Nenhum executivo punido. Centenas de milhares de vítimas sem reparação. Nenhuma multa paga. Enquanto isso, Vale e BHP lucraram, de 2016 a 2019, cerca de R$ 162 bilhões. As duas empresas são as maiores mineradoras do mundo. O rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), que despejou 40 milhões de metros cúbicos de lama tóxica por mais de 600km da bacia do Rio Doce até o Oceano Atlântico, completa 4 anos nesta terça-feira.
O levantamento leva em conta o lucro líquido da Vale e o conceito de “underlying profit” da BHP, considerado um dado mais certeiro em relação ao lucro gerado descontando “eventos inesperados” – como o rompimento de uma barragem. Não entrou na conta os R$ 2,8 bilhões de lucro que a Samarco teve em 2014, na época, o quinto maior lucro líquido do Brasil.
Em 2019, mesmo com o rompimento da barragem em Brumadinho, a Vale está empatando o lucro com o prejuízo. Porém, no terceiro trimestre, a mineradora já registrou lucro de R$ 6,5 bilhões, o que indica que deve terminar o ano no azul. No fim, o valor real deve ser ainda maior.
As fontes consultadas foram os próprios balanços das empresas e matérias de sites confiáveis. Confira aqui um repositório de links e fontes usadas. Para balizar, citei a cotação atual do dólar, R$ 4. Na correção, esse valor sobe ainda mais.
Ainda: Murilo Ferreira, presidente da Vale quando a barragem de Mariana rompeu, embolsou R$ 60 milhões quando deixou a empresa, em 2017. Cada diretor foi agraciado com R$ 12,4 milhões no mesmo ano.
500 mil atingidos. Impunidade para executivos.
O Ministério Público Federal (MPF) calcula em 500 mil o número de pessoas atingidas pelo crime nas mais de 40 cidades afetadas em Minas Gerais e no Espírito Santo. Milhares de pessoas ainda lutam para receber o auxílio-emergencial de um salário mínimo (R$ 998) por mês. Em Mariana, somente 10% dos atingidos receberam indenização.
Desde o rompimento da barragem, no entanto, a Vale acumula R$ 390 milhões em multas não pagas.
A ação civil pública do MPF que pede R$ 155 bilhões em reparação foi suspensa até agosto de 2020 e outra ação do governo federal que pedia R$ 20 bilhões de multa foi extinta.
A ação criminal que pede a condenação de 21 réus por pelos crimes de inundação, desabamento, lesão corporal e homicídio com dolo eventual, que ocorre quando se assume o risco de matar sem se importar com o resultado da conduta, segue sem prazo determinado para conclusão.
Em setembro, decisão da justiça livrou os executivos da Samarco, Vale e BHP da ação penal. O MPF recorre. O julgamento dos réus sequer foi marcado.
Só 3 de 21 assessorias técnicas criadas. Renova se recusa a fazer a reparação.
O acordo feito por Vale e BHP com a justiça previa a criação de 21 assessorias técnicas para justamente ajudar na comprovação do direito dos atingidos. Até hoje, porém, somente 3 estão funcionando, em Mariana, Barra Longa e Santa Cruz do Escalvado, Rio Doce e Xopotó (que contam com uma só para as três localidades).
De acordo com André Sperling, promotor de justiça que integra a Força Tarefa do Ministério Público responsável pelo crime de Mariana, as outras 18 assessorias ainda precisam ser contratadas.
“A Vale e a BHP tem sistematicamente tentado desidratar esses projetos de assessoria técnica, transformar em projetos menores. Porque onde há assessoria técnica, essa lógica perversa da Renova, de violações de direitos, tem um enfrentamento qualificado pelos próprios atingidos empoderados pela assessoria técnica”, afirma Sperling.
O promotor reforça a postura da Fundação Renova, criada por Vale e BHP, em se negar a conversar, ouvir as pessoas, a negociar e a reconhecer a sua responsabilidade, negando os auxílios mesmo 4 anos depois.
“A Renova tem uma dificuldade muito grande de conversar com os atingidos. Nesses locais (onde há assessoria) as pessoas questionam a violação de direitos da Renova. E a Renova se recusa a se negociar, alega que não existe clima, ela se retira da mesa. Como uma fundação que foi criada para fazer o processo de reparação não está em campo conversando com os atingidos, com as suas vítimas? Essa é uma dificuldade que precisa ser modificada. A Renova tem que entender que ela precisa dialogar com os atingidos. Tem muitas pessoas que ao longo de 4 anos não receberam nada até hoje, nem o auxílio emergencial. É normal que estejam revoltados”, conta o promotor.
A reconstrução dos distritos destruídos também está atrasada. Prevista inicialmente para 2019, a inauguração do novo Bento Rodrigues foi adiada para 2020. No total, 900 famílias esperam. A reconstrução de Paracatu está na terraplanagem e a de Gesteira ainda está em fase de análises preliminares do terreno.
10 dias atrás, o Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais aprovou a licença para que a Vale e a BHP voltem a explorar minério na região de Mariana. A expectativa é que, após algumas obras necessárias, as mineradoras voltem a operar em meados de 2020.
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