4 meses após causar pânico em Barão de Cocais, Vale investe em megaprojeto na região

Por Isis Medeiros*

Lideranças comunitárias e os próprios moradores da região de Barão de Cocais defendem a hipótese de que a Vale possivelmente vai usar áreas recentemente expropriadas para expandir empreendimentos que estavam paralisados na última década. É o caso do Projeto Apolo, arquivado em 2012.

Outras comunidades vizinhas de Barão de Cocais, como André do Mato Dentro e Cruz dos Peixotos, localizadas na zona rural de Santa Bárbara, também vem denunciando a construção de uma grande obra da mineradora.

A Vale conseguiu autorização na justiça para colocar mais de 300 trabalhadores para trabalhar na região abaixo da mina de Gongo Soco para construção de “obras de contenção”. De acordo com a mineradora, na área seriam feitas intervenções “imediatas de terraplenagem, contenções com telas metálicas e blocos de pedra, no sentido de reduzir a velocidade, dispersão de energia e contenção do avanço dos resíduos através dos corpos d’água”.

“O rompimento do talude não deveriam ser motivo para alarde. Esse talude está nessa situação de abalo desde 2012, mas criaram um fato novo para justificar a expulsão da população da região e a retomada do projeto para exploração da área”, defende Pedro Filippis (32), documentarista que atua há 16 anos em defesa do território do Parque Nacional da Serra do Gandarela.

O objetivo do muro seria conter a velocidade da lama e parte dos rejeitos dentro de uma barreira de blocos de granito que estão sendo alinhados, o que impediria o avanço do rejeito. Em outro ponto será construído um muro de 5 metros de base, 10 metros de largura e 35 metros de altura, além de instalarem telas metálicas para reter sedimentos.

Para o geólogo procurado por essa matéria, a obra executada é questionável: “A gente sabe que essa obra é tecnicamente questionável. Vão desmontar uma montanha, até que ela vire um vale e desviar o curso do rejeito até onde está o Rio São João. Começaram a cavar a caixa de rebaixamento e vão escavar o leito do rio para criar uma segunda barragem de rejeito para receber esse material. Vão devastar uma área enorme para construir ali um dique com terra. Nem de concreto ele é, e nós sabemos que essa lama devastaria o que viesse pela frente. Se existe um risco real de rompimento, como vão cavar essas montanhas sem usar dinamite? Porque tecnicamente eles não poderiam usar dinamite na região por causa do possível risco de rompimento.”

As obras foram paralisadas entre 8 e 10 de julho. A obra do muro continua.

Moradores denunciam Projeto Apolo, que seria a segunda maior jazida de minério de ferro do mundo

Muitos moradores e sitiantes evacuados das comunidades rurais e de povos tradicionais, além das pessoas recém atingidas na zona rural de Santa Bárbara, acreditam que o projeto executado às pressas pela VALE seja na verdade uma estratégia da mineradora para conseguir expropriar sem muitos custos um território que já era desejado por ela.

O objetivo seria colocar em ação um projeto antigo que foi suspenso por muitos anos e está sendo agora retomado a partir do “terror do desastre”, como defende o documentarista ambientalista Pedro de Filippis (32).

“Querem viabilizar o complexo minerário Baú-Maquiné e também o Projeto Apolo, que são dois megaprojetos que foram barrados pelos movimentos populares anos atrás. Conseguimos paralisar o projeto em 2012, mas a mineradora já tem interesse nesse projeto há 15 anos. Tentaram licenciar de forma fragmentada, pela facilidade de licenciamento de pequenas áreas, mas durante o processo descobrimos que era na verdade uma tentativa de viabilizar um megaempreendimento. O projeto foi então denunciado e protocolado pelo Ministério Público na época.  Se conseguirem concretizar o plano, esse complexo minerário será o carro chefe que seguraria a VALE por mais tempo em Minas Gerais. O minério hoje extraído em Minas tem menos qualidade para exportação do que o minério do Pará. A própria Vale chama essa região de Minas Gerais de “Segunda Carajás”, seria a segunda maior jazida de minério de ferro no mundo, sendo Carajás a primeira.”

Para o professor André, “se a empresa conseguir implantar o projeto para extração de minério, ela conseguirá reduzir seus custos na extração, otimizar recursos e lucros e ainda conseguirá facilitar o escoamento da produção.”

Nicholson Pedro (51), o professor Nick, outro morador evacuado da Vila do Gongo e também liderança comunitária, segue a mesma linha de raciocínio. “A gente acredita que isso tudo é um jogo de cena para esconder um empreendimento minerário a ser executado ali. Essa é uma região riquíssima”.

Sobre a construção das possíveis obras de contenção da obra, Nick defende o que a comunidade acredita: “A VALE  já tem uma planta instalada pra processar o minério, só faltava uma barragem. Então esse muro pra conter 35 milhões de rejeitos, sendo que ali nas duas barragens ela tem 10 milhões, ficou suspeito. A gente suspeita que esse muro e as outras obras emergenciais que eles pretendem fazer na verdade serão uma nova barragem porque ali eles tem duas minas de interesse de exploração da VALE: a Mina Baú e a Maquiné, bem como o Projeto “Apolo”, que se for concretizado, será o segundo maior empreendimento da VALE no Brasil.

Nick ainda alerta para a questão da água que abastece Belo Horizonte e diz estar preocupado, porque enquanto muitos se preocupam sobre a situação da barragem e seu possível rompimento, pouco se fala sobre o projeto da VALE na região e o interesse pela Serra da Gandarela, onde está localizado o maior aquífero de Minas Gerais e um dos maiores do país.

“O problema maior é que esse projeto Apolo seria instalado em cima de um aquífero que alimenta o Rio das Velhas, que por sua vez alimenta Belo Horizonte. O que a VALE pode estar querendo seja isso. Eles estão há 6 anos tentando a licença ambiental e não conseguem por causa desse aquífero que é extremamente importante para o fornecimento de água da região metropolitana de Belo Horizonte e do médio Paraopeba. O aquífero está um pouco depois da Vila do Gongo, fica na região da Serra da Gandarela. O que a VALE pode estar querendo é o subsolo e a forma mais rápida de conseguir e mais barata, deve ser essa.” conclui.

Antigo aliado da Vale, prefeito muda discurso

Segundo o Prefeito da cidade de Barão de Cocais, Décio Geraldo (47), para a construção do muro já foram feitas as sondagens, a empresa já foi licitada para construção, mas ainda estão questionando o local onde querem construir o muro, porque caso construam no local onde a mineradora planejou, a lama poderá destruir três comunidades.

“Nós precisamos que se efetive algo que nos dê segurança. A gente não confia na mineradora, infelizmente hoje ela não tem credibilidade”, diz o prefeito. No fim de 2018, no entanto, o discurso do prefeito sobre a Vale era bastante diferente.

Muitos moradores também questionam o local onde está acontecendo a obra e onde possivelmente construirão o muro. Rogério, um dos moradores evacuados da Vila do Gongo, contesta a obra:

“Porque nós moradores fomos expulsos por uma questão de segurança e a VALE tem licença para colocar mais de 300 trabalhadores para fazerem obras exatamente no local onde será atingido pela lama? Que segurança é essa que ela coloca os seus trabalhadores em área de risco? Eles são mais capazes de sobreviver do que nós?” e conclui: “Cada panela que a gente deixou pra trás a gente tem que provar que tinha, e ela nos exige explicação, isso também nos dá direito de desconfiar dos seus interesses e de questionar”.

Até lá eu não sei se vou estar vivo”

“Eu acho que dificilmente a gente vai voltar para nossa terra. Eles estão falando em construir o muro, mas não acredito, porque teoricamente a barragem romperia antes de ficar pronto. Levariam mais de um ano pra construir o muro de contenção, mas se construírem, vai gastar 1 ano, mais 3 de descomissionamento da barragem e mais um ano para revitilzar o Socorro. Só aí quase 5 anos, até lá eu não sei se vou estar vivo”, contesta Francisco Xavier (68), sitiante evacuado da sua propriedade em Socorro desde fevereiro.

Apesar do tempo reduzido e da velocidade do percurso da lama, a Vale garante que todos os funcionários contratados estão treinados para deixar a área em segurança em caso de emergência. Ainda segundo a mineradora, a previsão é que todas as obras sejam concluídas em novembro.

Expulsões em Barão de Cocais viraram rotina

A vida simples, natural e pacata onde viviam mais de 550 pessoas foi interrompida e deu lugar ao abandono. Quem tenta voltar em casa é barrado nas duas entradas que a defesa civil criou para bloquear o acesso e é levado preso. Há vigilância no local dia e noite e muitos saques já aconteceram. Sobre os imóveis ocupados, a Vale informou ainda que são necessários às obras e que “não possuem moradores permanentes e são utilizados para lazer”, que “vai pôr em prática todos os recursos possíveis para evitar ou minorar as consequências à população”.

“Dia 8 de fevereiro a polícia veio depressa aqui pedindo pra gente sair, por bem ou por mal, e se a gente não saísse, eles iam levar a gente até algemado, porque a lama ia vir aqui. A gente sabe que tem outras áreas que seriam perigosas, mas não tem como a lama vir aqui não, é muito longe. Aí a gente prometeu que ia pra casa da minha filha, foi o jeito deles deixarem a gente ficar, mas eu já disse que daqui a gente não sai. Nós somos guardiões da terra e das águas daqui, vamos resistir”, reforça Mendes.

A esposa dele, Rosermira Martins (60), contesta o fato de que a empresa considera que todos moradores são sitiantes e por isso, os terrenos ocupados não causarão tantos prejuízos aos proprietários: “Eles falam que essas casas aqui não tem morador, que o povo vem aqui só passar final de semana, dizem que é sítio, mas não tem importância pra nós não? Aqui é terra de família, tem história.”

Para Marques, o problema maior foi a mineradora não apresentar plano de ação e nem comunicar aos moradores e proprietários de terra dos povoados de uma ação que vai gerar inúmeros impactos socioambientais nas comunidades: “Essas obras impactam, geram medo, desapropriam moradores sem aviso prévio, com decisões judiciais de última hora, que impõe o terror que já está colocado no território de Barão de Cocais e agora foram trazidos para cá. Queremos conhecer o plano da VALE, até agora não foi nada apresentado para nós.”

Para André Luiz Freitas (43),psicólogo e professor de direitos humanos na Faculdade de Direito da Universidade do Estado de Minas Gerais (UFMG), também Coordenador do Pólos de Cidadania, o direito central que está sendo violado na região é o direito à informação, direito básico e elementar ao ser humano. “As pessoas vivem a violência da espera pela ausência completa de informações. A empresa não quer que a população e as comunidades tenham acesso à informação ao que está acontecendo. Quem controla é a própria VALE. Ela controla o crime, o acesso à informação e como se não bastasse, ela se coloca no lugar dos profissionais que vão cuidar da saúde mental do crime quando contrata seus próprios psicólogos.”

Esse modo de operação da Vale é o mesmo usado em Mariana desde 2015, o mesmo implantando em Brumadinho desde janeiro e, como provado, o mesmo em Barão de Cocais e outras comunidades afetadas. Até quando a segunda maior mineradora do mundo poderá fazer o que bem entende sem qualquer intervenção dos órgãos competentes? Até quando o lobby será maior que o direito das pessoas afetadas pela Vale? Questões permanentes que, no fim, a prática acaba respondendo.

Isis Medeiros é fotógrafa documentarista, colabora com veículos impressos e eletrônicos no Brasil e no exterior. Documenta movimentos e organizações de resistência política e grandes manifestações populares. Denuncia em seu trabalho a violência do Estado e as violações de direitos humanos. Lançou, em 2020, o livro “15:30”, sobre o desastre de Mariana, pela Editora Tona.

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