forma flexível pelos dados disponíveis, o que facilita o acesso de potenciais investidores interessados na mineração brasileira”, anunciou a ANM.
Representantes do SGB destacaram ainda que o órgão está aprofundando a pesquisa mineral com mapeamentos geológicos e geofísicos previstos até 2040 e foco nas províncias localizadas na Amazonia Legal, como Carajás, Tapajós e Borborema.
O objetivo é justamente estimular a exploração de minerais estratégicos para atender a demanda mundial.
“Ao aprofundar esse conhecimento estamos aumentando a segurança para que o investidor possa navegar nas oportunidades de exploração desses minerais no Brasil,” disse o diretor de Infraestrutura Geocientífica da SGB, Paulo Romano.