Sob comando de Campos Neto, Banco Central mais do que dobrou reservas de ouro

Durante a gestão de Roberto Campos Neto, que começou em 2019, indicado por Jair Bolsonaro, o Banco Central mais do que dobrou as reservas internacionais de ouro do Brasil. É o que mostram dados do próprio Banco Central, do Fundo Monetário Internacional e do World Gold Council analisados pelo Observatório da Mineração.

Em 2021 o Banco Central realizou a maior compra de ouro da sua história, adquirindo 62,3 toneladas, sendo 11,9 toneladas em maio, 41,8 em junho e 8,5 em julho. É quase o dobro da segunda maior compra dos últimos 22 anos, de 33,6 toneladas em 2012, segundo o WGC. Desde então as reservas se mantiveram estáveis e o Brasil tem hoje 129,7 toneladas de ouro sob gestão do BC.

Utilizando o padrão de onça-troy, medida usada no mercado de ouro que equivale a cerca de 31 gramas, em 2019 as reservas internacionais de ouro estavam em 2,17 milhões de onças-troy. Em 2021 esse número saltou para 4,17 milhões e se mantém até o momento. Em termos de liquidez de holdings de ouro em dólares, o valor passou de $3,2 bilhões em 2019 para $8,6 bilhões em 2023, de acordo com o FMI.

Este aumento súbito segue uma tendência internacional. Em momentos de crise, como a representada pela pandemia de Covid-19 que começou em 2020, Bancos Centrais de todo o mundo passaram a adquirir muito mais ouro do que o padrão. O metal é considerado um ativo seguro e confiável em tempos instáveis, o que inclui a pandemia, a guerra na Ucrânia, conflitos no Oriente Médio e crise econômica.

Essa corrida por ouro, porém, fez a cotação do metal disparar desde 2020, quebrando recordes consecutivos que se renovam com viés de alta. Em maio, ultrapassou a barreira dos $ 2.400 por onça-troy e segue acima de $ 2300 agora.

O BC brasileiro alega que não compra ouro no mercado nacional, apenas no estrangeiro, deixando implícito que não adquire ouro de garimpo. Como a cadeia global do metal, porém, é altamente desregulada e contaminada por uma série de violações, não há como qualquer Banco Central garantir que ouro ilegal não esteja no pacote.

Além disso, a compra de ouro pressiona a cotação da commodity e incentiva o garimpo ilegal na Amazônia e em todo o mundo, tornando muito mais lucrativa uma atividade já altamente atrativa para o crime organizado e fazendo com que o risco inerente de se explorar ouro na Amazônia valha a aposta.

Este cenário, somado com o desmonte da fiscalização, os incentivos diretos do governo Bolsonaro e a proximidade do lobby do garimpo com o ex-governo, detalhados no relatório “Dinamite Pura” publicado pelo Observatório da Mineração em 2023, explicam o boom de garimpo ilegal na Amazônia nos últimos anos. Entre 2016 e 2022 o garimpo ilegal dentro de terras indígenas na Amazônia aumentou 361%, de acordo com o IPAM. Casos como os da TI Kayapó são ainda piores. Lá, o garimpo aumentou impressionantes 1.339% em seis anos.

Foto de destaque: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O Observatório da Mineração precisa dos leitores para continuar atuando em prol da sociedade com o objetivo de evitar que o neoextrativismo em curso comprometa uma transição energética justa. Faça uma doação recorrente no PayPal ou colabore via PIX com o valor que desejar no email apoie@observatoriodamineracao.com.br

Perguntas sem resposta clara

Ainda que o Brasil divulgue as reservas de ouro e o BC publique um relatório anual sobre as reservas internacionais, algumas perguntas seguem sem resposta.

Oficialmente, o BC diz que “não adquire ou negocia ouro no mercado local. A armazenagem e a negociação do ouro das reservas internacionais são feitas no mercado externo, seguindo procedimentos compatíveis com o padrão internacional”.

Não está claro, porém, de quem o BC compra ouro e onde o ouro brasileiro está armazenado, qual a justificativa técnica do BC para a grande aquisição de ouro em 2021 e como o BC tem atuado na regularização e fiscalização do ouro ativo financeiro comercializado pelas DTVM’s, empresas que dominam a cadeia do ouro do garimpo ao comércio internacional.

O Observatório da Mineração enviou estas perguntas para a assessoria do Banco Central. Em resposta, a assessoria afirmou que pelo ouro possuir “características anticíclicas em momentos de estresse”, reduzindo a exposição do país a oscilações cambiais, a posição em ouro foi elevada.

Sobre de quem compra ouro e onde está armazenado – um relatório de 2018 indicava que poderia ser a Inglaterra, sob custódia do Bank of England – o BC alegou que “a informação das contrapartes com quem o Banco Central opera está protegida pelo sigilo bancário, previsto no art. 2º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001”.

De acordo com a posição oficial do banco, “a seleção de custodiantes elegíveis pelo Banco Central é feita segundo critérios rigorosos, compatíveis com sua preferência conservadora por risco, destacando-se, no caso de classes de ativos como metais preciosos, instituições oficiais (incluindo bancos centrais)”.

Destruição causada pelo garimpo na TI Yanomami / Christian Braga / Divulgação Greenpeace / ISA

DTVM’s sob investigação, responsabilidade do BC e caminhos do ouro

Muitas DTVM’s foram alvo de investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal na última década. É o caso da FD Gold e da Ourominas, por exemplo. A CVM, órgão do Ministério da Economia responsável por fiscalizar o mercado de capitais, abriu um processo administrativo em 2023 contra as cinco principais DTVM’s por indícios de compra de ouro ilegal. Conforme relatório do Instituto Escolhas, cerca de metade do ouro exportado pelo Brasil tem origem suspeita. Traders como a BP Trading também levantam suspeitas.

Entender a cadeia do ouro e os caminhos que percorre é complexo. Esse post de 2017 do BC, mesmo desatualizado – o DNPM se transformou na ANM e o princípio de “boa fé” foi suspenso pelo STF em 2023 -, conserva boas explicações.

Resumidamente, a legislação brasileira classifica o ouro em três tipos, conforme regras tributárias e cambiais: ouro mercadoria, ouro ativo financeiro e ouro ativo cambial. O ouro mercadoria, usado pela indústria e joalherias, não é regulado pelo Banco Central. Já o ouro financeiro e o ouro ativo cambial são.

Segundo a Lei 7.766/89, se o ouro é destinado ao Mercado Financeiro, ao ser adquirido por uma instituição financeira, ele se torna ouro financeiro (podendo virar ouro cambial depois). Quando o ouro financeiro é registrado como Ativo no Sistema Câmbio do BC, ele se torna ouro cambial. De acordo com o artigo 167 da Circular 3.691/13, o ouro cambial só pode ser negociado com outra instituição financeira ou com o BC.

A extração do ouro e ações como transporte, refino ou comércio do ouro mercadoria não são responsabilidade do Banco Central. É quando o ouro entra no mercado financeiro por compra de uma instituição financeira que o BC deve fiscalizar os documentos das instituições financeiras na aquisição do metal, garantindo que o vendedor forneça informações verdadeiras sobre a origem do ouro e seu vínculo com o produto.

Gráfico do BC ilustra o pico de aquisição de ouro em 2021, com 62,3 toneladas, em comparação com a última década

Em resposta ao Observatório da Mineração, o Banco Central afirmou que “os procedimentos de supervisão alcançam todas as instituições autorizadas a funcionar pelo BC, inclusive as DTVMs, independentemente se operam com ouro ativo financeiro ou não” e que essa supervisão pelo BC acontece “de forma contínua”. O banco reforçou que “do ponto de vista de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (PLD/FT), os procedimentos de supervisão do Banco Central do Brasil (BC), estão alinhados ao que trata a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, a Circular BCB 3.978/2020, e a Carta Circular BCB 4.001/2020”.

Mesmo com mudanças positivas, como a adoção da nota fiscal eletrônica a partir de agosto de 2023, o histórico recente mostra que tanto Banco Central quanto Agência Nacional de Mineração, entre outros atores responsáveis, tem falhado consideravelmente em regular e fiscalizar toda a cadeia do ouro.

Enquanto isso, bilhões são extraídos por redes cada vez mais articuladas, organizadas e poderosas de criminosos e terras indígenas sofrem um grau de destruição irrecuperável para o meio ambiente e para as pessoas impactadas direta e indiretamente.

A Fiocruz sistematicamente tem identificado níveis alarmantes de contaminação por mercúrio em habitantes da TI Yanomami, em Roraima, na TI Munduruku, no Pará e em diversos centros urbanos da Amazônia, com impactos severos na saúde humana.

Bancos Centrais apostam cada vez mais em ouro

Mesmo com o súbito incremento desde 2019, o ouro representa somente 2,6% das reservas internacionais brasileiras, colocando o Brasil no 32º lugar entre os países com mais ouro em quantidade. Em 2019, no entanto, esse percentual era de 0,94%.

Os Estados Unidos lideram, com 8 mil toneladas de ouro que representam 72% das reservas norte-americanas. Ainda que tenha adquirido bastante ouro nos últimos anos, a China aparece em sétimo lugar no ranking global, com 2,2 mil toneladas que significam cerca de 5% das reservas do país. Vizinhos do Brasil como a Venezuela tem 161 toneladas de ouro que representam 86% das reservas. Os últimos dados disponíveis da Venezuela, porém, são de 2018.

Rússia, China, Turquia, Polônia, Emirados Árabes, Japão, Hungria, Tailândia e Singapura, junto ao Brasil, estão entre os países que mais compraram ouro desde 2019. Os dois últimos anos registraram compras acima de 1000 toneladas de ouro pelos Bancos Centrais do planeta, ambos recordes históricos. E a tendência é que tais bancos sigam incrementando suas reservas douradas.

No total, o mundo tem 36 mil toneladas de ouro sob custódia de Bancos Centrais e entidades internacionais como o Fundo Monetário Internacional. Nem todos os países, porém, divulgam quanto ouro está sob sua gestão.

AJUDE A MANTER O OBSERVATÓRIO

O Observatório da Mineração precisa do apoio dos nossos leitores com o objetivo de seguir atuando para que o neoextrativismo em curso não comprometa uma transição energética justa.

É possível apoiar de duas formas. No PayPal, faça uma assinatura recorrente: você contribui todo mês com um valor definido no seu cartão de crédito ou débito. É a melhor forma de apoiar o Observatório da Mineração. Aceitamos ainda uma contribuição no valor que desejar via PIX, para o email: apoie@observatoriodamineracao.com.br (conta da Associação Reverbera).

Siga o site nas redes sociais (Twitter, Youtube, Instagram, Facebook e LinkedIn) e compartilhe o conteúdo com os seus amigos!

E buscamos novos parceiros e financiadores, desde que alinhados com o nosso propósito, histórico e perfil. Leia mais sobre o impacto alcançado até hoje pelo Observatório, as aulas que ministramos e entre em contato.

Sobre o autor