Após longas negociações, especulações e vazamentos na imprensa, o governo de Minas Gerais e a Vale assinaram hoje um acordo de R$ 37 bilhões por ações de reparação relativas ao rompimento da barragem de Brumadinho.
Embora o valor seja publicamente comemorado tanto pelo governo mineiro, pela Vale e pelo Tribunal de Justiça de MG, a cifra final, de R$ 37,7 bilhões, representa um desconto de aproximadamente R$ 17 bilhões – 32% menos – frente ao montante pedido originalmente, de R$ 54 bilhões.
Para entender o que essas cifras representam é preciso olhar, por exemplo, para o caso de Mariana mais de 5 anos depois.
Antes suspensa, a ação civil pública que pede R$ 155 bilhões em reparação foi retomada pelo Ministério Público Federal em outubro de 2020.
As mineradoras Vale, BHP Billiton e Samarco são rés na ação, assim como a União e o estado de Minas Gerais. O motivo para a retomada da ação é simples: as mineradoras não cumpriram o acordo firmado anteriormente.
Comparado ao acordo agora assinado por Brumadinho, a pedida de Mariana é substancialmente maior: R$ 118 bilhões a mais. A extensão dos danos ambientais, o fato de envolver dezenas de cidades, dois estados (Minas e Espírito Santo), mais empresas e centenas de milhares de atingidos sem dúvida explicam parte dessa diferença.
Mas esse histórico não pode ser ignorado. Assim como foram excluídos do processo de negociação para a reparação de Mariana – refeito depois – os atingidos também não participaram das conversas que resultaram no acordo assinado hoje por Brumadinho.
Os R$ 54 bilhões foram estimados a partir de estudos técnicos da Fundação João Pinheiro e do Ministério Público de MG. Em 2020, faltando ainda os dados do último trimestre, que não foram anunciados, a Vale lucrou R$ 21,8 bilhões até setembro.
Joceli Andrioli, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), questionou o acordo e disse que o movimento irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal.
“Quem sai ganhando com esse acordo é a Vale. É um absurdo. O acordo não teve a participação dos atingidos, o que é uma imensa violação por parte da Vale e das instituições que concordaram em fazer um acordo sem os atingidos presentes”, declarou.
De fato, além de não influenciarem nos termos finais, o que foi assinado reserva apenas 3 bilhões do valor total (8%) para “projetos de reparação a serem escolhidos pela população atingida” com o auxílio do MPMG, MPF e DPMG.
Pior: está incluído dentro dos R$ 37,7 bilhões os valores já pagos pela Vale, de acordo com o Anexo VIII, de R$ 6,2 bilhões. Ou seja: o montante real restante seria de R$ 31 bilhões.
Obras públicas podem contribuir para a reeleição de Romeu Zema
Um aspecto que chama a atenção no acordo firmado por Brumadinho é a quantidade de dinheiro direcionado para obras públicas no estado de Minas Gerais. Estão previstas:
- Novo Anel viário na região metropolitana de Belo Horizonte (R$ 5 bilhões)
- Investimento em hospitais regionais
- Obras para garantir segurança hídrica da região metropolitana
- Saneamento básico nos municípios da bacia do rio Paraopeba
- Reforma do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, em Belo Horizonte
- Reforma de estradas
Dos R$ 37 bilhões, 30% beneficiarão o município e a população de Brumadinho. O restante irá para obras em diversas áreas.
A definição do uso desses recursos precisa passar pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Em 2014, última eleição com doação empresarial autorizada, mineradoras bancaram 102 deputados eleitos em MG e para a Câmara Federal, 78% do total. Na ALMG, 56 dos 77 deputados contaram com dinheiro de mineradoras. Boa parte deles reeleitos em 2018.
“Que acordo é esse em que as vítimas e seus apoiadores não são escutados e a empresa criminosa decide quanto deve pagar? Enquanto isso, as ações da Vale disparam na Bolsa de Valores”, disse a deputada federal Áurea Carolina (PSOL) no Twitter.
Há também o temor de que as obras feitas com o acordo capitalize a reeleição do governador Romeu Zema (Novo) em 2022.
Entre outras coisas, o acordo prevê ainda R$ 4,7 bilhões para a “melhoria de serviços públicos”, incluindo “reestruturação das forças de segurança”. Diz o governo de Minas:
“Melhoria do serviço público e da capacidade de resposta do Estado às demandas da sociedade e a grandes desastres. Inclui, dentre outros, obras para a melhoria da estrutura dos equipamentos de saúde pública, reestruturação tecnológica de órgãos e entidades prestadores de serviço público e reestruturação das forças de segurança e defesa civil estaduais”.
Pontos que merecem um acompanhamento atento para os próximos 10 anos, que representa a duração prevista do que foi definido.
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