Câmara aprova participação de empresas privadas na exploração de minérios nucleares

A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quarta (30), a MP 1133, do governo Jair Bolsonaro, que autoriza a participação de empresas privadas na lavra e pesquisa de minérios nucleares, como o urânio.

Apesar da abertura, o texto aprovado teoricamente mantém o “monopólio” da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), como prevê a Constituição.

Na prática, porém, a partir de agora poderão ocorrer não só parcerias público-privadas na pesquisa e lavra dos minérios nucleares, como o texto também abre a possibilidade de execução de outras atividades, como tratamento dos minérios nucleares, desenvolvimento de tecnologias para o aproveitamento desses minérios, enriquecimento, produção e comércio de materiais nucleares.

Pelo texto, as empresas poderão ser remuneradas em dinheiro, por meio de percentual do valor arrecadado na comercialização do produto da lavra, cessão do direito de comercialização do minério associado ou do direito de compra do produto da lavra com exportação previamente autorizada.

Minério associado, como destaca a Agência Câmara, é aquele que está misturado nas rochas extraídas da lavra e nas quais há também urânio, um elemento naturalmente radioativo. Geralmente, o urânio é descoberto quando se pesquisa o potencial de outros minérios (ferro, cobre, estanho, etc.) para os quais foi concedida licença em determinada jazida pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

Mineração Taboca, do grupo peruano Minsur, nega que explore urânio ou tenha interesse na exploração

Conforme apuração do Observatório da Mineração, o único requerimento para lavra de urânio associado que hoje consta na ANM é a da Mineração Taboca, que atua em Presidente Figueiredo, no Amazonas, próxima da terra indígena Waimiri-Atroari, desde a década de 80.

De todos os processos da Taboca, um, que começou a tramitar em 1980, permite a mineração de urânio em conjunto com tantalita, zircônio, tório, nióbio e cassiterita. É o único requerimento, entre os 31, que vai além de estanho e cassiterita, negócio principal da empresa, que é a maior produtora de estanho do Brasil.

Em tese, a mudança na regra aprovada hoje pela Câmara poderia beneficiar justamente casos como o da Taboca.

Em resposta à reportagem, porém, a empresa afirmou que “o Urânio e o Tório estão associados a mineralogia da rocha de Pitinga, porém apresentam baixos teores, não apresentando viabilidade econômica para sua extração”.

A mineradora esclareceu que “nunca explorou Urânio, tampouco Tório em suas instalações industriais, desde sua aquisição pelo Grupo Minsur”.

Criada pelo grupo brasileiro Paranapanema, a Taboca foi adquirida pelo grupo peruano Minsur em 2008, um negócio de R$ 850 milhões. A Minsur é um dos principais produtores de estanho do mundo, mineral que é consumido principalmente pela China, com cerca de 50% do total. O maior investidor da Minsur é o grupo Profuturo AFP, que é controlado pelo banco canadense Scotiabank.

Perguntada se teria algum negócio com a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), a empresa afirmou ao Observatório da Mineração que “a Mineração Taboca não extrai, não beneficia, não produz, tampouco comercializa produtos ou substâncias nucleares”.

No passado, já se especulou que a Mina de Pitinga teria cerca de 300 mil toneladas de urânio. Hoje, a Taboca produz Estanho, direcionado ao mercado interno e externo, através da extração de cassiterita, e Ferro Nióbio e Ferro Tântalo, voltado ao mercado externo, através da extração de columbita.

A vida útil da mina em Presidente Figueiredo (AM) está prevista para mais 30 anos.

Em maio de 2021, reportei aqui no Observatório da Mineração que um vazamento de rejeitos da Taboca contaminou rios dentro da terra indígena Waimiri-Atroari e detalhei o histórico do caso e da empresa.

A Taboca, assim como a Mamoré, também do Grupo Minsur, estão entre as empresas na Amazônia que receberam bilhões de dólares de investidores brasileiros e estrangeiros, como revelou relatório do Observatório e da Amazon Watch.

INB mudou capital para atrair investidores

Há cerca de um mês, uma reestruturação societária da Indústria Nucleares do Brasil (INB) fez com a empresa se tornasse uma “estatal não dependente da União”.

O objetivo era justamente atrair investidores e parceiros privados.

“A alteração acionária trará maior autonomia orçamentária e financeira e mais eficiência na gestão do caixa da empresa. A INB terá maior flexibilidade para estabelecer parcerias com a iniciativa privada, pois a nova legislação permite que sejam feitos outros modelos de associação entre a empresa e parceiros privados para exploração de jazidas minerais que possuam minérios nucleares. A iniciativa deverá atrair novos investidores e desonerar o contribuinte, gerando emprego e renda para a população”.

A INB também já havia formado um consórcio com a empresa privada de fertilizantes Galvani para o projeto de fosfato-urânio em Santa Quitéria, no Ceará.

Aprovar participação de empresas privadas em minérios nucleares era prioridade do governo Bolsonaro

Não surpreende que um tema tão sensível como esse ganhe uma aprovação na Câmara já no fim do governo Bolsonaro.

O assunto era prioridade desde o início do mandato, em 2019. Aprovar a participação de empresas privadas e estrangeiras na exploração das reservas de urânio brasileiras, estimadas em pelo menos 609 mil toneladas, o que coloca o Brasil em 7º no ranking mundial, era a intenção expressa do governo como anunciado pelo ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, ainda em abril de 2019.

Albuquerque, um almirante da Marinha que manteve o cargo de ministro até maio de 2022, foi diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha e fez com o que o MME incorporasse a Nuclebras Equipamentos Pesados (Nuclep) e a Indústria Nucleares do Brasil (INB) assim que assumiu. Antes, as empresas estavam vinculadas ao Ministério de Ciência e Tecnologia.

No fim de 2020, uma forte retomada do Programa Nuclear Brasileiro já estava em curso, com metas ambiciosas do governo: investimentos superiores a R$ 15 bilhões, conclusão das obras da usina nuclear de Angra 3 – que se arrastam há décadas – e construção de mais 8 usinas até 2050, retomada da mineração de urânio em Caetité na Bahia e início das operações em Santa Quitéria, no Ceará.

A aprovação dessa MP, gestada desde 2019 e finalmente publicada em agosto deste ano, agora com a chancela da Câmara, faz parte do pacote.

O texto vai agora ao Senado.

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