De Eike Batista a bilionário indiano, investigação transnacional de corrupção mira a Zamin Ferrous e deputados no Amapá

Eike Batista, o bilionário indiano Pramod Agarwal, dono da Zamin Ferrous, a mineradora inglesa Anglo American, deputados corruptos do Amapá, uma ferrovia, a morte de 6 trabalhadores, um porto, minas de ferro e ouro, Michel Temer, uma reserva nacional e o povo indígena Wajãpi.

Esses são alguns dos atores de uma investigação transnacional de corrupção, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e associação criminosa tocada pela Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Scotland Yard.

A Operação Sem Fronteiras, deflagrada nesta quinta (14), cumpriu dois mandados de busca e apreensão em Londres, na Inglaterra, sede da Zamin. A ação é um desdobramento de operação anterior, de 2016, que já investigativa propina de US$ 5 milhões paga pela Zamin para o deputado estadual Júnior Favacho (DEM), então presidente da Assembleia Estadual do Amapá e reeleito em 2018.

O esquema foi montado para garantir concessão da Estrada de Ferro do Amapá (EFA), de 194 quilômetros, que liga as minas de minério de ferro ao porto de Santana. A aprovação da mineradora era necessária pelo Legislativo e ocorreu em tempo recorde, em apenas três dias e por ato da mesa diretora, sem votação em plenário, em 2016.

O esquema para colocar a Zamin como nova concessionária teria começado em 2012, quando a Assembleia Legislativa alterou uma lei estadual de 2005 que passou a incluir a permissão da transferência por parte dos deputados. Antes essa competência era restrita ao governo estadual.

Favacho coleciona denúncias no Amapá. Além da propina recebida no caso da ferrovia, também é acusado de usar milhões de dinheiro público para pagar despesas pessoais e de falsificar o Diário Oficial para contratar milhares de cargos comissionados de forma irregular.

Mas a história vai muito além de uma mineradora comprando um parlamentar para garantir os seus negócios. Esse caso no Amapá revela bem a teia de corrupção internacional até o poder local que o grande capital costuma empreender. A investigação mostra como a mineração funciona e os atores envolvidos nela também.

A nova operação quer colher provas contra o núcleo internacional, composto por empresários e consultores internacionais envolvidos com a Zamin e que moram na Inglaterra. O MPF pediu, inclusive, a extradição.

De Eike Batista e a Anglo American a um bilionário indiano, a Zamin coleciona violações

Todo o caso envolve a exploração de uma mina de minério de ferro em Pedra Branca do Amapari, no Amapá, no meio da floresta Amazônica. Em 2003, Eike Batista, dono da MMX Mineração, conseguiu todas as licenças ambientais para o projeto, que começou a exploração de fato em 2007.

Mas, com a falência das empresas de Eike, que colecionou violações socioambientais e corrupção nos negócios das suas mineradoras – contamos dois casos em Minas Gerais – a inglesa Anglo American comprou as operações da MMX por 5,5 bilhões de dólares, incluindo a mina no Amapá.

Em janeiro de 2013, o bilionário indiano Pramod Agarwal, dono da Zamin Ferrous, já negociava com a Anglo American. Foi quando Agarwal visitou o Amapá e se reuniu com o deputado Júnior Favacho, fundamental para as pretensões da Zamin e, como as investigações mostram, cooptado com 5 milhões de dólares.

Pramod Agarwal, à esquerda e Favacho, em encontro de 2013

Em março de 2013, caminhões, guindastes e minério foram arrastados para dentro do Rio Amazonas, no Porto de Santana, matando 6 pessoas. O porto ainda pertencia à Anglo American. Representantes da empresa afirmaram na época que a causa foi uma onda gigante que se formou no rio e a força da água teria destruído tudo.

Em setembro de 2013, o negócio foi finalmente concluído com a venda da operação pela Anglo American  para a Zamin Ferrous por 136 milhões de dólares.

A negociação ocorreu mesmo com o desabamento do porto. A Zamin até hoje não concluiu as obras de recuperação da área portuária atingida. Em 2014, a mineradora paralisou parcialmente as atividades em função do comprometimento do escoamento da produção via porto, já que a empresa não tinha mais onde estocar minério.  

O descaso da Zamin com a operação é total. A mineradora também deixou de pagar encargos trabalhistas e valores para empresas prestadoras de serviço, além de vender minério sem licenças ambientais e sem autorização da justiça.

Em 2015, o governo estadual suspendeu a concessão da ferrovia para a Zamin alegando o descumprimento de vários termos do acordo por parte da multinacional, como a falta de conservação de vagões e trilhos e a desassistência aos passageiros e agricultores dos municípios cortados pela ferrovia. Uma batalha judicial começou e inicialmente a Zamin recorreu com sucesso.

Em abril de 2016, no entanto, o Tribunal de Justiça do Amapá manteve o decreto do governo que cassou a concessão. Em 2017, a Zamin, endividada em R$ 1,5 bilhão na época, pediu recuperação judicial.

Foi quando o MPF ingressou com ação na Justiça pedindo a condenação da mineradora por danos materiais e mortes causadas no desabamento do porto. O processo, que ainda está em curso, cobra R$ 100 milhões para recuperação ambiental da área atingida, indenização das famílias e danos à coletividade.

Em agosto de 2019, o plano de recuperação judicial da Zamin foi aprovado. A aprovação dos credores aconteceu porque a mineradora inglesa Cadence Minerals se credenciou como investidor do projeto, assumindo todo o complexo que inclui a mina, a estrada de ferro, o porto e uma barragem de rejeitos.

O interesse em assumir uma operação tão problemática se justifica pelas reservas da mina, estimadas em 251 milhões de toneladas de minério de ferro. Todas as licenças de operação precisam ser concedidas novamente e a previsão dos investidores, otimistas em obter a aprovação do governo do Amapá, é começar a operar em 2021.

Michel Temer, Zamin, Anglo American, o povo Wajãpi, Bolsonaro e o caso da Renca

O histórico do interesse de multinacionais nas riquezas minerais do Amapá é amplo e envolve um caso famoso, o da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), localizada entre o Pará e o Amapá. Em 2017, o ex-presidente Michel Temer foi obrigado a revogar um decreto que abria a reserva para a exploração mineral após grande repercussão nacional e internacional contra a medida.

Através de subsidiárias, a Anglo American tinha dezenas de requerimentos para explorar ouro na Renca e também dentro da terra indígena Wajãpi.

Em julho de 2019, cerca de 50 garimpeiros invadiram a terra indígena Wajãpi, que fica em Pedra Branca do Amapari, a mesma cidade das operações da Zamin, a 200 km de Macapá, e mataram uma importante liderança da região, Emyra Wajãpi, a facadas.

O Conselho das Aldeias Wajãpi denunciou a situação. As invasões e ameaças se tornaram frequentes durante o governo Jair Bolsonaro. A TI Wajãpi tem parte do território sobreposto à Renca e as suas reservas minerais, alvo de grande cobiça e especulação, não são totalmente conhecidas, mas ouro, ferro, tântalo, nióbio, cassiterita e manganês já foram confirmados.

Epidemias trazidas por invasores, como um surto de sarampo na década de 70 que dizimou centenas de indígenas, são uma ameaça constante. Pelo menos 2 mil garimpeiros atuam na área da Renca. Uma nova abertura pelo governo federal poderia atrair ainda mais empresas estrangeiras e ampliar fortemente a destruição ambiental de uma área ainda intocada.

Além do projeto de lei encaminhado ao Congresso que libera terras indígenas para exploração mineral, o presidente Jair Bolsonaro também já declarou diversas vezes que pretende reeditar a medida e liberar a extração de minérios na Renca, uma das áreas mais preservadas da Amazônia e que tem o tamanho de metade de Portugal.

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