A mineradora Vale exporta boa parte sua produção de minério de ferro para a China e tem negócios com o país asiático desde 1973. A Vale fornece o minério que alimenta a indústria siderúrgica chinesa, responsável por mais de 1 bilhão de toneladas anuais de aço, mais de 50% da produção mundial.
Nesse contexto, a mineradora foi uma das grandes beneficiadas com a visita do presidente Luís Inácio Lula da Silva à China na semana passada com numerosa comitiva do governo e de empresários. A Vale firmou nada menos que 8 acordos com parceiros chineses.
Um deles se destaca: acordo com a CCCC Communications Construction Company para a construção da Ferrovia do Pará, que vai ligar a cidade de Barcarena ao sudeste do Pará, em Marabá e Parauapebas.
Barcarena, que tem o maior porto do Pará, o Vila do Conde, é sede da Hydro Alunorte, mineradora norueguesa que refina bauxita para produzir alumínio e da Imerys, empresa francesa que processa caulim. As duas mineradoras colecionam violações socioambientais nos últimos anos.
A região é estratégica para a Vale. Marabá é maior cidade do sudeste paraense e Carajás e Parauapebas ficam no centro do maior projeto de minério de ferro do mundo. A ferrovia da Vale que sai de Carajás e vai até o porto de São Luís (EFC), no Maranhão, por quase 1000 quilômetros, deixando no caminho um rastro de graves impactos para as comunidades afetadas, como o Observatório da Mineração mostrou em reportagem especial, passa por Marabá.
O acordo para esta nova ferrovia que vai atender a gigantes multinacionais como Vale, Hydro e Imerys, além de siderúrgicas e a exportação de commodities em geral, foi assinado pelo governador do Pará, Helder Barbalho, com Lula, o vice-presidente de Assuntos Corporativos e Institucionais da Vale, Alexandre Silva D’Ambrosio e o presidente-adjunto da CCCC, Sun Liqiang.
“Esse empreendimento gera desenvolvimento, agrega a logística do nosso estado, desenvolve a nossa economia e gera mais empregos para nossa população. É o nosso compromisso, para deixar o Pará um estado mais competitivo, com uma economia pujante e levando qualidade de vida ao nosso povo”, publicou Helder Barbalho, no Twitter.
Para Barbalho, alçado a parceiro de Lula na tentativa de trazer a COP 30 para Belém em 2025, este é um “momento histórico” que vai integrar a nova ferrovia com a Norte-Sul, em Açailândia no Maranhão, melhorando a logística para a mineração e o agronegócio.
Foto de destaque: Helder Barbalho, Lula e representantes da Vale e CCCC em assinatura de acordo / Divulgação
Quilombolas ignorados. Desenvolvimento social da região permanece ruim mesmo após décadas de mineração e agronegócio.
O governador do Pará não comentou sobre os possíveis impactos da obra em comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais e sobre os protocolos de consulta livre, prévia e informada a que essas comunidades têm direito, conforme Convenção 169 da OIT, ratificada em lei pelo Brasil.
Em agosto de 2022, a Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA) enviou um ofício a Jair Bolsonaro pedindo que o Brasil abandone a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1989.
Entre as organizações filiadas à FIEPA está a Simineral, associação das mineradoras que atuam no Pará. Vale, MRN Mineração (controlada majoritariamente pela Vale), a francesa Imerys e a Alcoa são membros fundadores do Simineral. Entre os membros efetivos constam a norueguesa Hydro e a CBA, de alumínio.
Após contato da reportagem do Observatório da Mineração, o Simineral e as mineradoras citadas recuaram do apoio à tentativa de fazer com que o Brasil abandonasse oficialmente o respeito aos direitos de comunidades tradicionais.
“A Vale tem uma parceria histórica com o Estado do Pará e acreditamos que com esse acordo poderemos estudar a viabilidade e fazer grandes projetos de infraestrutura. Esse acordo é um passo importantíssimo para fortalecimento dos relacionamentos futuros com o Governo do Estado e a empresa chinesa”, celebrou Alexandre Silva D’Ambrosio, da Vale, no anúncio da nova ferrovia.
Nos 23 municípios por onde a Ferrovia Paraense deve passar, segundo o relatório de impacto ambiental, estão previstos impactos diretos e indiretos em 08 comunidades e vilas, 19 assentamentos com 101 mil hectares e 2.542 famílias, 05 acampamentos com 2.128 famílias e uma área de 34 mil hectares, além de 337 fazendas e 09 Comunidades Quilombolas.
A população total supera 1,2 milhão de pessoas e o documento reconhece que, apesar da região ter “começado a se desenvolver” há 30 anos, com a construção de grandes rodovias como a Belém-Brasília e a Transamazônica e o incentivo a projetos de mineração e do agronegócio, os conflitos se proliferam e as pessoas das citadas cortadas pela futura ferrovia vivem na pobreza, tem baixa escolaridade, faltam médicos e leitos hospitalares, o saneamento básico é precário e a violência é alta.
Apesar de citar as nove comunidades quilombolas impactadas, principalmente na cidade de Moju e uma em Abaetetuba, o RIMA nega que a obra vá impactar comunidades indígenas dentro do limite de 10km do empreendimento.
Capital chinês e internacional por trás do negócio
A expectativa é que a CCCC, maior construtora da China e uma das maiores do mundo, invista US$ 2 bilhões de dólares na construção da ferrovia do Pará. A CCCC tem mais de 60 subsidiárias e possui negócios em nada menos que 157 países e regiões. Embora seja controlada pelo governo chinês, a CCCC tem investidores minoritários como a BlackRok, dos Estados Unidos e o Hermes, da Inglaterra.
Olhar para os controles acionários sempre revelam informações relevantes. Entre os acionistas da Hydro, por exemplo, além da participação majoritária do governo da Noruega, aparecem bancos americanos como State Street, JPMorgan Chase, Bank of New York Mellow e Goldman Sachs.
Grandes investidores americanos também tem participação expressiva na Vale, caso da Capital Group, com mais de 13% das ações e Black Rock, com 5,5% do controle acionário. A Imerys tem como maior acionista a Belgian Securities BV, pertencente ao GBL, sediado na Bélgica, que por sua vez é controlada pela Pargesa, que possui capital canadense e belga.
No fim, o pool de investidores envolvendo a nova ferrovia do Pará em parceria com a Vale, o governo Lula e o governo do estado, vai beneficiar algumas das maiores mineradoras e investidores do mundo, com interesses cruzados e negócios mútuos.
Procurada pelo Observatório da Mineração, a Vale afirmou que o modelo final do negócio ainda será analisado.
“A Vale e a CCCC International LTD assinaram em Pequim um Memorando de Entendimentos (MoU) para avaliar o modelo de negócio mais adequado para a implantação de um corredor ferroviário no Pará, cujo traçado foi modificado para se conectar à malha da Ferrovia Norte Sul e terá como destino a região do Distrito Industrial de Barcarena (PA).
O objetivo é promover o crescimento de oferta logística no Estado e acelerar o desenvolvimento da região, gerando novos postos de trabalho e promovendo a qualificação da mão-de-obra local. Caso os atuais estudos apontem para viabilidade do projeto, a Vale e a CCCCSA vão submetê-lo à aprovação de seus respectivos conselhos de administração”, disse a mineradora, em nota.
O governo federal preferiu não comentar e afirmou que a participação de Lula foi meramente institucional, não sendo parte formal do acordo. A União, no entanto, participa de projetos de ferrovias em diversas etapas, incluindo a análise socioambiental.
O governo do Pará não respondeu aos pedidos de comentário da reportagem.
As mineradoras Hydro e Imerys não responderam sobre qual seria a participação das empresas no negócio.
O primeiro trecho, de 515 quilômetros, que prevê integração com a EFC da Vale, está com licenciamento em andamento. Planos para a construção da ferrovia existem desde 2017 e a viabilidade do negócio foi fechada agora com a participação chinesa. Estimativas indicam que a Ferrovia do Pará cruzará 16 cadeias produtivas, dezenas de minas ao longo do trajeto, com 55 produtos e um volume de mais de 100 milhões de toneladas por ano.
O minério de ferro é um mercado de US$ 160 bilhões e a China tem mudado o tabuleiro de poder do negócio a nível global.
Uma nova empresa estatal chamada China Mineral Resources Group deve se tornar a maior compradora de minério de ferro do mundo ainda em 2023, consolidando os pedidos em nome de cerca de 20 das maiores siderúrgicas chinesas, incluindo a líder China Baowu Steel Group Corp.
A CMRG está negociando contratos de fornecimento com as gigantes do setor, como Rio Tinto, Vale e BHP. Isso aumenta o poder de negociação chinês, considerando que o país asiático responde por nada menos que 75% das importações mundiais de minério de ferro.
Vale firma acordo para financiar projetos de mineração e amplia projeto de níquel na Indonésia
Além da ferrovia, a Vale firmou outros acordos, incluindo um com o Industrial and Commercial Bank of China (o ICBC) e o Bank of China, para cooperação financeira envolvendo linhas de crédito abrangentes para mineração no Brasil e para grandes projetos ao redor do mundo.
A Vale passa a contar com novos parceiros poderosos para expandir suas operações no Brasil e no planeta, especialmente na área de minerais críticos. A empresa está prestes a criar formalmente a Vale Metais Básicos, que tem foco especial em níquel e cobre. Buscas para parceiros para encaminhar a “nova” empresa estão em andamento e a expectativa é que a Vale consiga finalizar os trâmites ainda no primeiro semestre deste ano.
O aporte chinês pode ajudar a destravar essa operação, já que minerais críticos, considerados essenciais para a transição energética e a cadeia de carros elétricos e energias renováveis, é fundamental para a China, que domina a produção de terras raras, por exemplo e tem interesse em expandir negócios voltados para minerais críticos em todo mundo.
“Os Memorandos de Entendimento são projetados para apoiar o desenvolvimento comercial da Vale e fortalecer as parcerias entre a Vale e os dois principais bancos chineses.
De acordo com os MoUs, os dois bancos chineses pretendem fornecer apoio de crédito à Vale através de facilidades de empréstimo, de financiamento de projetos, comércio ou ativos, de garantias bancárias, entre outros.
A Vale e os dois bancos também pretendem aprofundar ainda mais sua colaboração no combate às mudanças climáticas, incluindo financiamento verde, energia renovável e outras oportunidades que surgem da transição energética”, disse a Vale, em nota enviada ao Observatório.
Outro acordo firmado pela Vale na China vai justamente nesta linha. A Vale Indonésia confirmou investimento em projeto com a Tisco (grupo Baowu) e a Xinhai para a construção de uma planta de processamento de níquel e outras instalações de apoio. A produção anual mínima deve ficar em 73 mil toneladas de níquel.
Com isso, a Vale amplia o seu projeto de níquel na Indonésia, país estratégico para o seu portfolio e que recentemente ganhou outra parceira de peso, da Ford. A Vale produz níquel também no Pará e no Canadá. A Tesla de Elon Musk fez acordo com a Vale para o fornecimento de níquel em 2022.
“A subsidiária da Vale na Indonésia (PT Vale Indonesia), juntamente com a Taiyuan Iron & Steel Co. Ltd. (Tisco) e a Shangdong Xinhai Technology Co. Ltd. (Xinhai), assinaram um Acordo de Investimento para um projeto de construção de uma planta de processamento de ferro-níquel para fornos elétricos rotativos (RKEF) com uma produção anual mínima de 73 mil toneladas de níquel e outras instalações de apoio no distrito de Morowali, Indonésia. O projeto utilizará energia a gás para fornecer eletricidade e prevê-se que seja um projeto verde e de baixo carbono. A Tisco é um produtor de aço inoxidável de renome mundial na maior empresa de aço estatal da China, a Baowu. O projeto Morowali, anteriormente conhecido como Bahodopi, foi aprovado pelo Conselho de Administração da Vale em julho de 2022. O start-up está previsto para 2025”, disse a Vale.