O Projeto de Lei 2780/2024, apresentado em julho por seis deputados federais, propõe a criação de diretrizes para o setor de minerais críticos e estratégicos no Brasil e estende os subsídios das mineradoras para a exploração de insumos usados na transição energética.
Para isto, a proposta altera a Lei 11196/2005, permitindo “o gozo dos benefícios fiscais e da subvenção” também para “pessoas jurídicas que desenvolvam projetos de pesquisa, lavra ou transformação de minerais críticos ou de minerais estratégicos”, tais como depreciação integral, amortização acelerada e redução de 50% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Waldir Salvador, consultor de Relações Institucionais e Desenvolvimento Econômico da Associação de Municípios Mineradores do Brasil (Amig), criticou a proposta. “O segmento industrial é o menos onerado do país e, dos industriais, o menos onerado é o minerador. Então já existem benesses de sobra”, ponderou.
Em abril, o Observatório da Mineração mostrou que incentivos fiscais na Amazônia beneficiam mineradoras e já dão prejuízos bilionários aos cofres públicos.
No entanto, para os deputados federais Zé Silva (Solidariedade-MG) e Keniston Braga (MDB-PA), autores do Projeto de Lei 2780/2024 e membros da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável (FPMin), a medida é necessária.
“O setor de mineração é um setor em que os investimentos são todos de grande porte e alto risco. Então, já que é um mineral estratégico, que multiplica o desenvolvimento, nós estamos mantendo os incentivos que têm, principalmente o imposto de renda, porque a carga de tributação do Brasil em relação à mineração já é uma das mais altas do mundo”, disse Silva.
A visão também é compartilhada por Keniston. Segundo o deputado, os benefícios são importantes porque muitas empresas nacionais e internacionais têm interesse no ativo mineral brasileiro, mas desistem por uma série de dificuldades legais e estruturais. “Não é um protecionismo puro e simplesmente. Que a gente crie gatilhos que transfiram para a exploração mineral no nosso país segurança para quem quer investir”, afirmou.
Imagem de destaque: Deputado Zé Silva durante a exposição “Minerais Críticos e Estratégicos para a Transição Energética”. Crédito FPMin
Nova política mineral e comitê
O projeto de lei também institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE) e o Comitê de Minerais Críticos e Estratégicos (CMCE), vinculado ao Conselho Nacional de Política Mineral.
Os deputados explicaram que a construção do arcabouço teórico para fundamentar o projeto envolveu seminários da Frente Parlamentar, bem como diálogos com a Agência Nacional de Mineração (ANM), com o Ministério de Minas e Energia (MME) e também com as empresas.
“Essa discussão começou no ambiente do parlamento e aí a gente convidou todos esses outros setores, inclusive mineradoras, que a gente foi consultar, trocar ideia, para descobrir um pouco de como elas enxergam esse ambiente da exploração dos minerais críticos e estratégicos”, disse Keniston Braga.
Zé Silva afirmou ainda que, antes de apresentar o PL, se reuniu com o secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, Vitor Saback; e com o ministro do MME, Alexandre Silveira.
“É comum os deputados apresentarem um projeto de lei e o governo apresentar outro, mas eu já critiquei isso – não só nesse como nas gestões anteriores. Então eu falei: ‘Já que o Poder Executivo não tomou iniciativa, eu vou tomar’. E eu estou tendo o apoio, especialmente do secretário”, ponderou.
O PL apresenta dez princípios para a PNMCE, tais como o aproveitamento racional dos minerais, atração de investimentos, ampliação da competitividade do país no mercado global e aumento da disponibilidade de minerais empregados em tecnologias relacionadas à transição energética.
Waldir Salvador ressaltou que a Amig tem uma série de ressalvas sobre a apresentação de um novo projeto para o setor, mesmo reconhecendo a importância dos minerais estratégicos para a “onda verde” que o mundo vai ter que passar.
“É muito difícil afirmar se essa política é boa para os municípios. Primeiro, porque no Congresso há diversas alterações durante o período que vai tramitar e acaba tendo enormes distorções ao longo do tempo. Depois, o que a gente tem certeza absoluta, é que muito antes de se criar novos projetos de lei para surfar na onda de minerais críticos e energéticos, é muito preferível que se investisse na estruturação da política mineral existente no Brasil, que é completamente esfacelada”, ressaltou.
Já o comitê será composto por oito ministros e cinco representantes. Caberá ao grupo estabelecer as prioridades da PNMCE e promover o levantamento de dados, além de desenvolver estudos, avaliações e monitoramentos.
Atualmente, o projeto de lei tramita na comissão de Desenvolvimento Econômico e ainda deve passar pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Minas e Energia; Finanças e Tributação; e pela de Constituição e Justiça e de Cidadania.
“Agora tem que definir os relatores e dar celeridade para a aprovação. A minha expectativa é que até o fim do ano a gente tenha aprovado esse projeto na Câmara”, afirmou Silva.
A ANM disse, em nota enviada à reportagem, que “O Projeto de Lei 2780/2024 é muito importante e estratégico, mas é muito recente, e por isso ainda não foi encaminhado para análise por parte da Agência Nacional de Mineração”.
O Observatório da Mineração também pediu um posicionamento do Ministério de Minas e Energia sobre o PL, mas não recebeu nenhum retorno dos três e-mails enviados entre os dias 21 e 29 de agosto. Por telefone, a assessoria do órgão informou que a demanda “está com a área técnica”.
Reforma tributária
As alterações da Reforma Tributária, que reaqueceu o debate sobre as isenções da Lei Kandir, também foram mencionadas pelos entrevistados.
De acordo com Salvador, a Amig participou para “tentar mostrar ao país as grandes benesses fiscais” que a mineração já tem, mas, segundo ele, “não foi possível sensibilizar o Congresso”.
Já Silva, ressaltou o trabalho que coordenou sobre o imposto seletivo. “No mundo inteiro, este é um imposto que não tem caráter arrecadatório e sim educativo, para cobrar imposto de cigarro, bebida alcoólica… pilares da economia que estão ligados à saúde do Brasil. Na mineração, eu propus que minerais críticos tivessem tarifa zero. Não é isento, que é não cobrar. Tarifa zero é: se amanhã não for mais estratégico, passa a ser tributado”, disse.
Rombo na Cfem
Salvador também destacou o rombo da sonegação fiscal causada por mineradoras na Compensação Financeira Pela Exploração Mineral (Cfem), conforme levantamentos e auditorias feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e outras entidades. Como mostrou o Observatório da Mineração, apenas nos últimos 5 anos esse rombo pode ter ultrapassado R$ 35 bilhões.
De acordo com ele, todos os dias a Amig recebe demandas das prefeituras sobre empresas que não respeitam a legislação municipal, o plano diretor, que sonegam, que não tem alvará de localização e/ou que não dão satisfação sobre prazos.
“O que a gente costuma dizer é que poderia ser apelidado de crime de lesa pátria, para não dizer roubo porque não está pagando por um produto que o país está te entregando. É muito pior, muito mais agressivo”, disse o consultor da Amig.