Em plenária realizada na manhã desta quarta (06) no ATL 2022, lideranças indígenas cobraram diretamente a deputados do Parlamento Europeu que os países do bloco tomem providências concretas para proteger as terras indígenas e cortem o financiamento a empresas que colaboram para a destruição da Amazônia.
“É para proteger a Amazônia, mas vocês compram ouro de gente que tá matando os parentes na nossa terra? Vocês estão financiando a morte em todas as regiões da Amazônia. Queremos que sejam coerentes, que ajudem a proteger”, cobrou Beto Marubo, liderança do Vale do Javari, no Amazonas, região com maior incidência de povos isolados do planeta.
Grande importadora de ouro, minério de ferro, cobre e níquel, entre outros minerais, além de importar massivamente soja e carne, a postura dos países europeus diante da subida exponencial do desmatamento na Amazônia nos últimos anos, do avanço do garimpo ilegal, das invasões de terras indígenas e da grilagem é questionada pela gravidade do cenário atual e a inércia em resposta.
“Em Brasília tem várias embaixadas. Vocês do Parlamento Europeu precisam dar a informação para os seus países sobre os nossos direitos, nossas terras. Fiquem sabendo o que o governo tá fazendo com os povos indígenas”, destacou Megaron Txucarramãe, histórico líder indígena kayapó do Xingu, no Mato Grosso.
O Observatório da Mineração mostrou com exclusividade em setembro de 2021 que embaixadores estrangeiros que atuam no Brasil foram consultados com frequência pelo governo de Jair Bolsonaro sobre políticas para o setor mineral e tiveram voz ativa na estratégia conjunta de liberar terras indígenas para a mineração e o garimpo, incluindo o PL 191.
A promessa de campanha de Jair Bolsonaro de não demarcar nenhuma terra indígena está sendo cumprida, lembrou Megaron, que destacou o quanto o PL 191 será desastroso para os indígenas de todo o Brasil.
Bancos alemães, por exemplo, financiam mineradoras como Vale, Anglo American, Rio Tinto, AngloGold Ashanti, Glencore e Belo Sun no Brasil, todas com projetos problemáticos e acusações de violações de direitos humanos.
Se os países europeus estão com medo das consequências da crise climática, disse Beto Marubo, precisam pressionar o governo brasileiro para dar um basta nas invasões de terras indígenas e cobrar o cumprimento das metas internacionais assumidas pelo Brasil.
“O governo incentiva a invasão de terras para favorecer o agronegócio que vende boi e galinha para vocês. O governo brasileiro mente para vocês. Venham visitar nossas aldeias para ver a realidade. Vocês falam em proteção com medo do clima, mas financiam gente que tem matado parentes nas nossas terras. Os parentes isolados estão muito vulneráveis”, cobrou Beto Marubo, se dirigindo aos deputados do Parlamento Europeu presentes na plenária virtual e aos representantes das Nações Unidas.
Todas as fotos por Rebeca Binda / exclusivo para o Observatório da Mineração.
Deputados europeus prometem empenho
Atentos às cobranças e reivindicações das lideranças indígenas, os deputados europeus convidados, do bloco de esquerda e dos Verdes, prometeram aumentar a pressão na União Europeia.
“O que está acontecendo no Brasil é um genocídio, um massacre, uma vergonha. Esses artifícios legais para roubar as suas terras. Estamos diante de uma crise climática e uma crise social”, disse a deputada italiana Eleonora Evi, da Europa Verde.
Apesar de boicotes pontuais, como o veto à carne brasileira por supermercados europeus no fim de 2021 e a pressão frequente para que a Europa deixe de importar soja ligada ao desmatamento, os países do bloco seguem como grandes importadores de commodities.
“Agradeço pela luta, que é a de todos. Estamos levando adiante uma série de iniciativas com medidas para proibir a importação de produtos que causam desmatamento, que deverão ser mais ambiciosas e rígidas. Não podemos permitir que esse ataque vergonhoso continue”, afirmou Evi.
O espanhol Miguel Urbán Crespo, do bloco anticapitalista e um dos fundadores do partido Podemos, disse que é contra o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Com duas décadas de negociações e após perder força, o Acordo ganhou nova vida com a guerra na Ucrânia e a crise energética e de commodities.
“Não apenas precisamos apoiar a derrota do Bolsonaro, mas também suas políticas. Como membro do Parlamento Europeu meu compromisso é rejeitar esse acordo UE-Mercosul e defender os direitos dos povos indígenas e do mundo inteiro”, prometeu Crespo.
Relatores da ONU condenam o PL 191
Marcos Orellana, relator especial da ONU sobre direitos humanos e resíduos tóxicos, reprovou a liberação massiva de agrotóxicos no governo Bolsonaro, o uso de pesticidas como armas químicas contra os indígenas e o PL 191, que pretende abrir terras indígenas para a mineração e o agronegócio.
Orellana destacou a preocupação com as consequências do PL.
“O governo Bolsonaro usou o coronavírus para enfraquecer as redes de proteção e hoje usa a guerra na Ucrânia para enfraquecer as defesas jurídicas alcançadas pelos povos indígenas. O PL 191 levará a mais problemas ambientais, a extração de minérios e fósseis irá produzir alta poluição, com inúmeras substâncias perigosas e prejudiciais. Tudo isso pode provocar uma catástrofe em todo mundo e coloca em risco a biodiversidade e milhões e milhões de pessoas”, disse.
O guatemalteco Francisco Calí Tzay, que assumiu o posto de relator da ONU sobre direitos de povos indígenas, se colocou à disposição dos 6 mil indígenas presentes no ATL 2022 em Brasília.
“Não há desculpa para o PL 191, não se pode explorar o coração da Amazônia. Com certeza isso vai provocar problemas graves para os povos indígenas em particular, mas para todo o planeta. Sempre estou disposto a ouvi-los e levar adiante as ações que vocês pedirem. Podem contar comigo”, afirmou.
Deputados alemães enviam carta para a Câmara e o Senado sobre o PL 191
Nesta semana deputados alemães do bloco que foi recentemente eleito para governar, formado pelos Verdes/Aliança 90, o Partido Socialdemocrata Alemão (SPD), o Partido Democrático Livre e outros enviaram cartas contra o PL 191 para o presidente da Câmara, Arthur Lira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Tanto o Brasil quanto a Alemanha estão enfrentando desafios internos extraordinários devido ao agravamento da crise climática, diz o texto. A solução estaria no aprofundamento das relações bilaterais entre os dois países na proteção e preservação dos biomas brasileiros como a Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica, que são extremamente importantes para o Brasil e para a comunidade global, completam.
Por isso, “deve ser dada especial importância ao respeito, proteção e garantia dos direitos humanos e territoriais indígenas”, afirmam.
A aprovação do PL 191 “representaria uma enorme ameaça aos direitos dos povos e comunidades indígenas e tradicionais do Brasil”, finaliza a carta, que foi enviada também para órgãos como o Ministério de Minas e Energia, o Grupo Parlamentar Brasil/Alemanha, a Embaixada do Brasil em Berlim e a Embaixada da Alemanha em Brasília, entre outros.
*A cobertura especial do Acampamento Terra Livre 2022 pelo Observatório da Mineração conta com o apoio da Amazon Watch.